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WhatsApp: o dilema da privacidade

Lagarto, a cidade sergipana onde despacha o juiz Marcelo Maia Montalvão, tem 100.000 habitantes. Montalvão, claro, é o autor da decisão anunciada nesta segunda-feira – e derrubada na tarde de terça – que impediu 100 milhões de brasileiros de usar o WhatsApp, o aplicativo mais popular do país hoje. É, também, provavelmente o software mais […]

Allan White/ Fotos Públicas (Allan White/ Fotos Públicas/Reprodução)

Allan White/ Fotos Públicas (Allan White/ Fotos Públicas/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2016 às 15h34.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h23.

Lagarto, a cidade sergipana onde despacha o juiz Marcelo Maia Montalvão, tem 100.000 habitantes. Montalvão, claro, é o autor da decisão anunciada nesta segunda-feira – e derrubada na tarde de terça – que impediu 100 milhões de brasileiros de usar o WhatsApp, o aplicativo mais popular do país hoje. É, também, provavelmente o software mais utilizado no Brasil em todos os tempos.

A Justiça exigiu que o WhatsApp entregasse informações transmitidas por alguns de seus usuários, que fariam parte de uma quadrilha de tráfico de drogas. Parece razoável, afinal de contas com mandados judiciais (ou às vezes até mesmo sem eles) telefones são grampeados, correspondências são violadas e contas bancárias são escarafunchadas. No caso que silenciou o Brasil, o WhatsApp já disse que não poderia entregar as informações pedidas pela Justiça. Como outras empresas de internet, a companhia (que pertence ao Facebook), diz que “não tem” as informações requisitadas. Em comunicado, o WhatsApp se disse “desapontado” com a decisão judicial.

Mas o que realmente importa é o futuro – ou melhor, o presente. Desde o começo de abril, todos os usuários de WhatsApp que têm a versão mais recente do software conversam essencialmente em segredo. Todas as mensagens de texto ou de voz, ligações telefônicas, fotos, vídeos, links, indicadores de localização – tudo é submetido a um sistema de criptografia de ponta a ponta, com chaves de 256 bits. Sem entrar em detalhes técnicos, basta saber que esse tipo de codificação é inquebrável.

O computador mais veloz do mundo poderia tentar todas as combinações possíveis – os chamados ataques de força bruta –, mas seriam necessários bilhões de anos para que ele decodificasse uma única mensagem de “bom dia”. Outra característica da criptografia ponta a ponta é que nem o próprio WhatsApp tem acesso ao conteúdo das mensagens. Além de codificadas, elas não ficam guardadas em seus servidores.

Não se sabe quantos do mais de 1 bilhão de usuários do WhatsApp no mundo já estão usando a versão mais recente do aplicativo, mas é razoável supor que não vá demorar muito para que a maioria faça o upgrade – especialmente os que pretendem trocar informações potencialmente incriminatórias. E é essa a questão que nem o juiz Montalvão, nem a Polícia Federal, o FBI, nem a Justiça americana, nem ninguém sabe responder: quais as implicações de um sistema global de troca de mensagens invioláveis? Qual é o equilíbrio adequado entre a segurança das informações privadas e a segurança de todos?

Para as empresas que oferecem esses serviços, a palavra escolhida para enquadrar o assunto é sempre a mesma: privacidade. “Quando criptografadas de ponta a ponta, suas mensagens estão protegidas e não vão cair em mãos erradas”, diz o WhatsApp. Foi também com o argumento da privacidade que a Apple se recusou a desbloquear o celular de um dos acusados do atentado terrorista que deixou 14 mortos e 22 feridos na Califórnia em dezembro passado (o FBI conseguiu o desbloqueio com a ajuda de uma empresa privada). Especialmente depois das revelações de Edward Snowden, as grandes companhias de tecnologia contam com uma enorme dose de boa vontade por parte dos usuários quando se trata de impedir a bisbilhotagem do governo.

Mas, por mais empedernida que seja a posição das empresas do Vale do Silício – e por mais poderes que elas detenham quando se trata de uma decisão que elas adotam em relação a seus produtos –, a questão está longe de ser decidida. Do lado técnico, o argumento é que qualquer brecha deixada propositalmente no software, chamada no jargão de “porta dos fundos”, significa uma potencial avenida para os hackers. Ou os sistemas são absolutamente robustos, como o usado pelo WhatsApp, ou então de nada adiantam.

Em março, quando FBI e Apple ainda estavam brigando em público, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um contraponto. “Se é tecnologicamente possível criar um aparelho ou sistema impenetrável, cuja criptografia é tão forte que não há chaves, não há portas, como prendemos quem distribui pornografia infantil? Como desbaratamos os planos de atentados terroristas? Se não houver como romper essa barreira, e o governo não puder entrar, então todo mundo está andando com uma conta de banco suíço no bolso”, afirmou Obama. Um dia sem WhatsApp é pouca coisa diante da magnitude da discussão que se apresenta a empresas, governos e, é claro, nós usuários.

(Sérgio Teixeira Jr.)

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