Em quatro anos, o custo das tecnologias de automação residencial caiu de 5% para 3% do valor do imóvel (INFO)
Da Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2011 às 21h16.
São Paulo - Vinte anos atrás, você entrava no carro, girava a manivela para abrir a janela, empurrava a ponta do espelho lateral com o dedo, colocava um som no toca-fitas e dirigia por aí. De repente começava a chover e os vidros embaçavam completamente, enquanto você tentava passar um pano no para-brisa. Em vão... Se no carro as tecnologias evoluíram de forma a exportar essa cena para algum lugar da era paleozoica, em casa ainda vivemos de um jeito parecido com o cenário aí de cima.
Mas talvez daqui a 20 anos você tenha a mesma reação ao lembrar que abria e fechava as janelas manualmente e tinha de usar (e encontrar!) três controles diferentes para ver um filme no home theater. Agora, as casas começam a entrar na mira dos sensores, dos recursos de automação e das tecnologias de rede e de acesso remoto. A experiência de morar está se transformando — e sem ser algo apenas para milionários.
No passado, o alto custo de instalação de equipamentos para automação residencial afastava mesmo quem tinha dinheiro para investir, tornando o uso de tecnologia dentro de casa uma excentricidade. "Hoje, com 4 000 a 5 000 reais você consegue automatizar um ambiente inteiro", diz Leonardo Senna, dono e técnico da iHouse, uma das pioneiras do setor.
Isso significa, por exemplo, controlar com um toque toda sua sala, incluindo iluminação com dimmer (para regular a intensidade de cada lâmpada), instalações de áudio e vídeo, controle de ar-condicionado e acionamento elétrico de persianas ou janelas. Senna fez de seu apartamento um laboratório de testes para as novidades. E quando viaja sente falta de itens como o misturador eletrônico de água no chuveiro, que permite definir com exatidão a temperatura e o fluxo.
Segundo estimativa da Associação Brasileira de Automação Residencial (Aureside), os preços desses recursos caíram pela metade nos últimos quatro anos. "A automação custava cerca de 5% do valor do imóvel. Agora representa 3%", afirma o engenheiro José Roberto Muratori, fundador da Aureside. Conectar um cômodo todo não costuma demorar mais que algumas horas.
Hoje, as principais formas de usar automação em casas já construídas envolvem tecnologias sem fio como o Wi-Fi, o infravermelho, o 3G e até o ZigBee, um protocolo com menor alcance e consumo de energia que pretendia dominar as casas.
Direto na planta Quem vai comprar um imóvel na construção pode optar pela automação antes de a casa ficar pronta. Sempre é mais fácil fazer pequenas mudanças enquanto ela não está habitada e cheia de móveis. Os custos e os transtornos são menores. Por isso — e também para ter mais atrativos em seus imóveis —, várias construtoras estão oferecendo possibilidades de automação em projetos no lançamento.
É o caso da Even, que teve sua primeira experiência no ano passado, em um condomínio na cidade de São Paulo. A empresa não se fixou apenas nos apartamentos grandes de alto padrão, mas também está oferecendo automação em imóveis a partir de 50 metros quadrados, com custo incluído no valor total.
É o caso do Concept Anália Franco, que custa a partir de 363 000 reais. O pacote básico inclui itens como uma central para controlar os equipamentos, controle remoto com LCD e roteador Wi-Fi. Quem compra ainda pode aumentar o pacote com opcionais como dimmers, leitor biométrico para a porta, termostato para o ar-condicionado e câmeras IP controladas pela web. "A automação era um mito de preço e funcionalidade. Quando as pessoas veem no apartamento decorado, torna-se tangível e a receptividade é boa", diz Ricardo Grimone, gerente de incorporação da Even.
Outra empresa que se destaca com empreendimentos automatizados é a paulista MaxHaus. Seu conceito começa pela desconstrução dos apartamentos: saem as paredes e entram várias opções de modificações para adaptar o imóvel às necessidades de cada um.
Na prática, um apartamento de 70 metros quadrados pode ter entre nenhum e três quartos, com um ou dois banheiros. "Queríamos fazer um imóvel de customização fácil, que acompanha as mudanças que você mesmo sofre com o tempo", diz José Paim de Andrade, presidente da MaxHaus. A personalização dos apartamentos só aumenta com a tecnologia, que na empresa é sinônimo do sistema AutoHaus. O projeto de automação inclui controle a distância da iluminação, persianas e até do chuveiro, tudo por um aplicativo de iPhone ou pela internet. Há ainda uma porta de aço aberta com controle remoto e campainha MP3 que toca em todo o sistema de som.
O analista de sistemas Henrique Nogueira, de 25 anos, comprou um apartamento da MaxHaus com automação residencial há quatro meses. "Quando vi a campainha wireless, fiquei encantado", diz. Enquanto espera o imóvel ficar pronto, já pensa em criar mais aplicativos para controlar o apartamento remotamente. "Minha noiva não ficará tão brava por me esperar quando eu ficar preso no trânsito: posso ligar o som do apartamento, via iPhone, e fazê-la ouvir All My Loving, dos Beatles", diz. Mas ainda falta arrumar a noiva... A ideia de poder interagir com sua casa o atraiu. "A automação não era essencial, mas ver o iPhone interagindo com o volume do som e com a luminosidade fez com que ela se tornasse um diferencial", afirma Nogueira.
O analista de sistemas exemplifica bem um dos dois tipos de perfis que levam a tecnologia para dentro de casa. "O primeiro é fissurado em tecnologia e independe da faixa etária. Ele não mede esforços para controlar tudo pelo smartphone e às vezes gasta mais que o preço de seu carro na casa", diz Vanessa Malerba, gerente da área Digital Home da SMS, empresa mais conhecida pelos no-breaks que também tem um braço na área de automação.
"O outro público é mais maduro e quer usar a tecnologia para facilitar a vida diária." Com esse segundo grupo faz sucesso a criação de cenários acessados por um toque na tela do controle remoto ou do iPhone: no modo cinema, as luzes são reduzidas, o projetor e o som são ligados; no dormir, as luzes se apagam e o ar-condicionado vai para o padrão ideal para usar o edredom.
Exercício de futurologia
Para olhar daqui a cinco ou dez anos e imaginar que tecnologias poderão estar dentro de nossas casas, é preciso dar um passo atrás e analisar o que deu errado na última década. Pode parecer muito atraente ativar sua banheira pelo celular para que ela esteja pronta quando você chegar do trabalho, mas, no cotidiano, quem usa banheira com frequência (se é que tem uma em casa, no Brasil)? Outra coisa que não pegou foi o videofone.
E a razão foi simples: as pessoas realizam várias atividades enquanto falam ao telefone. Assim, as ideias para o futuro precisam ser viáveis. "As casas deverão ser modulares, de forma a permitir a massificação, mas ao mesmo tempo personalizáveis de acordo com as necessidades de cada um", afirma Jean Paul Jacob, pesquisador do laboratório da IBM em Almaden, na Califórnia, conhecido por seus divertidos exercícios de futurologia.
Aos 74 anos, Jacob imagina uma casa do futuro com muitos cuidados para a saúde, com dispositivos que possam fazer diagnósticos rápidos do estado de cada pessoa por meio da coleta de algumas gotas de sangue, por exemplo. O envio das informações para um banco de dados central permitiria identificar possíveis problemas logo no início. Ele extrapola até o ponto de pensar que poderemos montar parte de nossas casas em impressoras 3D.
"A inteligência artificial estará em tudo. O computador ajuda minha vida para alertar sobre o que for necessário", diz. O controle central da casa poderia aprender que tipo de filme você mais gosta para fazer sugestões sobre a programação na TV ou perguntar por que você comprou cerveja de uma marca se prefere outra. A lista de equipamentos que estarão em sua casa no futuro dependerá muito de onde você vai morar. Uma pessoa que vive numa metrópole certamente enfrentará mais problemas com segurança e trânsito. Assim, sua casa tende a ter mais espaço para trabalho remoto, o que evitaria a saída do lar.
Por depender essencialmente de tecnologia, a casa do futuro tem mobilizado os laboratórios de pesquisa das grandes empresas do setor. A área de pesquisa e desenvolvimento em sustentabilidade da HP no Brasil procura entender, em conjunto com os Estados Unidos, a forma como as casas consomem energia para procurar alternativas de distribuição melhores, evitando perdas. "Em cidades que ainda estão sendo idealizadas é muito importante fazer um planejamento do consumo", diz Ricardo Pianta, responsável pelos programas da área no país. É a preocupação de fazer com que nossas casas tecnológicas sejam mais verdes.
Já a Microsoft tem, há 16 anos, um espaço em Redmond, nos Estados Unidos, para sua ideia de moradia futura. Há espaço para uma bancada que mostra receitas com os ingredientes que já estão na dispensa e painéis interativos para cobrir as paredes do quarto. "A casa poderia ter uma mesa interativa em que toda a família pudesse ver TV ou se comunicar com os amigos", diz Rico Malvar, cientista-chefe da Microsoft Research.
As inovações poderiam contar ainda com projeções direto nas lentes de óculos ou em lentes de contato, controle de movimentos diferentes com o mexer de cada dedo da mão ou o comando por gestos, como se vê com o videogame Kinect, que a empresa acaba de lançar no país.
A visão computacional poderia ser usada para identificar os produtos na geladeira ou nos armários, o que controlaria a data de vencimento e a quantidade de cada item. Uma lista de compras automática surgiria num quadro branco eletrônico fixado na parede da cozinha. Com tanta tecnologia, nossas casas nem se lembrarão que um dia já foram uma espécie de carro velho.