Brad Stone: para biógrafo, Bezos mudou e está pensando mais em si mesmo, além da Amazon (Divulgação)
Thiago Lavado
Publicado em 20 de junho de 2021 às 08h00.
Brad Stone é talvez o jornalista e autor que mais se aprofundou na história da Amazon e de seu fundador, Jeff Bezos. Stone escreveu dois livros sobre o tema: o primeiro, A Loja de Tudo, veio à tona quando a empresa valia “apenas” 100 bilhões de dólares, em 2013.
De lá para cá, muita coisa mudou: a Amazon, que era tida como uma companhia com lucros marginais apesar do faturamento alto, não para de crescer. A gigante se tornou um conglomerado internacional, com negócios em lojas de conveniência, serviços de assinatura, cinema e computação em nuvem. Recentemente, comprou os estúdios MGM e anunciou ter 1,3 milhão de funcionários. Em 2013, esse número não chegava a 250.000
O segundo livro de Stone, Amazon Sem Limites — publicado no Brasil no início de junho pela editora Intrínseca — não teria momento mais oportuno para trazer ao público detalhes da empresa de 1,7 trilhão de dólares. Enquanto ela cresce lá fora e se prepara para abrir supermercados tecnológicos e tenta competir em gigantescos contratos de software de defesa para o governo americano, por aqui a Amazon lança e vende dispositivos inteligentes e abre o oitavo centro de distribuição no país.
Mas não só a Amazon mudou nos últimos 10, como Stone deixa claro no decorrer de 512 páginas, mas também Jeff Bezos. Parte dessa transformação pode ser lida em reportagem na atual edição da Revista Exame, que traz um trecho do livro de Stone, contando como Bezos venceu os tabloides durante a cobertura de seu divórcio em 2019 — um jogo que aprendeu a ser mestre no decorrer dos anos.
Às vésperas de deixar o posto de CEO, Bezos, que é o homem mais rico do mundo, se prepara para focar em suas aventuras pessoais, como ir ao espaço, junto de seu irmão, em uma viagem de sua empresa Blue Origin. Um bilionário iate, encomendando por ele, aguarda seu retorno à atmosfera.
Stone conversou com a EXAME sobre seu livro, e também sobre o que esperar da Amazon e de Jeff Bezos no futuro.
Muito mudou na vida de Jeff Bezos e da Amazon. Tendo escrito dois livros em períodos diferentes sobre a empresa, é possível dizer que muito disso era previsível?
Se você ler o epílogo de A Loja de Tudo, acredito que eu fiz várias previsões e disse que a resposta para qualquer questão passível de resposta era sim. Eles vão comprar um supermercado? Sim. Eles vão entregar seus próprios pacotes um dia? Sim. Eles vão expandir para outros países? Sim. Então, de alguma maneira eu previ, eles queriam fazer tudo e estar em todos os lugares. Se qualquer um de nós pudesse voltar para 2014 e alguém nos dissesse que aquela empresa de 100 bilhões de dólares se tornaria uma empresa de 1,6 trilhão de dólares e Bezos se aposentaria como CEO e iria para o espaço, nós nos demitiríamos e investiríamos tudo que tínhamos nas ações da Amazon. Em termos de quão rápido tudo isso aconteceu foi uma grande surpresa.
Para as pessoas comuns, a Amazon pode parecer uma empresa que age em diferentes esferas não correlatas: tem um setor de computação em nuvem, dispositivos, varejos, lojas físicas. Mas tudo isso faz sentido olhando para a história da empresa. O mérito da Amazon foi ter tirado vantagem de oportunidades na hora certa?
Esse foi um processo estranho e surpreendente mesmo para alguns executivos próximos de Bezos. Quando ele viu oportunidades em coisas como computação em nuvem e o Kindle, ou mais recentemente até a Alexa e o Prime Video, que é um bom exemplo. Em 2010, quando Bezos transformou o Prime, que era um programa de assinatura de entregas, e adicionou filmes e séries gratuitos nenhum executivo entendeu por que ele estava fazendo aquilo. E, agora, 10 anos depois, nós vemos não apenas o entretenimento via streaming como o futuro de Hollywood, mas o envio de mercadorias parece menos importante para o Prime. A Amazon tem centros de distribuição em toda parte e você vai conseguir seu pacote rápido, pagando pelo Prime ou não.
Bezos parece ter uma habilidade de olhar ao redor e colocar a Amazon em uma posição que poderia tirar vantagem de grandes tendências da indústria. E com frequência isso acontece, não porque ele tenta fazer uma coisa, mas sim pois tenta um número de coisas diferentes. Por exemplo, eles estão criando esses supermercados agora nos EUA em que alguns têm tecnologia em que você pega algo da prateleira, a câmera vê o que foi que você pegou e eles te cobram. Outros têm carrinhos que quando você coloca algo dentro o produto é cobrado automaticamente. Ele é flexível nos detalhes, mesmo com uma visão do que o futuro possa ser.
Nesse negócio de supermercados, já há uma grande aplicação de dados que a Amazon tem de seus clientes. Recentemente, eles traçaram a construção de supermercados em regiões com alto número de assinantes do Prime. O modelo de negócio baseado em dados de cliente é algo que veremos cada vez mais presente na Amazon? Eles precisam investir nisso?
A Amazon já tem um montante de dados extraordinário, eu não sei se eles precisam continuar investindo nisso, só precisam valer-se dos que já têm. O Facebook já sabe o que curtimos, o Google sabe no que estamos interessados. Mas a Amazon tem o conjunto de dados mais valiosos de todos: eles sabem o que compramos. É o ponto final, onde uma ideia se torna uma ação. Não é apenas intenção, é o que compramos, o que compramos todos os meses.
Eles podem tornar nosso interesse em um shampoo, sabão ou pasta de dentes em uma assinatura semanal, para que nunca mais precisemos ir à loja buscar aquele item novamente. A empresa também tem agora um negócio de publicidade [no buscador do site da Amazon], que faturou 6 bilhões de dólares no primeiro trimestre. Eles fizeram isso tarde, porque quiseram esperar pelo momento correto. Valer-se dos dados dos consumidores e transformá-los em fluxo financeiro, além de oportunidades de investimento em outros lugares, é algo que a Amazon vai continuar a fazer.
A Amazon parece uma empresa que briga muito nos últimos tempos, como o caso do contrato de defesa JEDI, que todo mundo achava que seria deles e foi fechado pelo Pentágono com a Microsoft, ou a luta para impedir a sindicalização em um centro de distribuição. O que mudou?
A Amazon costumava ser reclusa, meio que se escondendo, sozinha, auto-centrada em Seattle, focando em seus negócios e seus consumidores, sobrevivendo e não interagindo muito com o mundo. Mas algumas coisas mudaram. Primeiro, ela ficou grande demais e não pode mais se esconder. Segundo, a saga em busca de uma nova sede foi como um despertar político para a empresa. Eles estavam sendo combatidos em Seattle e procuraram uma cidade que os quisesse e então foram a Nova York e foram combatidos lá.
Eles perceberam que eram um alvo e que precisam lutar: então lutaram contra a sindicalização, lutaram contra críticos antitruste. Mas também perceberam que eles precisam desistir de alguns tópicos, como o salário de 15 dólares a hora para trabalhadores nos Estados Unidos, ou Bezos dizendo em sua carta a acionistas que ele quer melhorar a relação da empresa com seus empregados. Eles lutam e percebem quais brigas podem vencer - e em quais precisam ceder. O que mudou é que a Amazon é agora uma das mais visíveis e importantes companhias do mundo.
Você acha que isso é algo que aconteceu com outras gigantes de tecnologia também? Você acha que a Amazon teve que lutar porque a luta foi trazida até ela?
Todas as grandes companhias de tecnologia tinham o exemplo da Microsoft nos anos 1990, em que ela foi processada pelo Departamento de Justiça, ficou amargurada e criaram uma batalha pelo caminho, culminando em Bill Gates sendo arrogante no banco de testemunhas. A Microsoft foi punida por tudo isso e as outras grandes de tecnologia viram o exemplo e perceberam que era preciso ser ativos em seus próprios julgamentos.
Eles fizeram lobby, gastaram muito dinheiro para contratar ex-políticos e membros das administrações, descobrindo como eles poderiam ser parceiros em novas legislações e não apenas objetos dessas leis. Vemos o Facebook advogando por novas leis de privacidade e a Amazon apoiando recentemente as taxas corporativas implementadas pelo G7, dizendo que deveria haver impostos padrão. Então, essas empresas estão se apoiando nessas pequenas mudanças mais do que a Microsoft fez e percebendo que, se elas não fizerem nada, serão apenas vítimas de novas regulações.
Jeff Bezos também mudou nos últimos anos. É algo que você foca no livro, a transformação que dele, de um geek para um chefão dos negócios: e isso mudou todos os aspectos de sua vida, desde a maneira como se veste até suas ações, como o relacionamento extraconjugal e até a decisão de ir ao espaço. O que mais podemos esperar de Bezos, especialmente agora que ele está deixando a liderança da Amazon? Ele pensa mais nele do que na empresa?
Se estivéssemos falando ontem [antes do anúncio da ida ao espaço] eu talvez tivesse uma resposta diferente. Hoje, depois de ver ele dizer ao irmão "vamos em uma grande aventura" naquele vídeo, me faz pensar que talvez ele esteja pensando mais nele um pouco, tendo aventuras, experiências que são únicas. Ele tem 57 anos, tem mais dinheiro que quase todos os outros humanos que já existiram e parece que ele quer gastar o tempo dele em coisas únicas, sejam novos projetos da Amazon ou novas experiências para ele mesmo.
Ele está construindo esse iate gigantesco, cuja história está no livro, e agora ele vai para o espaço, e ele provavelmente vai criar um legado filantropo. Então, eu acho que Bezos está, sim, pensando um pouco mais sobre as oportunidades que existem para ele e menos nas obrigações para as pessoas que querem coisas deles, como a Amazon, acionistas e funcionários.
Você acha que isso é ruim para a Amazon em algum nível, afinal ele está saindo da cadeira de CEO?
Claro que é ruim para a Amazon. Ele foi central para quase qualquer inovação que a empresa criou, da Alexa à AWS (divisão de computação em nuvem) e o Kindle. Ele diz que vai permanecer e trabalhar em coisas novas, mas podemos nos perguntar quanto tempo ele será "presidente do conselho". Em algum ponto, ele será um membro do conselho no sentido convencional? [Andy] Jassy é muito capaz e fez um bom trabalho tocando a AWS, mas existe uma certa magia em ser o fundador da companhia. Bezos, como é mostrado repetidamente no livro, foi capaz de conseguir grandes coisas e fazer com que as pessoas trabalhassem, com medo ou inspiração, porque ele disse algo. Não acredito que Jassy vai conseguir carregar o mesmo bastão.
Em 1999, Bezos concedeu uma entrevista ao programa "60 minutes" em que ele descreve sua "abordagem zero arrependimentos". Acho que isso ressoa no livro, quando ele fala de adquirir o jornal Washington Post, sobre como ele será lembrado quando tiver 80 anos. Você acha que ele sempre teve essa visão de longo prazo?
Esse pensamento de longo prazo começou bem cedo na formação da Amazon. Bezos falou sobre isso na primeira carta aos acionistas e investidores e também nas primeiras entrevistas. Ele, então, começou a construir o relógio de 10.000 anos em uma de suas propriedades no Texas, há cerca de 20 anos. Em alguns sentidos, essa orientação de longuíssimo prazo sempre esteve lá.
Mas você acha que ele continua a aplicar essa visão a outros aspectos e investimentos em sua vida?
Creio que sim. Há coisas que ele foi criticado dentro da Amazon como o projeto Kuiper, a rede de satélites de conexão à internet, ou mesmo qualquer iniciativa de saúde. São apostas que não irão maturar em 5 anos, levarão uma década para isso. Então, Bezos parece continuar a investir em suas apostas de longo prazo, mesmo que em sua própria vida ele pareça estar curtindo mais o momento.
Mas, olha, diante das coisas que sabemos hoje, Bezos planejou tudo isso com muita antecedência. Agora tudo parece claro, que ele está abdicando do cargo de CEO em 5 de julho para que em 20 de julho ele possa ir ao espaço. Eu tenho um pressentimento de que muito disso foi planejado.
Você acha que a Amazon vai crescer tanto na próxima década que você vai ter que escrever um terceiro livro sobre a empresa?
Não sei sobre um terceiro livro, mas eu sei que eles vão continuar a mudar. Uma coisa importante é que ainda vamos ver a Amazon investir em países como o Brasil de maneira bastante significativa. Eles odeiam ficar em segundo ou terceiro, então vão investir em outros países, construir esses supermercados em todos mercados que atuam, mais centros de distribuição, mais motoristas. Eles estão investindo pesado em robótica, tecnologia autônoma e veículos elétricos. Eles fizeram um apelo climático para zerar as emissões de carbono até 2040 — e esta é uma companhia que é uma das grandes poluidoras. Então, a Amazon ainda é uma empresa que terá que se transformar de diferentes maneiras.
Você mencionou investimentos em outros países. Tenho a impressão de que a Amazon sempre entra num novo mercado silenciosamente, procurando entender como lidar com o local. Eles fizeram isso na Índia e também no Brasil. Ainda é assim?
Eles não podem mais ser assim. A empresa é tão grande que rumores de uma entrada tendem a chamar atenção. A maneira como eles entram em países é diferente. No Brasil, acredito que foi junto do Kindle e atualmente o apelo tem mais a ver com o Prime, com filmes e séries que estão desenvolvendo, ou com produtos relacionados à Alexa.
E no começo, claro, era com o negócio de livros. Eles agora têm novas ferramentas à disposição quando entram em um novo país e não podem mais fazer isso silenciosamente, todo mundo está de olho na Amazon e esperando para saber o que irão fazer em um novo mercado.
A necessidade de diminuir emissões, o risco regulatório e taxações como as propostas pelo G7 são um problema para a Amazon?
Vamos falar separadamente disso. Falando de taxação, a Amazon e outras empresas de tecnologia perceberam que escaparam disso por muito tempo e, com o tamanho delas agora e com os lucros que têm, não podem mais esperar que sejam capazes de se esconder. O que sempre quiseram era um campo competitivo, e se eles forem taxados seus competidores também serão. Então, me parece que a Amazon está confortável com o plano do G7. Não é um problema.
Em termos de emissões climáticas, acho que eles se adiantaram um pouco, mas terão que cumprir suas promessas. Conseguirão trazer veículos elétricos para a rede de transportadoras e diminuir suas emissões de carbono? Eles estão comprometidos, mas é preciso esperar para ver. A tendência é que as emissões subam, porque estão contratando mais motoristas e criando mais centros de distribuição.
A terceira é puramente antitruste. Acho que, sim, isso é um grande desafio para a Amazon. Existe um consenso hoje em diferentes partes do mundo que diferentes gigantes de tecnologia precisam de supervisão regulatória, mas acho que a Amazon vai ser uma das mais difíceis de ir atrás, porque não é um monopólio de fato, no sentido em que o Google ou o Facebook são. A Amazon está no varejo e há competidores muito grandes nessa indústria. Não vejo que haja uma ameaça para a empresa, não estamos falando sobre "quebrar a Amazon" ou coibir comportamentos dela de alguma maneira significativa.
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