Óculos de sol: estudos indicavam que a exposição ao sol ao longo do tempo pode deteriorar a proteção à radiação UV (Jim Arbogast/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 11 de outubro de 2016 às 16h59.
O teste de qualidade e segurança de lentes de óculos de sol à radiação ultravioleta que embasa as atuais normas técnicas do produto fabricado em países como o Brasil precisa ser revisto.
Um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), com apoio da FAPESP, apontou que, na forma como é feito hoje, o teste é ineficaz para assegurar a proteção das lentes dos óculos de sol à exposição à radiação UV.
Os resultados da pesquisa foram publicados na revista BioMedical Engineering OnLine.
“O teste é incapaz de assegurar que as lentes de óculos de sol comercializados no Brasil conferem proteção à exposição à radiação solar em limites considerados seguros pela Organização Mundial da Saúde”, disse Liliane Ventura, professora do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da EESC-USP e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP
De acordo com a pesquisadora, alguns estudos indicavam que a exposição ao sol ao longo do tempo pode deteriorar a proteção de óculos escuros à radiação UV.
As lentes dos óculos podem tornar-se mais claras e leves, alterando a categoria em que estão classificadas de acordo com a transmitância luminosa – a quantidade de luz visível que pode passar pela lente.
Além disso, a exposição das lentes a níveis elevados de radiação UV pode diminuir a resistência ao impacto, tornando-as mais suscetíveis a estilhaçar.
A fim de assegurar a qualidade dos óculos de sol comercializados atualmente, as normas técnicas internacionais – nas quais o Brasil se espelhou – estabelecem que o produto seja submetido a um teste que estima a alteração da categoria das lentes em razão da exposição solar ao longo do tempo.
“Essas normas, contudo, não fazem referência à análise da degradação da proteção ultravioleta, o que deveria ser um dos principais itens de estudo neste teste”, ponderou Ventura.
No teste, as lentes dos óculos são expostas a um simulador solar durante 50 horas, a uma distância de 30 centímetros de uma lâmpada de xenônio, com potência de 450 Watts (W) e espectro luminoso semelhante ao do sol.
Após a exposição à radiação, os óculos são submetidos a uma análise por espectrofotometria para comparar a transmitância luminosa no visível – a categoria da lente – conferida pelas lentes antes e depois de serem expostas ao simulador solar.
Dessa forma, é possível avaliar se as lentes dos óculos alteram de categoria – se ficam, por exemplo, mais claras – e se conferem proteção à radiação UV durante um período equivalente a dois dias de exposição ao sol natural no verão em uma cidade brasileira como São Paulo, por exemplo, ou de quatro dias no inverno, explicou Mauro Masili, professor da EESC-USP e coautor do estudo.
“Os estudos apontam, contudo, a ineficácia de se estudar a degradação dos óculos em dois dias de irradiação solar e a inexistência de testes para conferir a segurança da duração da proteção ultravioleta nos óculos por determinado período de uso”, afirmou.
Uma enquete feita pelos pesquisadores apontou que a maioria dos brasileiros usa os mesmos óculos de sol por, no mínimo, dois anos, durante um período de, em média, duas horas por dia.
A fim de verificar se o teste de padrão de qualidade de óculos de sol garante que o produto possa ser usado no Brasil durante todo esse tempo, os pesquisadores desenvolveram um modelo matemático para estimar como a radiação solar chega ao nível do solo em 27 capitais brasileiras e 110 capitais de países do hemisfério Norte, levando em conta suas características geográficas (latitude, longitude e altitude) e perfil atmosférico típico.
Com base nesse modelo matemático, eles conseguiram calcular a irradiância solar – a densidade de potência em watt hora por metro quadrado (Wh/m²) que chega ao nível do solo nessas 27 capitais brasileiras e 110 internacionais – desde a hora que o Sol nasce até o momento em que se põe.
Em seguida, compararam a irradiância do Sol com a emitida pela lâmpada de xenônio de 450 W usada no teste de padrão de qualidade de óculos de sol para verificar o nível de proximidade.
As análises das comparações revelaram que a irradiância solar real nas cidades analisadas é muito mais intensa do que a da lâmpada de 450 W. E que, para reproduzir as condições reais de exposição dos óculos de sol à radiação UV, as lentes deveriam ser testadas por 134,6 horas e a uma distância de 5 centímetros de uma lâmpada de xenônio com potência de 450 W.
“É preciso ajustar os parâmetros do teste de padrão de qualidade de óculos escuros previstos pelas normas internacionais porque hoje eles não reproduzem as condições reais de exposição do produto à radiação solar”, avaliou Masili.
Os pesquisadores da EESC contribuíram na redação da primeira norma brasileira de óculos para proteção solar – a NBR 15111, publicada em 2003 – e na revisão da norma, em 2013, sugerindo parâmetros mais adequados à realidade nacional.
Cópia fiel da norma europeia – a BSEN 1836 –, a norma brasileira estabelecia até 2013 que os óculos de sol comercializados no Brasil deveriam proporcionar filtros para proteção à radiação solar no comprimento de onda entre 280 e 380 nanômetros (nm).
Um estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início de 2010, contudo, indicou que a radiação UV no comprimento de onda de até 400 nm também causava danos para a saúde ocular.
“Constatamos que os limites de irradiância solar que temos no Brasil estavam muito fora dos limites de exposição considerados seguros para a saúde ocular estabelecidos pela OMS”, afirmou Ventura.
Por meio de um estudo, também feito com apoio da FAPESP, os pesquisadores conseguiram que a norma brasileira fosse alterada em 2013 e que o intervalo de proteção à radiação conferida pelos óculos escuros comercializados no Brasil passasse a ser de 280 a 400 nm.
Em 2015, contudo, a norma foi revogada e substituída pela ISO 12312-1, que estabeleceu que os óculos de sol comercializados no país devem possuir filtros que confiram proteção à radiação UV no comprimento de onda de 280 a 380 nm, conforme a norma europeia e a primeira versão da brasileira.
“Essa norma precisa ser revista. Os limites de proteção à exposição à radiação UV estabelecidos são insuficientes para proteger efetivamente a saúde ocular dos brasileiros”, afirmou Ventura.
A pesquisadora apresentou em maio deste ano os resultados do estudo para o comitê técnico do National Institute of Standards and Technology (NIST) – o Inmetro dos Estados Unidos – que concordou com a necessidade de revisão dos parâmetros do teste padrão de qualidade dos óculos de sol e, consequentemente, da revisão das normas nacionais do produto.
“Embora nossos cálculos de irradiância solar estejam baseados principalmente em cidades brasileiras, outros países também podem se beneficiar, especialmente aqueles localizados em latitudes similares”, apontou Ventura.
Segundo os pesquisadores, a exposição à radiação UV varia entre as latitudes mundiais, sendo que os países tropicais são expostos a índices extremamente elevados tanto no verão como no inverno.
Dessa forma, os óculos de sol usados em países do hemisfério Sul podem ter que ser substituídos mais frequentemente dos que os utilizados no hemisfério Norte, uma vez que, de forma geral, esses últimos países estão situados em latitudes mais elevadas do que os do hemisfério Sul.
O artigo “Equivalence between solar irradiance and solar simulators in aging tests of sunglasses” (doi: 10.1186/s12938-016-0209-7), de Masili e Ventura, pode ser lido na revista BioMedical Engineering OnLine.