Terapia fotodinâmica: objetivo é encontrar compostos ainda mais eficazes, que possam ter efeito em menores doses e com menos luz (João Paulo Tardivo/FAPESP)
Da Redação
Publicado em 24 de fevereiro de 2015 às 12h26.
A terapia fotodinâmica – na qual são utilizados fármacos que, ao serem ativados pela luz, geram substâncias oxidantes capazes de induzir a morte celular – é considerada importante candidata no tratamento do câncer e de diversos tipos de infecção.
No Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), o grupo liderado pelo professor Mauricio da Silva Baptista se dedica a investigar, com apoio da FAPESP, os mecanismos de ação de diversas moléculas fotossensíveis.
O objetivo é encontrar compostos ainda mais eficazes, que possam ter efeito em menores doses e com menos luz – o que permitiria agir em camadas mais profundas da derme.
Uma das moléculas investigadas – um complexo inorgânico formado pelo metal rutênio e diversos tipos de ligantes – foi descrita recentemente em um artigo publicado no Journal of the American Chemical Society.
“Esse estudo foi inovador em dois aspectos. Primeiro porque, enquanto a maioria dos fármacos fotossensíveis usados é orgânica, descrevemos uma mistura de elementos orgânicos e inorgânicos. Segundo, pela descrição de um mecanismo de ação diferente e mais poderoso que outros já conhecidos”, disse Baptista.
De acordo com o pesquisador, grande parte dos fármacos fotossensíveis induz a morte celular pela geração de moléculas de oxigênio singlete, uma substância altamente oxidante que pode danificar proteínas, ácidos nucleicos e a membrana celular.
Há ainda substâncias que, quando fotoativadas, ligam-se ao DNA existente no núcleo da célula-alvo, impedindo que ela se reproduza.
“O complexo de rutênio age das duas formas ao mesmo tempo. Em testes feitos com cultura de células no laboratório ele se mostrou quatro vezes mais eficiente que um composto que apenas gera oxigênio singlete. Foi ainda cerca de 170 vezes mais eficaz quando comparado a uma substância capaz apenas de se ligar ao DNA”, disse Baptista.
O complexo inorgânico de rutênio foi uma das 50 substâncias sintetizadas por um grupo de pesquisadores da Ohio State University, nos Estados Unidos, que estão sendo testadas no IQ-USP.
“Buscamos matar a célula do tumor ou do patógeno com uma quantidade menor de corante fotossensível e com menos luz. Por causa da barreira da pele, não conseguimos colocar muita luz dentro dos tecidos”, explicou o coordenador da pesquisa.
Até o momento, os compostos investigados no IQ foram testados apenas em culturas celulares. Segundo Baptista, é preciso haver interesse da indústria farmacêutica para que a pesquisa possa avançar para a fase de experimentos in vivo.
“Já foram descritos em todo o mundo centenas de fármacos fotossensíveis mais eficientes que os atualmente usados. Mas, até hoje, menos de dez avançaram para a clínica. As farmacêuticas resistem, pois não estão acostumadas a lidar com a luz. É preciso novas parcerias para criar algo totalmente diferente em sua linha de produção”, avaliou Baptista.
Evitando amputações
Paralelamente à prospecção de novos compostos, Baptista estuda, em parceria com médicos, o efeito da fototerapia feita com substâncias já conhecidas – como o azul de metileno – em doenças como melanoma, leishmaniose, micose, sarcoma de Kaposi (câncer que afeta o tecido conjuntivo e frequentemente está associado à infecção pelo HIV), câncer ginecológico e pé diabético.
Por meio de uma parceria com o angiologista João Paulo Tardivo, no Hospital de Ensino Padre Anchieta ligado à Faculdade de Medicina do ABC, já foram tratados mais de 200 portadores de pé diabético – complicação da diabetes que pode envolver úlceras, infecções, osteomielite (infecção nos ossos), neuropatia (perda de sensibilidade nos nervos), isquemia e trombose.
O tratamento convencional é feito com antibióticos, mas muitas vezes não surte efeito porque a microcirculação está comprometida e o medicamento não chega até o foco da infecção.
Segundo Tardivo, a terapia fotodinâmica já foi aplicada em mais de 200 pessoas atendidas no ambulatório de São Bernardo do Campo.
Desses, 70 já haviam desenvolvido osteomielite e, caso fosse mantido apenas o tratamento convencional, provavelmente teriam sofrido amputações. Graças à terapia fotodinâmica, 62 deles tiveram alta e apenas 8 precisaram ser amputados.
“O pé diabético é uma condição com vários graus de gravidade. Desenvolvemos um índice e um algoritmo para determinar em quais casos – levando em conta fatores como a presença ou não de úlcera, sua localização, a presença ou não de infecção e de isquemia – a terapia fotodinâmica pode evitar a amputação de um dedo ou até mesmo de todo o pé. De maneira geral, podemos dizer que em 65% dos casos conseguimos evitar a amputação”, contou Tardivo.
Em um estudo publicado em 2014 na revista Photodiagnosis and Photodynamic Therapy, os pesquisadores compararam os resultados do tratamento de 18 pacientes com osteomielite submetidos à terapia fotodinâmica com o de 16 tratados apenas com antibióticos (grupo controle).
No grupo controle, todos sofreram amputação de pelo menos um dos dedos. No grupo da fototerapia, apenas um precisou de amputação.
“Por uma questão ética, não me senti à vontade de não tratar pacientes que, de acordo com o algoritmo que desenvolvemos, poderiam se beneficiar com a terapia fotodinâmica. Então, para compor o grupo controle, escolhemos 16 casos do ano anterior com o mesmo diagnóstico do grupo que seria tratado e que já haviam chegado a um desfecho”, explicou Tardivo.
Exames de raio X revelaram que, em um dos pacientes, a fototerapia aparentemente promoveu a regeneração do tecido ósseo. Mas os mecanismos que levaram à melhora, de acordo com os pesquisadores, ainda precisam ser investigados.
Baptista e Tardivo planejam agora realizar um estudo multicêntrico para reforçar as evidências favoráveis ao uso da terapia fotodinâmica no tratamento do pé diabético, de forma que ela possa deixar de ser considerada experimental e possa entrar para a rotina clínica.
“Se houver uma uniformidade de resultados nos vários centros participantes, creio que teremos evidências suficientes. É um método de baixo custo e eficaz”, afirmou Tardivo.
Redoxoma
A partir de 2013, os estudos de Baptista passaram a ser realizados no âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
Os resultados mais recentes foram apresentados no dia 5 de fevereiro, durante o primeiro encontro dos pesquisadores do Redoxoma com membros do comitê de avaliadores internacionais.
“Esta foi a primeira vez que todas as pesquisas em andamento e as metas do CEPID foram apresentadas juntas. Isso é muito positivo, pois ajuda a criar um esprit de corps (espírito de equipe)”, comentou Ohara Augusto, professora do IQ-USP e coordenadora do Redoxoma.
O avaliador Rafael Radi, da Faculdade de Medicina da Universidad de la República, do Uruguai, classificou o progresso do grupo como “muito bom em todas as dimensões”.
“O grupo de pesquisadores é excepcional e trabalha em forte sinergia. Além disso, os tópicos pesquisados são relevantes para a área biomédica e biotecnológica. Os estudantes estão em projetos muito bons. Existem pessoas exclusivamente dedicadas aos componentes de educação e inovação o que tem feito essas áreas avançar de forma sólida”, afirmou à Agência FAPESP.
A única ressalva feita por Radi foi a necessidade de melhores instalações para estudos com animais.