Televisão (Valter Campanato/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 25 de setembro de 2014 às 06h12.
Em 97% dos lares do país, ela está ali, ocupando o centro da sala. A televisão é o meio de comunicação mais usado pelos brasileiros, que passam, em média, 3h30, diante da telinha, segundo dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2014, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Após seu surgimento, nos anos 50, a TV não só superou rádio e jornais como virou campeã em cobertura e faturamento. Hoje, entretanto, essa hegemonia está ameaçada. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm alterado o cenário das comunicações no país. No rastro do desenvolvimento dessas tecnologias estão em curso mudanças em ações cotidianas como escutar música, ler livros, relacionar-se com os amigos, comprar e, até mesmo, brincar.
Para entender essa realidade em constante mutação, a reportagem conversou com especialistas, integrantes de movimentos sociais, empresários do setor e agentes governamentais. Tudo para detalhar como funciona e o que está mudando no sistema de comunicação brasileiro, tema da série de reportagens que a Agência Brasil publica nos próximos dias.
Em comum a todos os entrevistados está a compreensão de que esse sistema é cada vez mais complexo. "Uma tecnologia nunca suplanta inteiramente a outra. Você convive com essas múltiplas tecnologias e modos de comunicação ao longo da história", analisa a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marialva Barbosa.
O ritmo da tecnologia e o desafio da regulação
A busca por novas formas de comunicar não é inédita. Marialva lembra que a história da comunicação foi pautada pela produção de tecnologias que trouxessem a possibilidade de comunicar além dos limites do tempo e do espaço. "Desde a invenção da imprensa, quando você passou a poder copiar os textos; com o telégrafo, que inaugura outro modo de transmissão, porque você não precisa mais carregar o meio de comunicação; e com o rádio, que rompeu o limite do espaço físico, essa é a história de ações humanas que querem tornar mais eficiente o ato de comunicar", explica.
O Estado, que desde os anos 1930 passou a regular diretamente o setor das comunicações, não acompanhou o ritmo dessas mudanças na maior parte das vezes. Na avaliação do professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo Ramos, a principal lei que organiza o setor, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962, "está completamente defasado".
A Constituição Federal também dedica um capítulo inteiro à comunicação social. Mas Murilo Ramos lembra que, até hoje, o capítulo que trata do tema não foi regulamento. Ele cita, como exemplo, o artigo que estabelece que "os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio" e que deve haver "a regionalização da produção cultural, artística e jornalística". Os percentuais, contudo, não foram fixados, assim como os limites de atuação dos grupos e os mecanismos para evitar a concentração do mercado.
Novas regras?
Além do CBT e da Constituição, a comunicação social é tratada em leis específicas, a exemplo das normas sobre o serviço de TV a cabo e telefonia, bem como por decretos, portarias e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Para o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, esse é um setor bastante regulado o que torna desnecessária a criação de novas regras para nortear a atuação das empresas. Ele avalia, entretanto, que "a tecnologia caminha muito mais rápido do que a legislação".
Opinião contrária é apresentada pelos movimentos sociais que apontam a alta concentração de mercado e das fontes de informações como um problema para a democracia. "A comunicação é uma política pública. O Estado tem que ser o regulador e garantidor dessa política pública para que todos possam exercer o seu direito com plenitude", defende Rosana Bertotti, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Para reverter esse quadro, o fórum e dezenas de entidades encampam campanha de coleta de assinaturas em apoio ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. O projeto pretende, entre outros pontos, fortalecer o sistema de comunicação público, a regionalização da produção, a garantia do respeito aos direitos humanos na mídia, bem como evitar a concentração do mercado com o intuito de democratizar o rádio e a televisão brasileira.
"Esse é o grande déficit normativo que o país conhece até hoje, diferentemente, por exemplo, da velha telefonia que hoje está convergindo para oferta de internet e televisão paga, que foi regulamentada na sua forma de distribuição por cabo em 1995 e que agora tem uma forma [a chamada Lei de Serviços de Acesso Condicionado, de 2011]", avalia Rosana.
Já a rede mundial de computadores só veio a ser regulada recentemente com a aprovação, em março deste ano, do Marco Civil da Internet. Ainda faltam, entretanto, leis para detalhar os princípios gerais colocados pela norma, como a neutralidade de rede e a defesa dos direitos humanos. A expectativa é que o tema volte ao Congresso Nacional no ano próximo ano.
Para além das questões legais, contudo, falta à comunicação ser entendida como política pública, argumenta o professor da Universidade de Brasília (UnB) Fernando Paulino. Para ele, "junto com a lei, acho que também é preciso surgir práticas que garantam que a comunicação seja compreendida como um direito humano e, dessa forma, seja colocada em prática para os cidadãos que já têm formação profissional na área, mas também para outras pessoas que ainda não têm o conhecimento pleno da importância da comunicação para o aperfeiçoamento do sistema democrático".
Editor Lílian Beraldo