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Sobrevivência de ecossistemas de Bertioga exige atenção

Pesquisa avalia risco ecológico provocado por ações humanas e propõe soluções para planejamento e conservação em região de grande biodiversidade

Praia de Bertioga: risco ecológico da área é classificado como médio, o que significa que ações humanas podem desequilibrar de vez os sistemas, principalmente se afetarem solos e águas (Getty Images/Getty Images)

Praia de Bertioga: risco ecológico da área é classificado como médio, o que significa que ações humanas podem desequilibrar de vez os sistemas, principalmente se afetarem solos e águas (Getty Images/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2013 às 11h59.

São Paulo – As bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, localizadas no interior do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (município da região metropolitana da Baixada Santista, em São Paulo), guardam um importante patrimônio natural brasileiro, com grande geodiversidade e biodiversidade. Elas abrigam diversos tipos de formações geológicas e diferentes ecossistemas de planície costeira e vegetação de restinga. Se as intervenções provocadas pelo homem seguirem em curso na região, no entanto, o local poderá ser afetado de maneira irreversível.

É o que conclui uma pesquisa coordenada por Celia Regina de Gouveia Souza, pesquisadora do Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Geografia Física da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), realizado com apoio da FAPESP.

De modo geral, o risco ecológico da área é classificado como médio. “Isso quer dizer que novas ações humanas podem desequilibrar de vez os sistemas, principalmente se afetarem solos e águas, dois dos fatores que mais influenciam na classificação do risco”, afirmou Souza.

Os diferentes níveis de atenção a que os sistemas naturais de Bertioga estão sujeitos foram calculados a partir da Avaliação de Risco Ecológico (ARE). Trata-se de uma ferramenta científica que estabelece a chance de um evento adverso comprometer a integridade de um sistema e dos serviços ambientais oferecidos ao homem – como matéria-prima para a produção de alimentos e remédios, madeira para diferentes usos, água para abastecimento e produção de energia, cobertura vegetal para controle natural de erosão, entre outros.

Embora ainda seja possível encontrar ecossistemas íntegros em Bertioga (sem importantes intervenções antrópicas – feitas pelo homem) ou em estado muito avançado de regeneração, já existem trechos sob risco ecológico alto e muito alto, o topo da escala.

Os pontos mais críticos estão nas bordas das florestas, onde a ocupação é mais intensa; na zona mais próxima do mar, pela qual passam rodovias, oleodutos e linhas de alta tensão; e em estradas vicinais que cruzam a planície costeira, interceptando diversos ecossistemas.

“Essas estruturas afetam, por exemplo, a drenagem natural da planície costeira, de baixa declividade e com nível de lençol freático muito raso, promovendo a rápida acumulação e retenção de água nos períodos de chuva, o que desequilibra o funcionamento de alguns ambientes costeiros”, disse Souza.


Segundo a pesquisadora, outra área sob ameaça é a do condomínio Morada da Praia, que, por cruzar toda a planície costeira, afetou vários ecossistemas e provocou mudanças permanentes. Entre elas, estão alterações no regime de fluxos de águas superficiais e subterrâneas, nas características dos solos superficiais e até mesmo no tipo de vegetação nativa que recobria algumas das áreas vizinhas ao condomínio. “Todas essas modificações ambientais requerem ações de recuperação e proteção”, disse Souza.

Os estudos também apontam problemas na flora e na fauna das bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, por conta de ações extrativistas ilegais. A ocorrência natural do palmito, por exemplo, já é rara na região.

Estudos multidisciplinares

As pesquisas que Souza realiza nas planícies costeiras paulistas desde o início dos anos 1990 sempre apontaram para a existência de associações específicas entre os diferentes ambientes de sedimentação e determinados tipos de vegetação.

Por exemplo, as florestas baixa e alta de restinga (a primeira com árvores de menor porte, próxima à praia, e a segunda com árvores maiores e distribuídas em direção ao interior da planície costeira) ocorrem somente sobre depósitos marinhos (antigas linhas de praia formadas durante os eventos de subida e descida do nível do mar). Já nas depressões centrais das planícies costeiras, onde se desenvolviam estuários e lagunas quando o nível do mar estava bem mais alto que o atual (há 5.600 anos), hoje ocorrem somente as florestas paludosas (permanentemente encharcadas) e suas variações.

Em Bertioga, onde os estudos são desenvolvidos desde 2006, a pesquisadora e sua equipe obtiveram 17 grupos de associações, preliminarmente denominados de “sub-biomas” de planície costeira. Os principais “sub-biomas” foram estudados quanto aos seus aspectos geológicos, geomorfológicos, hídricos, pedológicos (solos), microclimáticos e botânicos.

“No Brasil, é a primeira vez que se traça um panorama como esse. O mapa de ‘sub-biomas’ que desenhamos e os estudos realizados são fundamentais para entender o complexo comportamento dos ambientes costeiros, subsidiar projetos para a recuperação de áreas degradadas e repensar as formas de uso e ocupação das planícies costeiras”, afirmou Souza.


Segundo a pesquisadora, alguns desses ‘sub-biomas’ já estão ameaçados de extinção. É o caso da floresta baixa de restinga sobre cordões litorâneos – quando o nível do mar desce, deixa para trás linhas de praia, denominadas cordões litorâneos – do período Holoceno (de 11.800 mil anos atrás ao presente). Por ter distribuição restrita ao longo das áreas mais próximas à praia, tal floresta vem sendo sistematicamente destruída pela urbanização em todos os estados costeiros brasileiros onde ocorre.

“Além das intervenções antrópicas, há processos naturais que também colocam esse ‘sub-bioma’ em risco, como a atual elevação do nível do mar e o aumento do número e da magnitude das ressacas em decorrência das mudanças climáticas”, disse Souza.

Três estudos de pós-graduação vinculados à FFLCH/USP viabilizaram monitoramentos que compuseram a ARE dos 17 “sub-biomas”: a dissertação de mestrado de Daniel Pereira dos Santos, a tese de doutorado de Felipe de Araújo Pinto Sobrinho – ambas com bolsas FAPESP – e a tese de doutorado de Jaime H. J. Badel-Mogollón, com bolsa do CNPq.

Entre os principais fatores monitorados estão variações de chuva e de temperatura, balanço hídrico das bacias, nível do lençol freático, qualidade da água superficial e subterrânea, características da vegetação (fitossociologia e florística), alterações na paisagem natural por atividades humanas, parâmetros químicos dos solos e sua estabilidade estrutural – sendo que para este último o projeto contou com a participação de pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Antioquia, na Colômbia.

A partir desses componentes ambientais foram obtidas a sensibilidade ecológica (importância ecológica dos componentes ambientais e sua vulnerabilidade) e a intensidade potencial de efeitos (impactos gerados pelas atividades antrópicas e adversidades naturais sobre os componentes ambientais), para completar a análise do risco ecológico.

Aplicações práticas e acadêmicas

O conjunto das informações levantadas oferece um panorama sobre zonas que devem receber atenção prioritária, tanto em relação à reparação de danos como em relação à preservação ambiental.

Os dados já contribuíram para discussões que culminaram na criação do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (PERB), em dezembro de 2009. Com mais de 9 mil hectares, o local engloba as bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba. Souza faz parte do Conselho Gestor do PERB e participará da elaboração do futuro Plano de Manejo do parque.

Além disso, Souza conta que o projeto gerou dados valiosos para o planejamento ambiental de Bertioga; para o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro; para estudos sobre recuperação de áreas degradadas de vegetação de restinga, economia verde e impactos das mudanças climáticas em ecossistemas costeiros; além de estudos ecológicos, geológicos, hidrológicos, climatológicos e botânicos em outras planícies costeiras.

“O conhecimento acumulado colabora com a tarefa de cientistas e gestores públicos de minimizar os impactos do planejamento inadequado ou ausente sem desconsiderar as necessidades humanas que envolvem o uso de recursos naturais”, disse Souza.

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