Tecnologia

Sem Steve Jobs a Apple perdeu o rumo da inovação?

Faz seis meses que a Apple não apresenta nenhum produto novo e seus últimos lançamentos não trouxeram novidades de impacto. Cadê a inovação?

Nesta semana, circularam rumores de que a Apple estaria buscando um substituto para Tim Cook (Justin Sullivan / Getty Images)

Nesta semana, circularam rumores de que a Apple estaria buscando um substituto para Tim Cook (Justin Sullivan / Getty Images)

Maurício Grego

Maurício Grego

Publicado em 24 de abril de 2013 às 14h03.

São Paulo — De setembro de 2012 até agora, a Apple perdeu mais de um terço de seu valor de mercado. Nesta semana, a revista Forbes disse que a empresa parecia estar buscando um substituto para o CEO Tim Cook – algo que a publicação rival Fortune, depois, desmentiu. O fato é que a desconfiança do mercado em relação à empresa tem crescido.

É um cenário que não combina com a Apple, que vinha sendo vista como uma das empresas mais inovadoras e lucrativas do mundo. O que aconteceu? Os resultados trimestrais que a Apple divulgou ontem à noite mostram que os lucros continuam elevados, apesar de terem caído 18% numa comparação com o mesmo trimestre do ano anterior.

Se os lucros são razoavelmente sólidos, o problema parece ser a falta de inovação, ao menos na percepção de uma parcela crescente do público. Sem inovação, os resultados da empresa serão prejudicados no longo prazo, dizem os investidores.

Depois que Steve Jobs morreu, em 2011, a Apple não apresentou nenhum produto revolucionário. E ninguém acredita que ela vá fazer isso neste ano. Os possíveis candidatos a revolucionar algum mercado – o televisor iTV e o relógio inteligente iWatch – só devem chegar em 2014, se chegarem.

Além disso, faz seis meses que a turma da maçã não lança algum produto. Os últimos foram o iPad mini, o iPad 4 e modelos ligeiramente melhorados do Mac, em outubro do ano passado. A Information Week investigou o assunto e concluiu que fazia 13 anos que a Apple não ficava seis meses sem apresentar novos produtos.

E a espera, pelo jeito, será maior. A próxima novidade vinda de Cupertino deve ser o iOS 7, nova edição do sistema operacional do iPhone e do iPad. Ele deve ser apresentado durante o WWDC, o evento anual da Apple para desenvolvedores de aplicativos, que começa em 10 de junho.

No segundo semestre, devem se materializar o iPhone 5S, o iPad 5, um iPad mini melhorado e, possivelmente, um iPhone mais simples e barato.


As rivais

Enquanto isso, a Samsung, a rival mais importante da Apple, vem apresentando seguidas levas de novos smartphones e tablets, que já somam mais de 60 modelos. Eles não são revolucionários, é claro. Mas atendem a uma faixa mais ampla do mercado que os da Apple e são distribuídos com eficiência no mundo inteiro. 

O resultado é que a Samsung fechou 2012 com 32% do mercado mundial de smartphones, contra 20% da Apple, segundo o Gartner Group. A Apple ainda é líder em tablets e deve manter essa posição neste ano. Mas, somados, os tablets com Android vão superar o iPad em vendas. 

Outro grande concorrente da Apple, o Google, fatura apenas cerca de um quarto da receita da empresa de Cupertino. Mas, diferentemente do que acontece com a rival, ninguém questiona a força do Google em inovação. Sua novidade mais recente, os óculos Google Glass, começou a ser entregue aos primeiros compradores neste mês.

Muitos acham que o Google Glass é um brinquedinho inútil ou, pelo menos, dispensável. Mas não se pode negar que ele é muito inovador. É provável que aplicações úteis e interessantes para ele surjam no futuro. E o Google ainda tem outras cartas na manga, como seu carro que se dirige sozinho. 

Além de não apresentar novidades de impacto, a Apple cometeu erros que parecem ter contribuído para desgastar sua imagem. O mais importante, no ano passado, foi liberar seu aplicativo de mapas sem que ele estivesse em condições de ser usado.

Os mapas da Apple tinham tantos erros que o próprio Tim Cook pediu desculpas e recomendou o uso de aplicativos concorrentes enquanto as falhas eram corrigidas. Para uma empresa que se orgulhava de vender produtos de alta qualidade, geralmente por preços acima da média, é uma situação vergonhosa.

A marca Apple continua valorizada, é claro. Mas já se nota algum desgaste. Nos Estados Unidos, uma pesquisa divulgada no início do ano pela empresa Buzz Marketing Group apontou que o emblema da maçã já não era uma unanimidade entre os adolescentes e jovens, público estratégico para a Apple.


Segundo esse estudo, os adolescentes querem se diferenciar de seus pais e professores. Agora que os mais velhos usam iPhone, esse smartphone deixa de ser visto como algo “cool” por boa parte dos jovens, como relata a Forbes.

A Forbes cita números do banco de investimento Piper Jaffray que mostram que 67% dos adolescentes americanos ainda querem um iPhone. Mas 22% dizem que preferem um Galaxy, da Samsung. Um ano antes, a preferência pela Apple era de quase 100%.

Steve Jobs faz falta?

Fãs de Steve Jobs gostam de dizer que ele faz falta – o que, provavelmente, é verdade. Jobs tinha obsessão pela qualidade. São famosas suas declarações dizendo que os computadores tinham de ser bonitos tanto por fora como por dentro. Muitos dizem que o vexame dos mapas cheios de falhas não teria acontecido com ele no comando.

Mas a era Jobs também teve sua parcela de lançamentos problemáticos. Um que gerou muita discussão foi o do iPhone 4, com sua antena mal projetada. Além disso, entre 1998 e 2011, quando a Apple estava sob o comando de Jobs, também houve longos hiatos entre lançamentos importantes.

O maior desses intervalos foi de 2001, quando foram lançados o iPod e o iTunes, a 2007, quando Jobs apresentou o iPhone. Nesses seis anos, a Apple lançou versões aperfeiçoadas do iPod e de seus computadores Mac, além de acessórios como a linha Airport de equipamentos de rede. Mas nada disso era muito diferente do que outras empresas estavam fazendo. 

Isso sugere que o atual hiato não é anormal na história da companhia. Também se costuma acusar a Apple de Tim Cook de ser lenta na incorporação de certos avanços tecnológicos. É o caso da conexão sem fio NFC, presente nos smartphones avançados com Android mas ausente do iPhone. Mas isso também não é novidade.

O primeiro iPhone tinha apenas conexão 2G, enquanto vários de seus concorrentes já usavam 3G na época. O iPhone 3G só chegaria um ano depois. A estratégia deu certo porque o iPhone trouxe tantas inovações que a falta do 3G foi vista como uma deficiência perdoável.


No caso do NFC, há quem duvide que essa tecnologia vai mesmo pegar, já que há soluções alternativas para pagamentos e transferência de arquivos que não dependem desse recurso. Talvez o comando da Apple esteja nesse time que não acredita no NFC.

Mercado em mutação

Se a situação atual da Apple é parecida com a observada em outros anos, cabe perguntar se a maior mudança não estaria no mercado em torno dela. A expectativa em  relação à empresa foi crescendo ao longo do tempo. Os concorrentes se tornaram mais ágeis e agressivos e o ritmo dos lançamentos se acelerou.

Anos atrás, a Apple atualizava o Mac OS X a cada um ou dois anos, enquanto a Microsoft lançava novas versões do Windows e do Office a cada três anos – isso depois de seis anos sem apresentar nenhum Windows novo, de 2001 a 2007. Agora todos os fabricantes lançam novas gerações de seus produtos anualmente. De certa forma, o sucesso da Apple inspirou os demais.

Nesse cenário, talvez a Apple passe a ser vista como uma empresa mais normal, não tão diferente de suas concorrentes. Na apresentação de ontem à noite, Tim Cook tentou afastar a desconfiança dizendo que tem no forno produtos atraentes e inovadores, como relata o noticiário The Verge.

“Nossas equipes estão trabalhando duramente em produtos impressionantes de hardware, software e serviços. Não posso esperar para apresentá-los no próximo Outono e em 2014. Continuamos muito confiantes em nossos planos para futuros produtos”, disse Cook.

Quando questionado se haveria novas categorias de produtos, Cook deu a entender que elas não virão neste ano. Tradução: como já vinha sendo previsto, teremos novos modelos do iPhone e do iPad na próxima Primavera brasileira (Outono americano). Já o iWatch e o iTV ficam para 2014.

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