Wild Rift, novo jogo da Riot: lançamento é parte importante na gestão da comunidade de jogadores (Riot Games/Divulgação)
Thiago Lavado
Publicado em 29 de março de 2021 às 07h00.
Última atualização em 29 de março de 2021 às 07h09.
Foi-se o tempo em que a Riot Games era a empresa que desenvolvia apenas o League of Legends (LoL), um dos maiores sucessos da história do mercado de games. Ainda assim, é pela história do LoL que passa o legado da companhia e o seu futuro. Lançado há mais de 10 anos, em 2009, o LoL cresceu para se tornar o jogo mais popular do mundo em 2014. Mas em uma indústria que muda radicalmente todos os anos, manter-se atualizado é mandatório.
Sabendo disso, a Riot lança nesta segunda-feira, 29, um novo jogo no Brasil, o Wild Rift, uma versão do LoL para celulares, e com uma jogabilidade apropriada para os dispositivos móveis. A novidade é mais um passo na construção de uma comunidade de jogadores em torno dos produtos e conteúdos da empresa por aqui e um avanço em um novo mercado, já que originalmente os jogos da Riot eram desenvolvidos para computadores. A fórmula se mantém: o jogo é gratuito e há a possibilidade de adquirir itens virtuais, um modelo que logrou sucesso a outros jogos que vieram depois do LoL, como o Fortnite.
Dados da consultoria SuperData apontam que só o LoL gerou 1,75 bilhão de dólares em faturamento à Riot Games em 2020 — maior cifra para um jogo que não é mobile e é gratuito. Na liderança de jogos gratuitos mais rentáveis do ano passado aparece o Honor Kings, um jogo mobile desenvolvido pela gigante chinesa Tencent, que faturou 2,45 bilhões de dólares no ano, e que agora é concorrente do Wild Rift. A Tencent é a maior empresa de jogos do mundo e dona da Riot Games, depois de adquirir a empresa em um negócio de mais de 350 milhões de dólares em 2011. No ano passado, a companhia chinesa faturou um total de 73,8 bilhões de dólares.
Justamente por brigar nesse mercado, o Wild Rift é uma aposta grande. A Riot já tem outros dois jogos que podem ser consumidos em smartphones, Teamfight Tactics e Legends of Runeterra, mas nenhum dos dois tem o apelo do LoL. Segundo Diego Martinez, novo diretor-geral da Riot Games no Brasil, o novo jogo foi feito em uma plataforma própria, desenvolvida do zero para uma experiência no smartphone, e é considerado a continuação do League of Legends nos dispositivos móveis. “O mundo é mobile, e a vida está em torno do aparelho celular. Quando celebramos 10 anos de empresa, dissemos que estamos e estaremos onde os jogadores estiverem. Se eles estão no mobile, precisamos estar lá”, afirmou Martinez à EXAME, em sua primeira entrevista desde que assumiu a liderança da Riot no país em outubro do ano passado.
Segundo o executivo, houve preparação estrutural para receber o jogo no país. Além de conversar com fabricantes como Samsung e Apple para otimizar o desempenho do jogo, houve aproximação de operadoras de telefonia e internet para alinhar requerimentos e um serviço melhor.
Os games mobile são um nicho bilionário e pujante dentro do mercado de games, que terminou o ano passado avaliado em 179 bilhões de dólares, segundo dados da consultoria IDC, com alta de 20%. É esperado que o número de pessoas jogando passe de 3 bilhões nos próximos dois anos e muitas delas estarão conectadas pelo celular. No Brasil, títulos como Free Fire, de tiro, são sucesso absoluto de público. O jogo tem mais de 80 milhões de usuários ativos por dia e foi o mais baixado no país no ano passado, fomentando campeonatos, comunidades em torno dos games e até a venda de periféricos.
No ano passado, a startup brasileira Wildlife dobrou de valor de mercado e se tornou uma empresa de 3 bilhões de dólares na esteira desse crescimento. A asiática Sea Group, desenvolvedora do Free Fire — além de atuar no e-commerce e pagamentos digitais — cresceu 446%, terminando o ano com um valor de mercado de 102 bilhões de dólares. Gigantes do setor, como Razer, se especializaram nos últimos anos na venda de equipamentos para jogar no smartphone.
A expectativa é que o Wild Rift seja o motor de uma nova onda mobile dentro da Riot Games, dada a popularidade do League of Legends. Quando a versão beta do Wild Rift foi lançada, em outubro do ano passado, no mercado internacional, o título disparou nas lojas de aplicativos e figurou entre as primeiras posições. Com a pandemia e mais tempo passado em casa, o consumo de jogos cresceu no mundo e no Brasil, com o hábito se tornando uma forma de interação social online. De acordo com Martinez, os jogos da Riot registraram um aumento de 40% no número de horas jogadas em 2020 no país, enquanto que a média do mercado foi de 25%.
Embora seja um produto novo, a chegada do Wild Rift é parte de um plano maior da Riot como uma empresa, que desenvolve ainda os títulos Valorant, Legends of Runeterra e Teamfight Tactics, produz conteúdo e mantém uma comunidade. Essa é uma característica importante inclusive no Brasil, onde a empresa tem presença marcada e atua há anos. Segundo Martinez, o intuito não é focar somente em quem já joga os títulos da empresa no PC, mas também atingir um universo de pessoas que estão conectadas ao mobile ou jogam outros games. “Queremos trazer um público que não é só jogador de Moba [Multiplayer Online Battle Arena, o estilo de jogo que é o League of Legends], com todo cuidado e carinho, que fiquem com o jogo, testem, se apaixonem por ele”, afirma.
A estratégia passa além de lançar mais um jogo: envolve comunicação com os usuários, eventos, e até o lançamento de produtos musicais e filmes. Em 2018, por exemplo, houve o lançamento do grupo musical de k-pop K/DA, criado pela Riot com personagens do League of Legends e que estreou em uma apresentação durante a final do campeonato mundial do jogo. Usando realidade aumentada para exibir as personagens no palco, o grupo cantou a canção Pop/Star, que alcançou 100 milhões de visualizações no YouTube em um mês e ocupou o primeiro lugar de canções digitais da Billboard.
A expansão do universo criado pela empresa tem continuidade marcada. Uma série animada, chamada Arcane, está em etapas finais de desenvolvimento —não é a única: uma animação do jogo concorrente Dota 2 estreou no início do mês na Netflix. “Temos uma divisão que estamos investindo muito, trazendo profissionais para o segmento de entretenimento, para nos ajudar a contar histórias”, disse Martinez. “É uma forma de engajar os jogadores novos, mas também os existentes”.
No Brasil, a Riot conta com um time de 40 pessoas que trabalha para que esse conteúdo chegue até os jogadores. A empresa está investindo também em um novo escritório no país para, depois da pandemia, dar suporte às equipes da empresa na expansão de conteúdo.
Hoje, não é raro ligar a TV nos canais de esporte e ver que está sendo transmitido uma partida de League of Legends — as quartas de final do campeonato brasileiro (CBLoL) passaram no SporTV no último final de semana.
A Riot teve papel fundamental no fomento ao cenário de e-sports, os esportes eletrônicos no Brasil. Em 2015, a empresa já colocava 12.000 pessoas para acompanhar a final da etapa brasileiro competitiva do jogo. Houve um trabalho da empresa de ajustar o game para as vicissitudes brasileiras: não só o jogo foi traduzido, mas houve investimento direto da empresa em estúdios, transmissão, narração e comentários.
A fórmula deu certo e nos últimos anos a Riot rompeu barreiras atraindo interesse não só de anunciantes fora do mercado de games, como de times tradicionais brasileiros. No ano passado, a empresa estabeleceu um modelo de franquias para o campeonato: vendeu 10 vagas fixas e deixou de lado o sistema anterior, que envolvia rebaixamento para uma liga de acesso.
O modelo é mais famoso nos Estados Unidos e permite que os times estejam constantemente disputando os holofotes das disputas principais, o que ajuda a planejar investimentos, fechar parcerias com anunciantes e investir em novos talentos. Cada uma das vagas saiu por 4 milhões de reais e foram arrematadas por nomes como Flamengo e Cruzeiro, além de times tradicionais das competições de LoL, como paiN Gaming e INTZ.
Para Martinez, a ascensão do campeonato junto a anunciantes e parceiros está alinhada com valores que conseguiram ser transmitidos. “A competição é o DNA, mas há trabalho em equipe, capacidade de planejamento e comunicação rápida. São valores que transmitem o que marcas querem estar próximas”, disse. Atualmente, o CBLoL tem entre seus anunciantes grandes marcas como Red Bull, Gillette e Mastercard.
Além do Wild Rift, a Riot expande sua expertise em competições para o Valorant, título de tiro lançado em junho passado e um dos atuais sucessos da empresa. O jogo ganhou adeptos no Brasil pela temática, que atende aos interesses do público local e já tem perspectiva de expansão competitiva. A demanda foi tanta que a Riot antecipou novos mapas no final do ano passado e incluiu evento competitivo do jogo junto de uma competição global de LoL que acontece em Reykjavik, na Islândia, em maio.
Segundo Martinez, o foco passa por expandir ainda mais os campeonatos e torná-los diversos e inclusivos. Atualmente a empresa desenvolve o programa Game Changers, para fomentar competição, inicialmente no Valorant, com maior participação feminina. O investimento e a premiação partiram da própria Riot. “O Game Changers veio para ficar. É uma maneira de ouvir a comunidade, ter espaço para que se sintam seguras e valorizadas pelo potencial que têm nos campos virtuais”, disse.
Com a experiência acumulada no desenvolvimento de jogos, criação de comunidade e gerenciamento de eventos e campeonatos, o mobile parece ser um jogo já ganho para a Riot.