Catalina Tobar: head de soluções cripto da Visa América Latina e Caribe (Visa/Reprodução)
Repórter
Publicado em 31 de maio de 2023 às 17h51.
Última atualização em 26 de junho de 2023 às 18h19.
O Banco Central anunciou recentemente uma lista de nove empresas recrutadas a fomentar o desenvolvimento do Real Digital, um equivalente do bitcoin para a moeda nacional. Entre os selecionados está a bandeira de cartões de crédito Visa, que abraçou a missão de criar o sistema de chaves eletrônicas que registram os dados de uma transação. Além disso, também testará o gerenciamento dos depósitos bancários e ativos financeiros que a parceira XP intermedeia, emite ou distribuí.
O projeto como um todo atraiu empresas nacionais e internacionais de sete países, incluindo Alemanha, Estados Unidos, Israel, México, Portugal, Reino Unido e Suécia, segundo comunicado do BC.
E a ideia chega em tempo de tornar o Brasil um dos pioneiros, uma vez que a maioria das grandes economias enxergam as moedas digitais via banco central (CBDCs) como oportunidade para aumentar a eficiência do mercado de pagamentos de varejo, estimular a competição e a inclusão financeira.
"A pandemia ressaltou a necessidade de alcançar os segmentos mais vulneráveis com instrumentos digitais de pagamentos", afirmou o BC, que desde 2020 conduz um grupo de trabalho para estudar a emissão de uma moeda digital.
Acredita-se também que o Digital permitirá a posse de recursos sem vínculo com uma instituição financeira, e a programação de transações sem a necessidade de um banco. E nesse ponto, a Visa acredita que poderá implementa parte dos projetos que já vem trabalhando há quase dez anos.
Em entrevista exclusiva à EXAME, a head de soluções cripto da Visa América Latina e Caribe Catalina Tobar contou mais sobre o projeto e as vantagens que a tecnologia trará para o sistema financeiro brasileiro.
Quando começou a jornada da Visa de participar do plano do Real Digital?
A Visa tem um trabalho longo e constante na digitalização das finanças. Mas o mais recente movimento, que deu o pontapé na nossa participação no Real Digital, foi o LIFT Challenge, no final do ano passado. A empresa se uniu à Agrotoken, Microsoft e Sinqia para desenvolver uma solução que envolve uma plataforma financeira programável criada para pequenas e médias empresas (PMEs), especialmente agricultores. Conseguirmos aumentar o acesso a mercados de capitais globais, facilitar a interoperabilidade entre as moedas, melhorar processos operacionais e revelar novas oportunidades de crescimento. Um dos resultados também foi um cartão de crédito internacional que pode ser usado como meio de pagamento em mais de 80 milhões de estabelecimentos credenciados a Visa no mundo. É possível comprar desde um simples café até insumos agrícolas.
De certa forma a economia já é digitalizada, mas não tokenizada. Então, o que vai mudar quando tivermos o Real Digital? Qual é o ganho numa comparação com o Pix?
O principal ponto é que há a possibilidade de incluir muito mais informação na mesma transação. O Pix é menos voltado para isso. E com o blockchain é possível controlar quanto você precisa compartilhar, quais mecanismos precisa introduzir para garantir privacidade e, ao mesmo tempo, criar um sistema conectado de ponta a ponta e autônomo. Dado o cenário, o Banco Central está procurando um equilíbrio entre programabilidade, descentralização e segurança. E é neste contexto que nós, na Visa, temos uma oportunidade importante, pois temos experiência em garantir transações seguras, mantendo a privacidade.
E de que forma o Real Digital inibiria práticas criminosas, como a lavagem de dinheiro?
Uma das vantagens é que o desenvolvimento do Real Digital envolverá entidades que já estão cumprindo com diferentes mecanismos de controle de fraude e privacidade, como os bancos comerciais e fintechs. Além disso, a tecnologia permite incluir conceitos como o "Know Your Customer" (KYC) para garantir que, em cada transação, você possa trazer todas as informações necessárias para garantir a integridade da transação.
Então a tokenização de identidades é um próximo passo? Você acredita que isso é um processo que vai acontecer?
Definitivamente, o tema da identidade é um dos tópicos que sempre vêm à mesa. Acho que um dos grandes avanços será quando, na mesma transação, além de provar que você tem controle sobre o ativo, você também estará trocando ou pagando, e nessa mesma transação, você pode trazer informações sobre a identidade. Acredito que a identidade e todos os conceitos que a acompanham evoluirão em paralelo com a tokenização.
Como funciona a circulação do Real Digital na questão de câmbio?
Assumimos que o Real Digital estará sob a política monetária do Banco Central, então, por isso mesmo, certas regras como as de câmbio ainda serão aplicadas. Mas uma característica importante do Real Digital é a interoperabilidade. Estamos falando de facilitar transações internacionais e domésticas, especialmente à medida que introduzimos mais versões tokenizadas de diferentes ativos. Estamos trabalhando muito com uma rede que conecta diferentes moedas e economias. Temos uma tecnologia, o PSI, que já está funcionando como um elo de conexão entre blockchains, não necessariamente com o Real Digital agora, mas possivelmente no futuro.
Qual é a contrapartida que a Visa espera do Banco Central nesse desenvolvimento?
Acredito que a missão do Banco Central e nosso objetivo são de desenvolver um ecossistema colaborativo. Juntos, estamos criando algo que será estabelecido pelo Banco Central, mas que todos os participantes trarão suas diferentes perspectivas e conhecimentos técnicos. No final, isso se traduzirá em normas básicas. Não é uma tarefa fácil, mas nossa experiência tem sido muito boa e colaborativa. O Banco Central tem procurado manter a diversidade de participantes para garantir diferentes visões, e é um pouco mais complicado encontrar o caminho quando se tem diferentes visões. Porém, o mais interessante nesse espírito colaborativo é o engajamento de diferentes participantes.