Mike Krieger, de 26 anos, criador do Instagram (Gilberto Tadday / VEJA.com)
Da Redação
Publicado em 6 de abril de 2012 às 17h16.
São Paulo - Michel Krieger faz parte da geração que cresceu no mundo digital. Ele nasceu nove anos depois de Steve Jobs e Steve Wozniak apresentarem o primeiro computador pessoal, o Apple II, em 1977. Tinha 17 anos quando estreou o Facebook e 21 no lançamento do iPhone. Aos 26, esse paulistano, que por comodidade é conhecido como Mike nos Estados Unidos, é um dos inovadores da computação e um milionário do Vale do Silício, onde mora. Michel Krieger é o criador do Instagram, um aplicativo feito para o iPhone que reinventa o tradicional álbum de família. Uma rede social na qual se podem compartilhar fotos com amigos, o programa permite que se adicione uma série de efeitos especiais às imagens. Como no Facebook, as imagens são automaticamente mostradas para os seguidores de cada perfil. A cada segundo, sessenta fotos, vindas de todos os quadrantes do globo, são transferidas para o programa.
O sucesso do Instagram é tanto que os 30 milhões de pessoas que aderiram a ele já ganharam um apelido que as identifica como comunidade — são os instagramers. Em dezembro, o aplicativo foi eleito pela Apple o melhor para iPhone. Há um mês, Krieger viu sua empreitada chegar a um patamar inédito — os analistas cravaram que sua empresa vale 500 milhões de dólares. Para uma firma do mundo digital com apenas dois anos de vida, alcançar esse valor é um feito extraordinário. Na terça-feira da semana passada, o aplicativo ganhou uma versão para Android, o sistema operacional do Google. O efeito foi igualmente estratosférico: apenas no primeiro dia foi feito mais de 1 milhão de novos downloads do Instagram.
Vídeo: Novos talentos da computação
O criador do Instagram está entre os expoentes de um grupo de jovens brasileiros que encontraram na internet o passaporte para o sucesso precoce. São garotos e garotas que têm como ídolos nomes como Jobs e Mark Zuckerberg, criador do Facebook, e que veem neles modelos de como alcançar fama e fortuna antes dos 30 anos. Para conhecer melhor o que esses jovens pensam e como vivem, VEJA organizou uma mesa-redonda com cinco deles. Na conversa, eles falam sobre o envolvimento com a tecnologia e a reação da família às horas e mais horas que passam em frente a computadores, entre outros assuntos. O resultado pode ser lido a partir da página 98.
Michel Krieger tem o típico perfil dos talentos precoces da tecnologia. Ele diz que aos 6 anos já mexia nos códigos — a base de todos os programas de computador — de jogos do Windows para mudá-los. Mais tarde, brincava de aperfeiçoar programas como o navegador Firefox. Um estudo feito há cinco anos por pesquisadores da Universidade de Pittsburgh em escolas americanas mostrou que crianças com aptidão para a computação têm características parecidas: resolvem problemas ligados a PCs desde pequenas, auxiliam colegas que não lidam bem com tecnologia, preferem trabalhar sozinhas e gostam de games que desafiam o intelecto. Krieger fala inglês desde criança e decidiu estudar nos Estados Unidos ao completar 18 anos. Lembra ele: “Apesar de gostar de tecnologia, não sabia o que queria na vida. Como nos Estados Unidos é normal mudar de curso no meio da graduação, resolvi vir para cá”.
Ele se formou na Universidade Stanford em symbolic systems, curso relativamente novo que une ciência da computação, psicologia e design. Na universidade, conheceu o colega Kevin Systrom. Os dois passaram a se encontrar em cafés de São Francisco, onde universitários e profissionais da área costumam se reunir para criar sites, softwares e aplicativos. Um dos programas desenhados por Krieger nos cafés era o Crime Desk, que usava a câmera e os serviços de GPS de smartphones para mapear crimes que ocorriam em São Francisco e indicar os locais mais perigosos da cidade. “Um dia, Kevin veio com o projeto de um aplicativo de fotos e disse que me queria como sócio. Topei na hora. Depois de alguns meses de trabalho e longas reuniões, criamos o Instagram”, resumiu ele a VEJA. Hoje, seu escritório no Vale do Silício abriga treze funcionários, todos jovens. Até o fim do ano, Krieger pretende aumentar a equipe para perto de 100 pessoas.
Muitos jovens que pretendem fazer carreira em tecnologia optam por estudar disciplinas não diretamente ligadas ao mundo digital, pois acreditam que podem aprender sobre computadores sozinhos. A paulistana Regina Gotthilf, que estudou na mesma sala de Krieger no colegial, cursou antropologia e trabalhou em um laboratório de neurociência em Massachusetts, nos Estados Unidos. Ela se considera uma nerd: sempre gostou de videogames e de computadores. “Tinha a ideia de ser diretora de cinema, mas com o tempo me envolvi cada vez mais com tecnologia”, conta. Neste ano, Regina foi convidada pelo Tumblr, uma rede social focada em blogs com 50 milhões de usuários cadastrados, para representar a empresa fora dos Estados Unidos — a começar pelo Brasil. Com apenas 25 anos, tornou-se gerente de internacionalização do Tumblr e também uma das raras mulheres no ramo. Segundo uma pesquisa feita pela Microsoft na América Latina, apenas um em cada dez universitários de ciência da computação é mulher.
Os jovens que vislumbram um futuro na área de tecnologia sonham, desde cedo, em seguir um caminho similar ao de Michel Krieger. O carioca Rafael Costa, que mora em Brasília, começou a aprender linguagens de programação — usadas para criar sites e softwares — aos 9 anos. Como a maioria de seus colegas, ele é autodidata. Para testar suas habilidades, brincava de infectar o computador de sua mãe com vírus. Quando a mãe lhe pedia ajuda, eliminava o vírus que ele mesmo havia criado. Hoje, aos 13 anos, já desenvolveu nove aplicativos para iPhone e iPad que estão à venda na loja da Apple. Rafael sonha alto: “Um dia serei bom o suficiente para criar um smartphone melhor que o iPhone”.
Em geral, os jovens da computação começam, assim como Rafael, atuando como hackers. Aprendem pela internet a invadir computadores, desbloquear smartphones e piratear arquivos. Suas escolas virtuais são os fóruns criados na web por hackers experientes. Muito do que fazem é tecnicamente ilegal, mas a maioria usa as invasões apenas como exercício. O Brasil é um dos maiores celeiros de hackers. De acordo com um relatório da Symantec, dona do antivírus Norton, o país é o quarto colocado em crimes cibernéticos no mundo.
Grandes ícones da computação começaram com o espírito de hackers. Zuckerberg e o brasileiro Eduardo Saverin, fundadores do Facebook, invadiram os servidores da Universidade Harvard, onde estudavam, para fazer um site que comparava a beleza das universitárias — daí saiu a inspiração para a maior rede social do mundo. Na adolescência, Jobs e Wozniak, da Apple, vendiam o que chamavam de “blue box” (caixa azul), um dispositivo que, à revelia da companhia telefônica, permitia realizar ligações gratuitamente. “É assim que aprendemos. No colégio, só ensinam mais do mesmo”, diz o carioca Pedro Franceschi, de 15 anos. Franceschi aprendeu as primeiras letras da programação aos 8 anos, pesquisando, sozinho, na web. Neste ano, projetou um aplicativo que faz Siri, a assistente virtual comandada por voz do iPhone 4S, entender português — na versão original, ela só funciona em inglês, alemão, francês e japonês. Ele justifica: “Procuro apenas melhorar a experiência das pessoas com a tecnologia”.
A ambição de ter a própria empresa é comum entre os talentos precoces da computação. De acordo com a consultoria UHY, o número de startups — pequenas empresas normalmente de tecnologia — no Brasil aumentou ao ritmo de 7% ao ano entre 2006 e 2010. É um crescimento maior que o verificado na China e nos Estados Unidos. Analisa Marcelo Sales, do fundo de investimentos 21212: “Na internet, tudo é globalizado, e um brasileiro pode montar aqui um aplicativo que terá repercussão no mundo inteiro. Isso encanta a garotada”. A 21212 é uma aceleradora de negócios digitais que capta recursos com investidores estrangeiros. Neste ano, pretende injetar 40 milhões de dólares em startups brasileiras. “Agora, o melhor é ficar no Brasil. Nos Estados Unidos eu competiria com todo o Vale do Silício”, diz o paulista Breno Masi, de 29 anos, criador da desenvolvedora de aplicativos FingerTips.
Masi montou seu negócio com o amigo Paulo Saito, de 25 anos. Ambos sempre foram fascinados por tecnologia. Após o lançamento do iPhone, em 2007, eles se destacaram como os primeiros a desbloquear o aparelho no Brasil. Depois, foram os primeiros do mundo a hackear o iPhone 3GS. “O smartphone só funcionava nos Estados Unidos, mas eu fazia com que pegasse em qualquer país. Michael Schumacher, o piloto de Fórmula 1, chegou a contratar um jatinho para me levar a Florianópolis apenas para desbloquear o celular dele”, lembra Breno. Ele e Paulo foram convidados a trabalhar na Apple, mas recusaram as ofertas e abriram a FingerTips. Os dois fecham contratos com cifras milionárias em reuniões em que não se dão ao trabalho de usar terno. Eles sempre seguem o uniforme-padrão dos vidrados em tecnologia: camisa, jeans e tênis. Michel Krieger, do Instagram, é outro que adota esse figurino. Ele também não sabe (e não quer saber) dirigir — prefere ir de bicicleta para seu escritório, em São Francisco.
A habilidade precoce dos brasileiros chama a atenção dos gigantes da área da computação. Em 2005, o Google abriu um escritório de engenheiros em Belo Horizonte. A equipe, que começou com dez pessoas, conta hoje com 100 profissionais, responsáveis por projetos globais. “Se até os anos 90 o brasileiro era obrigado a ir para o exterior para se destacar, agora são os estrangeiros que vêm para cá”, diz o brasileiro Berthier Ribeiro-Neto, diretor de engenharia do Google na América Latina. Em sua equipe há engenheiros de muitas nacionalidades, como holandeses e franceses. Mas a maioria é de brasileiros. Neste ano desembarca no país a Amazon, líder mundial em e-commerce. Em janeiro, a Microsoft inaugurou em São Paulo seu maior centro de pesquisas na América Latina, com investimento de 10 milhões de dólares. No mundo digital, em que tudo é globalizado, essas empresas poderiam pesquisar e inovar sem sair de sua sede. Mas elas investem no país para atrair para suas equipes a garotada brasileira. Define Regina, a moça do Tumblr: “No mundo digital, não importam a nacionalidade nem a idade, mas o que se é capaz de fazer”.
Para entender o dialeto deles
O que significam os termos mais comuns usados pelos jovens prodígios da tecnologia Hacker: especialista em quebrar códigos de sites, desbloquear celulares e invadir sistemas virtuais. Não é necessariamente um criminoso. Pode usar suas habilidades para desenvolver programas, achar soluções de segurança ou estudar o mundo digital
Cracker: quem invade computadores e sistemas de segurança de forma antiética ou criminosa
Crack: software que modifica programas para remover métodos de proteção contra hackers
Script kid: termo depreciativo para hacker iniciante
Lamer: a antítese de um bom hacker. Sabe apenas o bê-á-bá da computação, mas se julga especialista
Black hat: usa os conhecimentos em tecnologia para praticar crimes. Bandido virtual
White hat: considerado o mocinho da web, desenvolve tecnologias que deixam a internet mais segura
Debug: programa que detecta falhas em softwares
Phreak: mescla das palavras phone e freak. É o hacker da telefonia
Trojan: programa que age como um cavalo de troia. Vem escondido em arquivos baixados da internet e serve de porta de entrada para invasores virtuais
Leet: código em que letras do alfabeto são substituídas por números e símbolos. Leet, por exemplo, vira I33t. É muito usado pelos mais experientes para confundir os iniciantes