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Psicólogo está no centro do escândalo de dados do Facebook

O problema para a empresa é que ela estava ciente da controvérsia sobre o uso da informação por parte de Kogan e da Cambridge Analytica desde 2015

 (Michael Short/Bloomberg)

(Michael Short/Bloomberg)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 20 de março de 2018 às 12h02.

Última atualização em 22 de março de 2018 às 11h39.

Em um vídeo publicado na internet em setembro, um cientista social chamado Alex Spectre fez um discurso sincero sobre sua nova startup. Com o uniforme do Vale do Silício, camisa de botão com o colarinho aberto e blazer, Spectre gabava-se de que sua empresa - Philometrics - revolucionaria a forma de fazer questionários on-line, facilitando para as empresas a elaboração de pesquisas que as pessoas realmente responderiam no Facebook, no Twitter ou em outros sites. E o mais importante, disse ele, é que as pesquisas poderiam prever as reações de grandes grupos a partir de um pequeno número de consultados, a fim de direcionar melhor propagandas a pequenos grupos.

"A realidade é que trabalhar com big data e redes sociais é incrivelmente difícil", disse Spectre, mais comumente conhecido como Aleksandr Kogan, nome que ele usa em seu cargo de pesquisador da Universidade de Cambridge. "Você quer trabalhar com pessoas que têm muita experiência. Você quer se conectar com pessoas que vêm trabalhando com esses enormes conjuntos de dados."

Kogan sabe do que está falando. Na sexta-feira, ele foi suspenso pelo Facebook por seu trabalho anterior de mineração de dados que, segundo o New York Times, chegou a envolver 50 milhões de usuários do Facebook e foi compartilhado com a Cambridge Analytica, uma empresa de propaganda política que ajudou Donald Trump a vencer a eleição presidencial dos EUA em 2016. O Facebook suspendeu Kogan com a alegação de que ele mentiu quando disse que os dados seriam utilizados apenas para fins de pesquisa. A rede social suspendeu a Cambridge Analytica também.

Kogan, de aparência juvenil, foi colocado no centro de um escândalo que pôs em dúvida não apenas os métodos utilizados pela campanha de Trump para psicanalisar e identificar potenciais eleitores a fim de conquistar a presidência, mas também as práticas das empresas do Vale do Silício ao permitir que terceiros possam ter acesso a e explorar informações privadas.

O Facebook já desativou o recurso que permitiu que Kogan acumulasse dados pessoais de milhões de usuários, sendo que menos de 1 por cento dessas pessoas baixou seu aplicativo. Mas o caso oferece um vislumbre de como alguns gigantes da internet são promíscuos com informações que muitos usuários pressupõem que sempre serão mantidas em segredo. Autoridades governamentais dos EUA e da Europa estão intimando o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, a comparecer diante dos legisladores, e essas demandas por respostas podem ser o prenúncio de uma regulamentação mais rigorosa para a rede social.

Kogan não respondeu a diversas tentativas de contato em busca de comentários. Seu malfadado desvio da vida acadêmica para os cantos mais sombrios do marketing de redes sociais começou em 2014, quando a Cambridge Analytica, com sede no Reino Unido, pediu ajuda a Kogan. A empresa estava interessada em um projeto de dados em que Kogan havia trabalhado na Universidade de Cambridge, que se baseava em pesquisas sobre traços de personalidade e redes sociais.

Estando na Universidade de Cambridge, Kogan formou uma empresa no Reino Unido chamada Global Science Research, que criou um aplicativo chamado ’thisisyourdigitallife’ que oferecia previsões de personalidade aos usuários do Facebook em troca de acesso a seus dados pessoais na rede social e de informações mais limitadas sobre seus amigos – incluindo suas "curtidas" – caso suas configurações de privacidade o permitissem. Apenas cerca de 270.000 pessoas baixaram o aplicativo, mas os pesquisadores conseguiram explorar os perfis de dezenas de milhões de pessoas através de ferramentas que o Facebook tinha na época, que davam acesso a terceiros a uma ampla gama de informações.

A empresa de Kogan então pegou os resultados desses questionários de personalidade e combinou-os com as curtidas dos usuários no Facebook – e com as curtidas dos amigos deles – a fim de construir um modelo para prever personalidades com base no comportamento digital. A empresa por fim deu à Cambridge Analytica uma lista de milhões de pessoas nos EUA, com nome, lugar de residência, gênero, idade e resultados dos testes projetados.

Até 2014, as regras do Facebook permitiam que terceiros tivessem acesso por esta porta dos fundos aos dados de amigos. Naquele ano, a empresa restringiu suas configurações de privacidade para "garantir que cada pessoa decida quais informações querem compartilhar sobre si, incluindo sua lista de amigos". O Facebook se empenhou para que o ocorrido não seja descrito como uma "violação", mas a realidade é que o ato subjacente de coleta de dados por terceiros não só era permitido como também era encorajado pela rede social – levantando dúvidas sobre quantos outros abusaram do acesso às informações de usuários do Facebook.

Por sua vez, a Cambridge Analytica afirmou que os dados do Facebook não foram utilizados como parte dos serviços prestados à campanha presidencial de Trump, acrescentando que respeitou completamente as condições de serviço do Facebook e que está trabalhando com a empresa para resolver o problema.

Uma pessoa familiarizada com o trabalho da empresa de Kogan disse à Bloomberg News no ano passado que a metodologia e os dados fornecidos à Cambridge Analytica eram quase inúteis para prever personalidades individuais devido a uma alta taxa de erro e que a alegação de que a Cambridge Analytica pode direcionar propagandas a nível individual com base no comportamento é mais conversa de marketing do que Big Brother.

O problema mais difícil para o Facebook é que a rede social estava ciente da controvérsia sobre o uso da informação por parte de Kogan e da Cambridge Analytica desde 2015, quando o Facebook exigiu que ele e a Cambridge Analytica excluíssem os dados. A rede social agora enfrenta as consequências de não poder policiar como quem coletou os dados privados no Facebook durante aquele período usou essa informação e se as regras do Facebook sobre compartilhamento ou venda dos dados foram respeitadas. O Facebook também está investigando se um de seus funcionários, Joseph Chancellor, que formou a Global Science Research com Kogan quando Chancellor era um estudante de doutorado da Universidade de Cambridge, sabia sobre o vazamento de dados. Chancellor atualmente é pesquisador de psicologia social no Facebook. Ele não respondeu a uma mensagem enviada pelo LinkedIn em busca de comentário.

A Universidade de Cambridge informou em um comunicado que não tinha nenhuma evidência que sugerisse que Kogan tenha usado recursos ou instalações da universidade para o trabalho da Global Science Research, mas afirmou também que entrou em contato com o Facebook para solicitar "todas as provas relevantes em sua posse".

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