BROCK PIERCE, À FRENTE, NO HOTEL MONASTERY: dezenas de novos ricos se mudaram para Porto Rico para fugir de impostos e construir uma sociedade baseada nas moedas virtuais (José Jiménez-Tirado/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 19h06.
San Juan, Porto Rico – Eles diziam que estavam construindo a Puertopia. Mas alguém os avisou, com aparente seriedade, que em latim essa palavra pode ser traduzida por “playground eterno”. Então, resolveram mudar o nome para Sol.
Dúzias de empreendedores, que enriqueceram recentemente com criptomoedas e blockchains, estão agora se mudando para Porto Rico, na esperança de evitar o que veem como um estado oneroso e os impostos federais que incidem sobre suas crescentes fortunas, muitas das quais atingiram os bilhões de dólares.
E esses homens, porque são quase exclusivamente homens, têm um plano para essa riqueza: querem criar uma criptoutopia, uma nova cidade onde o dinheiro é virtual e todos os contratos são públicos, para mostrar ao resto do mundo como poderia ser um criptofuturo. O blockchain, um banco de dados digital que é a base das criptomoedas, tem o potencial de reinventar a sociedade, e os puertópicos querem provar isso.
Há mais de um ano, os empreendedores andam em busca do local ideal. Depois que o furacão Maria dizimou a infraestrutura de Porto Rico em setembro e o preço das criptomoedas disparou, perceberam a oportunidade e acharam que era a hora.
Assim, essa criptocomunidade se reuniu aqui para criar seu paraíso. Agora os investidores passam os dias procurando propriedades onde possam ter seu próprio aeroporto e docas. Estão comprando hotéis e um museu na parte histórica da capital, chamada Velha San Juan. E dizem estar próximos de um acordo com o governo para criar o primeiro banco de criptomoeda.
“O que está acontecendo aqui é uma tempestade perfeita”, disse Halsey Minor, fundador do site de notícias CNET, que está mudando sua nova empresa de blockchain – chamada Videocoin – das Ilhas Cayman para Porto Rico. Em referência ao furacão Maria e ao interesse de investimento que se seguiu, ele acrescentou: “Mesmo que tenha sido muito ruim para as pessoas de Porto Rico, em longo prazo é um presente divino, caso as pessoas consigam ver além disso”.
Porto Rico oferece um incentivo fiscal sem paralelos: não há impostos federais sobre salários e lucros, e as taxações sobre as empresas são baixas – tudo isso sem renunciar à cidadania americana. Por enquanto, o governo parece receptivo aos criptoutópicos; o governador de Porto Rico fará uma palestra na conferência de blockchain organizada por eles em março, a Puerto Crypto.
Os recém-chegados ainda discutem a forma exata que a Puertopia deveria ter. Alguns acham que deveriam construir uma cidade; outros acham que se mudar para a Velha San Juan é suficiente. De qualquer forma, os puertópicos dizem que querem crescer rápido.
“Você nunca viu uma indústria catalisar um lugar como vai ver aqui”, disse Minor.
Até os puertópicos acharem os terrenos ideais, estão ocupando o Monastery, um hotel de 1.858 metros quadrados que alugaram como sede.
Matt Clemenson, 34 anos, e Stephen Morris, de 53, estavam tomando uma cerveja na cobertura do Monastery em uma noite recente. Clemenson tinha um jeito tranquilo e usava óculos escuros com lentes coloridas; Morris, um britânico tagarela, usava uma bermuda cargo e botas de combate com cadarço, e um celular pendurado no colar. Eles deixaram claro: escolheram Porto Rico por causa do furacão, e vêm em paz.
“Somente quando tudo foi destruído que você consegue começar do zero”, disse Morris.
Clemenson, cofundador do lottery.com, que usa blockchain em loterias, disse: “somos capitalistas benevolentes, construindo uma economia benevolente. Porto Rico é essa gema bruta, uma ilha encantada que tem sido constantemente negligenciada e maltratada. Talvez, depois de 500 anos, podemos fazer a coisa certa”.
Outros puertópicos lotaram a cobertura de repente, depois de um dia cheio em um ônibus visitando propriedades. Do meio do grupo emergiu Brock Pierce, 37, líder do movimento Puertopia, vestindo calça saruel capri, um colete preto quase até o joelho e um chapéu de feltro preto. Ele e outros chegaram à ilha no começo de dezembro.
“Compaixão, respeito e transparência financeira”, disse Pierce quando perguntado sobre o que os levou até ali.
Pierce, diretor da Bitcoin Foundation, é uma figura importante da explosão das criptomoedas. Ele é cofundador de uma startup de blockchain para empresas, a Block.One, que vendeu cerca de 200 milhões de dólares de uma moeda virtual personalizada, a EOS, em uma “oferta inicial de moeda”. O valor de todos os tokens EOS de destaque é de cerca de 6,5 bilhões de dólares.
Pierce, que já foi ator infantil, começou no dinheiro digital cedo como jogador de videogame profissional, minerando e negociando ouro no jogo “World of Warcraft”, que foi em parte financiado por Stephen Bannon, o ex-assessor de Trump. Ele é uma figura controversa, e já foi processado por fraude.
Pierce andava pelo espaço com os punhos cerrados. Algumas vezes por dia, passava um vídeo para o grupo em seu celular e uma caixinha de som: “O Grande Ditador”, filme de Charlie Chaplin de 1940 que faz uma paródia de Hitler reunindo suas tropas. Pierce encontra inspiração em frases como “mais do que máquinas, precisamos de humanidade”.
“Fico preocupado com a ideia de que as pessoas possam interpretar mal nossas ações, que só viemos para Porto Rico fugir de impostos”, disse Pierce.
Ele disse que o objetivo é criar uma moeda de caridade chamada ONE com 1 bilhão de dólares de seu próprio dinheiro. “Se você tirar o M e o Y da palavra money, fica ONE”, explicou Pierce.
Kai Nygard, descendente da empresa canadense de roupas Nygard e investidor em criptomoedas, disse: “Ele está ouvindo um chamado divino. Está além do dinheiro”.
Em uma manhã, Bryan Larkin, 39, e Reeve Collins, 42, estavam trabalhando com seus laptops no bar da piscina de outro hotel antigo, o Condado Vanderbilt, com piñas coladas no balcão.
“Vamos criar a criptolândia”, disse Larkin.
Larkin minerou cerca de 2 bilhões de dólares em bitcoin e é diretor de tecnologia da Blockchain Industries, empresa de capital aberto com sede em Porto Rico.
Collins ganhou mais de 20 milhões de dólares em uma oferta de moedas inicial do BlockV, seu aplicativo de compras para blockchain, cujos tokens valem cerca de 125 milhões de dólares.
Ele também ajudou a criar a Tether, que assegura o valor das criptomoedas em dólar e cujos tokens valem cerca de 2,1 bilhões de dólares, embora a empresa tenha gerado enorme controvérsia no mundo das moedas virtuais.
“Não. Não quero pagar impostos. Essa é a primeira vez na história da humanidade que alguém que não é rei, governo ou deus pode criar seu próprio dinheiro”, disse Collins.
Por toda San Juan, muitos habitantes estão tentando descobrir o que fazer com a chegada da criptografia.
Alguns estão abertos à nova onda como se fosse uma injeção bem-vinda de investimentos e ideias.
“Estamos abertos aos criptonegócios”, disse Erika Medina-Vecchini, diretora de desenvolvimento comercial do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Comércio. Ela disse que seu gabinete estava iniciando uma campanha publicitária destinada ao novo aumento de investimentos estrangeiros, com o slogan “Paradise Performs” (algo como o paraíso dá um bom rendimento).
Outros se preocupam com o fato de a ilha estar sendo usada para um experimento e falam em “criptocolonialismo”. Em uma festa em uma casa em San Juan, Richard Lopez, 32 anos, dono da pizzaria Estella na cidade de Arecibo, disse: “Acho isso ótimo. Atraiam todos com os impostos e eles vão gastar dinheiro”.
Andria Satz, 33, que cresceu na Velha San Juan e trabalha para o Conservation Trust de Porto Rico, discordou.
“Somos um playground de impostos para os ricos, um local de teste para qualquer um que queira fazer uma experiência. Os estrangeiros conseguem isenções fiscais; os locais não conseguem nem alvarás”, disse ela.
Lopez disse que Porto Rico precisava de um impulso na economia. “Temos que encontrar um novo caminho”, disse ele.
“Óbvio que pode ser o bitcoin. Por que não?” disse Satz, jogando as mãos para o ar.
Lopez disse que ele e um amigo de infância, Rafael Perez, 31, estavam tentando estabelecer uma mina de bitcoins na sua cidade natal, mas a eletricidade está muito inconstante, e minerar um único bitcoin requer muita energia, disse ele.
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.