Língua: português falado no Brasil tem importantes diferenças em relação ao de Portugal e outros países lusófonos (AFP)
Da Redação
Publicado em 26 de junho de 2014 às 13h50.
São Paulo – Além do vocabulário próprio e de peculiaridades relacionadas aos elementos das frases, o português falado no Brasil tem importantes diferenças em relação ao de Portugal e de outros países lusófonos no ritmo e na entonação da fala.
Foi na melodia da língua falada que se concentraram os estudos da pesquisa “Fraseamento entoacional em português brasileiro”, conduzida com o apoio da FAPESP por Flaviane Romani Fernandes Svartman, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Frases escritas da mesma forma em todas as variedades do português são faladas de maneiras diferentes em cada lugar. Enquanto um brasileiro lê a sentença “A libanesa maravilhosa rememorava a melodia” pronunciando de forma mais marcante, em termos melódicos, as sílabas tônicas de cada palavra, um português marca melodicamente as sílabas iniciais e finais, dando a impressão de um ritmo mais acelerado.
A sentença faz parte das gravações feitas pelos pesquisadores para os estudos. Por meio de leituras e conversações espontâneas de grupos de pessoas falantes do dialeto paulista, a pesquisa construiu uma base de dados que vai compor o Atlas Interativo da Prosódia do Português, o InAPoP, projeto ao qual a pesquisa de Svartman se vincula, coordenado pela pesquisadora Sónia Frota, da Universidade de Lisboa, com apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e do Ensino Superior de Portugal. As gravações permitiram o estudo das estruturas de entonação e do processo de formação de padrões prosódicos de fala.
O trabalho do grupo de Svartman integra também o projeto internacional Intonational Phrasing in Romance, desenvolvido por pesquisadores da Aix Marseille Université, na França, da Euskal Herriko Unibertsitatea, no País Basco, da Universidade de Lisboa, em Portugal, e da Universitat Pompeu Fabra, na Catalunha, e incluiu o português brasileiro na construção de um banco de dados da entonação das diferentes línguas românicas, o Romance Languages Database (RLD).
Trata-se de um extenso banco de dados de fala inicialmente criado para os idiomas catalão, português e espanhol, composto por frases com sujeito, verbo e objeto nesta ordem e padronizadas em número de sílabas e em complexidade sintática e prosódica – permitindo, dessa forma, uma comparação direta entre as línguas e suas variedades. Além de Svartman, colaboram com o RLD a catalã Pilar Prieto, a portuguesa Sónia Frota e o espanhol Gorka Elordieta.
Parte da base de dados do dialeto paulista já está disponível para pesquisadores e interessados em geral no site do InAPoP. Com o auxílio de alunos de iniciação científica e de mestrado da FFLCH, foram realizadas gravações de sentenças interrogativas, exclamativas e focalizadas – aquelas em que há ênfase em alguma parte da frase, como quando se fala “João veio, mas não o Pedro, reforçando a palavra “João” em oposição a “Pedro”.
Uma das gravações foi feita durante uma tarefa de localização e indicação de direções em mapas por mulheres na faixa etária de 20 a 40 anos; outra, durante um relato oral sobre a profissão e experiências marcantes vividas por uma pessoa com mais de 65 anos. As pessoas são separadas por gênero e idade de modo a não permitir variações de fala em um mesmo grupo.
Em seguida, foram feitas descrições e análises do fraseamento entoacional de parte desses dados, comparando-os com outras variedades do português brasileiro e do português europeu. Os resultados foram divulgados na comunicação “Fatores determinantes na atribuição de acentos tonais em sentenças neutras do português”, proferida no Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica da USP.
Guiné-Bissau e Europa
Na comparação com outras línguas românicas, a pesquisa observou que no espanhol, no português do norte de Portugal e no português brasileiro há variação melódica entre o sujeito e o predicado, diferente do português europeu padrão – o dialeto lisboeta.
A pesquisa incluiu ainda a variedade falada na Guiné-Bissau como objeto das análises comparativas. A inclusão foi proporcionada pelo contato com intercambistas do país africano, vindos como alunos regulares do curso de Letras da FFLCH-USP por meio de convênio internacional com instituições de ensino superior.
A pesquisa investigou até que ponto as variedades de português se aproximam ou se distanciam quanto a aspectos prosódicos. Tanto nos dados analisados do português brasileiro como nos da Guiné-Bissau há variações melódicas associadas a praticamente cada palavra das sentenças.
No português brasileiro não há variação depois da última sílaba tônica da última palavra que compõe o sujeito em sentenças neutras, enquanto no português da Guiné-Bissau a variação melódica é percebida.
Por exemplo, na sentença “O boliviano mulherengo memorizava uma melodia”, um brasileiro pronuncia de forma mais marcante, melodicamente, as sílabas tônicas do sujeito – o “a” de “boliviano” e o “ren” de “mulherengo” – e um guineense, além disso, também marca a última sílaba da última palavra que compõe esse elemento. Em outras sentenças os falantes do português da Guiné-Bissau podem marcar elementos sintáticos diferentes, como o objeto.
Além da FAPESP, os estudos contaram com o apoio institucional do Laboratório de Apoio à Pesquisa e ao Ensino de Letras (Lapel) da FFLCH-USP na constituição de bases de dados de fala.