São Paulo – Apesar de o metabolismo dos fungos ser utilizado pela humanidade desde a pré-história – na fabricação de pães, queijos, cervejas, vinhos etc. –, detalhes dos mecanismos desses processos ainda são relativamente pouco estudados.
Por isso mesmo, os estudos do metabolismo dos fungos são tão importantes. Ainda mais porque, entre os produtos desse metabolismo, estão substâncias nitrogenadas que constituem o grupo dos alcaloides apresentam vários efeitos biológicos: alguns de intoxicação (como ocorre com os derivados da dietilamida do ácido lisérgico, o LSD), outros medicinalmente úteis (caso das penicilinas).
O químico Roberto Gomes de Souza Berlinck, professor titular do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP) e membro da coordenação do programa BIOTA-FAPESP, investigou o metabolismo do Penicillium citrinum, um fungo de origem marinha.
O trabalho revelou uma via metabólica insuspeitada utilizada por esse organismo. O estudo acaba de ser relatado no artigo Total synthesis and isolation of citrinalin and cyclopiamine congeners, publicado na revista Nature.
“Descobrimos como esse fungo biossintetiza duas substâncias da classe dos alcaloides, citrinalinas A e B, de maneira relativamente diferenciada, que nunca havia sido relatada antes para fungos relacionados. Isso nos permitiu formular um novo entendimento do processo”, disse Berlinck à Agência FAPESP.
Segundo ele, o metabolismo incomum se deve ao fato de o fungo utilizar um aminoácido – a ornitina – que não entra na composição das proteínas de maneira muito mais eficiente do que o aminoácido prolina, que entra na composição das proteínas.
“Até o nosso estudo, os pesquisadores acreditavam que a prolina era o aminoácido necessário para fungos semelhantes biossintetizarem substâncias correlatas”, disse Berlinck.
O estudo foi realizado no âmbito do projeto de pesquisa “International collaboration in the chemistry of alkaloid natural product biosynthesis”, conduzido por Berlinck com a colaboração de David Sherman, do Life Sciences Institute da University of Michigan, nos Estados Unidos, e apoiado pela FAPESP.
“Por ser uma área relativamente nova para nós, acabamos por realizar o estudo de maneira um pouco ‘ingênua’, sem ideias preconcebidas”, afirmou Berlinck. “Assim, nossa aparente desvantagem transformou-se em vantagem, pois testamos todas as hipóteses possíveis.”
Ao mesmo tempo, contou Berlinck, Richmond Sarpong, professor da Faculdade de Química da University of California em Berkeley, sintetizou as mesmas citrinalinas e uma outra substância, a ciclopiamina, em laboratório.
“Sherman já tinha colaborado com o doutor Sarpong e nos colocou em contato. Decidimos elaborar um trabalho conjunto, tratando da síntese das substâncias pela via natural, por meio do fungo, e pela via artificial, em laboratório”, disse Berlinck.
Dessa colaboração resultou o artigo publicado na Nature, assinado por Berlinck, Sarpong e outros 10 autores, entre eles Stelamar Romminger e Eli Fernando Pimenta, ambos também do IQSC-SP.
O artigo Total synthesis and isolation of citrinalin and cyclopiamine congeners (doi 10.1038/nature13273) pode ser lido por assinantes da Nature em http://www.nature.com.
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1. Retrospectiva
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1/10 (sxc.hu)
Vários acontecimentos agitam o mundo da ciência e da tecnologia diariamente. Durante este ano, pesquisadores revelaram seus avanços, como a reversão da Síndrome de Down, e seus fracassos, como o fim das atividades do Instituto Royal. Tudo isso em meio a fenômenos como a aguardada passagem do cometa Ison. INFO listou estes e outros fatos que abalaram a ciência durante o ano de 2013. Veja a seguir.
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2. Voyager 1 deixa o Sistema Solar
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2/10 (Divulgação/NASA)
Após meses de especulações, a Nasa confirmou em setembro que a sonda Voyager 1 deixou o sistema solar e entrou no espaço interestelar após 36 anos de viagem. A sonda se encontra a 19 bilhões de quilômetros do Sol, local mais distante da Terra que um objeto feito pelo homem conseguiu alcançar. Agora, começa a exploração da nossa galáxia além da influência solar. Dados da sonda indicavam que o equipamento viajava há um ano em uma área de gás ionizado, uma zona de transição fora da heliosfera, onde alguns efeitos do Sol ainda são captados. "Acreditamos que esse é um salto histórico da humanidade no espaço interestelar", afirma Ed Stone, cientista do projeto Voyager.
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3. A passagem do cometa Ison
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3/10 (NASA/ESA/STScI/AURA)
Entusiastas e astrônomos passaram 2013 de olho no Ison, apelidado de "cometa do século". Descoberto em setembro de 2012 por dois astrônomos russos, o cometa ganhou o apelido após algumas previsões indicarem que ele poderia aparecer tão grande e brilhante ao lado do Sol como a Lua Cheia quando visto da Terra. Antes de se aproximar do Sol, Ison passou muito perto da Terra. Em 28 de novembro, atingiu o periélio, o ponto de sua trajetória mais próximo do Sol. A distância foi de apenas 1,2 milhão de quilômetros e o cometa passou por uma temperatura de quase 3 mil graus centígrados. Cometas são corpos rochosos de pó e gelo. Alguns deles, como Ison, surgem do exterior do Sistema Solar, a partir de uma zona chamada de Nuvem de Oort. Ison tinha um diâmetro de cinco quilômetros, sendo composto principalmente de gelo, gases congelados e poeira. Segundo cientistas da Nasa, o cometa de 4,5 bilhões de anos não sobreviveu à passagem pelo Sol. O que restou do “cometa do século” foi apenas uma nuvem de detritos, mas sem núcleo.
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4. Brasil no Cern
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4/10 (Getty Images)
Após um longo processo de três anos, o Conselho Executivo do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês), aprovou o tratado de adesão do Brasil ao maior laboratório de física do mundo. A iniciativa custará cerca de 10 milhões de dólares por ano ao país, mas permitirá que o Brasil faça licitações milionárias e formação de centenas de cientistas. Com o acordo, empresas nacionais poderão participar de processos de licitação de peças e serviços que prometem movimentar milhões de dólares. O Brasil demorou muito para entregar a documentação exigida pelo Cern, o que envolvia um inventário da ciência no país e toda a capacidade de pesquisa existente. Agora, o Conselho do Cern considerou que a documentação “atende aos critérios” para a adesão como membro associado. A adesão foi aprovada como parte de um projeto de expansão do Cern para abrir suas portas aos países emergentes. Resta, agora, a finalização e assinatura do acordo, que deve acontecer em 2014.
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5. Queda de meteorito na Rússia
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5/10 (Getty Images)
Em fevereiro, um meteorito chocou o mundo ao atingir a cidade de Tcheliabinsk, na Rússia. O corpo celeste atravessou o céu e lançou bolas de fogo em direção à Terra, deixando um longo rastro branco em seu caminho, que podia ser visto a até 200 quilômetros de distância. Como consequência, alarmes de carros soaram, janelas quebraram e telefones celulares tiveram o funcionamento afetado pelo incidente. Cerca de mil pessoas ficaram feridas durante o evento. A explosão do meteorito ao entrar na atmosfera teve a força de 500 mil toneladas de TNT (trinitrotolueno), atrás apenas do objeto que caiu em Tunguska, na Sibéria, em 1908. Os cálculos das propriedades do meteorito e de sua rota apontam que o objeto estava a 19 km por segundo quando alcançou a atmosfera terrestre. Quando chegou à altitude de 45 a 30 quilômetros, explodiu a 27 km do solo, emitindo gás e poeira.
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6. Cura funcional de bebê com HIV
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6/10 (Getty Images)
Médicos americanos anunciaram em março o primeiro caso de cura funcional de uma criança de dois anos contaminada com o vírus HIV. A mãe soropositiva transmitiu a doença para a criança. De acordo com os especialistas, trata-se de eliminação viral. A criança ficou em tratamento por um ano e meio. Foi medicada com antirretrovirais e não apresenta mais sinais do vírus no organismo. Para os pesquisadores, o tratamento precoce explica a cura funcional, bloqueando a formação de “estoques virais escondidos”. O caso foi apresentado durante a 20ª Conferência Anual sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (Croi), em Atlanta, na Geórgia.
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7. Vacina controla a Aids
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7/10 (sxc.hu)
A cura funcional não foi a única novidade sobre HIV de 2013. Cientistas criaram uma vacina capaz de controlar as respostas imunológicas contra o Vírus de Imunodeficiência Símia (SIV), equivalente ao vírus HIV causador da Aids. A pesquisa liderada pelo cientista Louis Picker, da Universidade de Saúde e Ciências de Oregon (EUA), levou 12 anos. Os avanços são importantes na busca de uma vacina contra o vírus de imunodeficiência em humanos (HIV). A equipe de Oregon se baseou em um citomegalovírus que afeta os macacos Rhesus, após demonstrar que este vírus apresenta uma margem de vulnerabilidade durante seus períodos mais adiantados de infecção. De acordo com o estudo, 50% dos macacos vacinados manifestaram respostas imunológicas estáveis e controladas de um a três anos.
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8. Google quer enfrentar a morte
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8/10 (Getty Images)
O cofundador e CEO do Google, Larry Page, anunciou em setembro sua missão mais ambiciosa: a empresa Calico. Em comunicado, o Google informou que a nova empresa será focada em solucionar o “desafio do envelhecimento e doenças associadas". "As doenças e o envelhecimento afetam todas as nossas famílias. Com algum pensamento de mais longo prazo e inovador no cuidado com a saúde e a biotecnologia, acredito que podemos melhorar a vida de milhões de pessoas", afirmou Page. A revista Time divulgou uma entrevista exclusiva com Page. “Devemos focar nas coisas realmente importantes”, afirmou durante a entrevista. “Uma das coisas que acharia incrível seria encontrar a cura para o câncer, que poderia acrescentar até três anos à expectativa de vida de alguém”, disse.
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9. Anticoncepcional para homens
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9/10 (Getty Images)
Vários cientistas estão envolvidos com a criação de um anticoncepcional masculino. Tentativas anteriores geraram preocupações em relação a problemas de infertilidade porque estavam focadas em anular as funções do espermatozoide. Agora, cientistas australianos criaram uma pílula que bloqueia o transporte de espermatozoides, mas não afeta seu desenvolvimento. A equipe de pesquisadores da Universidade de Melbourne fez uma pílula que bloqueia duas proteínas essenciais para permitir que o espermatozoide se desloque através dos órgãos reprodutores masculinos. O chefe da pesquisa, Sab Ventura, afirmou que espera comercializar a pílula diária para homens em cerca de dez anos. Se após tomar os anticoncepcionais um homem quiser ter filhos, terá apenas que parar a ingestão.
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10. Veja agora as 10 descobertas científicas mais bizarras de 2013
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10/10 (Lex van Lieshout/AFP)