Tecnologia

Pesquisa em eletrocerâmica é capaz de revolucionar dia-a-dia

Conferência internacional reúne em João Pessoa, na Paraíba, alguns dos pesquisadores mais destacados do setor

Gadgets: “a memória será o fator central. Conectada a diferentes circuitos, uma única memória poderá realizar múltiplas funções. E essa memória será composta de material eletrocerâmico” (Getty Images)

Gadgets: “a memória será o fator central. Conectada a diferentes circuitos, uma única memória poderá realizar múltiplas funções. E essa memória será composta de material eletrocerâmico” (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 14 de novembro de 2013 às 11h31.

João Pessoa – Uma perspectiva para o futuro – e um futuro relativamente próximo – é que, com um único dispositivo, como o telefone celular, por exemplo, possamos controlar as múltiplas funções do dia a dia: acender e apagar as luzes, ligar e desligar televisores, pagar compras no supermercado, passar na catraca do metrô etc.

O cenário, que pouco tem de ficção e muito de ciência, foi esboçado informalmente pelo físico José Arana Varela, professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e diretor-presidente da FAPESP, durante um dos intervalos da 6th International Conference on Electroceramics (6ª Conferência Internacional em Eletrocerâmica), realizada de 9 a 13 de novembro em João Pessoa, na Paraíba. “A memória será o fator central. Conectada a diferentes circuitos, uma única memória poderá realizar múltiplas funções. E essa memória será composta de material eletrocerâmico”, disse Varela.

As apresentações feitas durante o evento autorizam o prognóstico, pois mostram que as pesquisas estão bastante avançadas na área. A International Conference on Electroceramics foi criada pelo professor Harry Tuller, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, em 2003. A primeira reunião foi no próprio MIT e, a partir de então, passou a ocorrer todos os anos ímpares. Depois dos Estados Unidos, já foi realizada na Coreia do Sul, na Tanzânia, na Índia, na Austrália e, agora, no Brasil.

A instituição promotora do encontro de João Pessoa foi a Sociedade Brasileira de Pesquisa de Materiais, com o apoio da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A coordenação do evento ficou a cargo de Reginaldo Muccillo, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de José Arana Varela e de Jose Antonio Eiras, professor associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“Trouxemos a João Pessoa cerca de 60 pesquisadores de altíssimo nível dos Estados Unidos, da Europa, da China, do Canadá, da Austrália, da Índia e de outras procedências, criando uma ótima oportunidade de interação para os pesquisadores e estudantes brasileiros”, afirmou Muccillo.


Além de Harry Tuller, outros destaques do evento foram as presenças de Sossina Haile, do California Institute of Technology (Caltech), dos Estados Unidos; Ramamoorthy Ramesh, da University of California-Berkeley, também dos EUA; Augusti Sin Xicola, da Pirelli&C Eco Technology, da Itália; e Enrico Traversa, da King Abdullah University of Science and Technology, da Arábia Saudita.

Os temas tratados são novos e o próprio conceito de eletrocerâmica é algo muito recente. “As cerâmicas vêm sendo utilizadas pela humanidade há milhares de anos. São materiais extremamente estáveis e resistentes ao calor e há muitas funções que são capazes de cumprir por causa de suas características químicas, mecânicas e térmicas”, afirmou Tuller à Agência FAPESP. “Mas, até os últimos 50 anos, ninguém se importava com suas características elétricas. Esse interesse foi despertado pelo desenvolvimento das indústrias eletrônica e microeletrônica.”

“As pessoas envolvidas nessas indústrias perceberam que necessitavam de certas características que não podiam ser atendidas pelas cerâmicas convencionais. Foi a partir daí que ocorreu o desenvolvimento das eletrocerâmicas – não apenas para a fabricação de equipamentos eletrônicos standards, mas também, e cada vez mais, para cumprir muitas outras funções”, acrescentou o pesquisador do MIT.

“A peculiaridade das eletrocerâmicas é que elas respondem, de alguma maneira, à presença de um campo eletromagnético, apresentando variações na resistividade elétrica, na permeabilidade magnética ou em outros parâmetros elétricos ou magnéticos”, explicou Muccillo.


Essa classificação engloba principalmente óxidos semicondutores de elementos metálicos, como o zircônio, o estanho, o cério e outros. “Por suas características, eles podem ser utilizados como sensores (pois, dependendo das variações de concentração de um determinado gás na superfície do óxido, este tem sua resistividade elétrica proporcionalmente modificada, de modo que, pelo valor da resistividade, se torna possível determinar a concentração do gás, mesmo quando extremamente pequena), na produção alternativa de energia (em células fotovoltaicas, que convertem a luz em eletricidade, ou em células a combustível), na fabricação de memórias ferroelétricas (já utilizadas, atualmente, em smartcards)”, prosseguiu o pesquisador do Ipen.

“A evolução no setor tem sido aceleradíssima. A eletrocerâmica que conhecemos hoje é muito diferente daquela de 10 anos atrás, quando foi realizada a primeira International Conference on Electroceramics. Falamos agora em tecnologias embarcadas – embarcadas em cima do chip de silício, agregando-lhe novas funcionalidades”, comentou Varela.

Miniaturização

Na apresentação que fez na abertura da Conferência, Tuller destacou duas tendências, aparentemente opostas, mas de fato complementares: a que chamou de “race to the bottom” (corrida para o fundo), com a confecção de dispositivos cada vez menores, já na ordem de grandeza de alguns nanômetros; e a que chamou de “race to the top”, com a produção de displays cada vez maiores, como as telas de cristal líquido dos computadores, televisores e placares luminosos atuais.


“A grande revolução ocorrida nos anos recentes e que deve se intensificar nos próximos anos é que os sensores, antes grandes e pesados, foram – e continuam sendo – cada vez mais miniaturizados e integrados em um único chip, com múltiplas funções. A demanda é por dispositivos menores, capazes de integrar mais e mais funções, que sejam acessíveis e baratos. Simultaneamente, buscamos displays ou painéis para captação de energia solar cada vez maiores”, disse Tuller.

Conforme o pesquisador, o processo de miniaturização é tão intenso que a densidade (quantidade de massa por unidade de volume) dos equipamentos dobra a cada 18 meses. Enquanto isso, a tecnologia LCD (liquid crystal display ou display de cristal líquido) movimentou uma economia de US$ 110 bilhões em 2012.

Já estamos, no entanto, perto de um limite tanto em um sentido quanto no outro. “O processo de miniaturização não pode ser extrapolado indefinidamente. É preciso evoluir para novos conceitos. E há hoje vários estudos nesse sentido. Ao mesmo tempo, apesar do incrível sucesso da tecnologia LCD, existe a necessidade e a possibilidade de um desenvolvimento ainda maior, talvez de outra magnitude, com o emprego de eletrocerâmicas em lugar de cristal líquido”, afirmou Tuller.

Uma propriedade das eletrocerâmicas que recebe especial atenção, segundo Varela, é a chamada “memória resistiva” – isto é, o fato de que a resistência elétrica do material, que varia de acordo com a tensão aplicada, não volta ao mesmo valor inicial quando a tensão é retirada. Esse duplo valor da resistência – antes e depois de aplicada a tensão – cria um binário. E, como se sabe, binários são suportes para o armazenamento de dados.


“A memória resistiva faz dos óxidos semicondutores fortes candidatos para a confecção de dispositivos nanoestruturados, com alta densidade de armazenamento de informações, capazes de integrar toda a microeletrônica. Essa é a memória que está sendo estudada no momento e poderá causar uma nova revolução na microeletrônica. Essa memória, suficientemente grande e estável, poderá integrar, sozinha, as funções de um número enorme de circuitos”, disse o professor da Unesp.

“O entendimento dessas memórias resistivas traz um grande desafio para os físicos. Precisamos entender a física quântica desses sistemas cujas dimensões já estão bem próximas da escala atômica. Sabemos que existe o fenômeno, mas, sem entendê-lo em profundidade, será impossível conseguir a reprodutibilidade, que é o que a indústria pede. Precisamos ser capazes de produzir milhões de peças, todas com variações muito pequenas nas propriedades”, afirmou.

Mais informações sobre a conferência aqui.

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