Olivia Rodrigo: cantora teen foi citada por usuários como uma "industry plant" da Disney (Leon Bennett/Getty Images)
Laura Pancini
Publicado em 3 de abril de 2022 às 10h00.
Por ser uma plataforma de vídeos curtos, o TikTok é ideal para artistas, iniciantes ou em ascensão, que querem divulgar sua música para um público maior. A rede social não só tem 1 bilhão de usuários ativos mensais como também conta com um algoritmo que parece sempre saber exatamente o que a pessoa quer consumir – ou seja, se você é um usuário que curte vídeos de cantores pop, o TikTok vai te recomendar mais e mais artistas deste gênero, e assim em diante.
Mas não são só os músicos sozinhos com uma câmera em seu quarto que entendem o potencial do TikTok. As gravadoras utilizam da rede social como uma espécie de laboratório musical, “plantando” um artista previamente assinado, mas ainda não conhecido, para postar vídeos no TikTok e parecer que ganhou seu público de forma orgânica.
Estes são os “industry plants” (literalmente “plantas da indústria”, em tradução livre do português), artistas que de primeira podem parecer tão normais quanto qualquer usuário do TikTok mas que, nos bastidores, têm uma grande empresa puxando as cordas para garantir seguidores, publicidade e fama.
O termo existe há anos, mas viralizou no TikTok (a hashtag #industryplant acumula mais de 38 milhões de visualizações), especialmente após o caso das Tramp Stamps em abril de 2021.
A banda viralizou na plataforma cantando uma música pop punk sobre como “preferiam morrer” do que beijar um “homem cis hétero e branco”, o que não foi levado tão a sério pelos usuários que acharam a letra performática demais – e que conseguiam ver pelo vídeo que todas as cantoras eram brancas.
Não demorou para que as pessoas pesquisassem sobre o passado da Tramp Stamps e publicassem seus próprios vídeos no TikTok sobre (hoje, a hashtag #trampstamps conta com mais de 36 milhões de visualizações, a maioria de vídeos expondo a banda).
Foi descoberto que cada membro do grupo tinha uma carreira prévia na música, seja como liricista ou cantora, ainda em novembro de 2020. Além disso, todas elas pintaram o cabelo, cada uma de uma cor, como se estivessem aderindo a persona punk e combinando o visual com o estilo de música que iriam cantar.
As fotos antigas do Instagram mostravam a mudança repentina de visual, só aumentando as suspeitas sobre a banda ter sido montada por uma gravadora, que já poderia conhecer elas previamente pelo trabalho na indústria fonográfica.
A teoria do TikTok não pode ser definitivamente confirmada, mas, até os dias de hoje, a Tramp Stamps continua publicando vídeos. Já os usuários continuam deixando comentários, sempre lembrando a todos que elas seriam plantas da indústria.
Pode-se dizer que elas não tiveram o mesmo sucesso que a jovem Taylor Gayle que, em julho de 2021, postou um vídeo seu cantando em resposta a uma sugestão nos comentários: “Você pode escrever uma música de término usando as letras do alfabeto?”, sugeriu a conta @nancy_berman. Gayle, que também é seu nome artístico, viralizou com sua reply cantando o que seria a música abcde f u (um trocadilho com “fuck you”, em inglês).
O sucesso foi tanto que mais de seis versões da música já foram lançadas, acumulando 60 milhões de streams no Spotify. Porém, não demorou para que o suposto hit orgânico fosse desvendado: uma usuária do TikTok viu que quem tinha feito o comentário era, na verdade, uma gerente de marketing digital da Atlantic Records, e o vídeo viral foi feito quase um ano depois de a cantora ser contratada pela gravadora.
Talvez por conta de histórias como a de Gayle, é comum ver a expressão “industry plants” nos comentários do TikTok. O público não quer se sentir enganado, um sentimento compreensível, mas às vezes acaba acusando qualquer artista que aparece na página “Para Você”, o feed dos usuários do app, de ser “plantado”.
Se o sucesso repentino dele ultrapassa a plataforma e a música começa a aparecer na TV ou rádio, por exemplo, as suspeitas aumentam ainda mais.
A banda indie Wet Leg viralizou com a música “Chaise Longue” na plataforma e logo passou a aparecer em serviços como a Vevo no YouTube, ou a rádio britânica BBC 1. Em um vídeo com um trecho das performances, um usuário comentou: “Se vocês vão ser uma planta da indústria tão óbvia, pelo menos sejam bons nisso”.
Não há como saber definitivamente se a Wet Leg é uma planta da indústria ou não – eles apareceram nas redes sociais repentinamente por volta de junho de 2021, e o conteúdo altamente produzido gera dúvidas –, mas o comentário mostra a total desconfiança dos usuários do TikTok para qualquer artista em ascensão.
“Vocês chamam eles de plantas da indústria, mas não a Olivia Rodrigo, que tem duas músicas que não saem da rádio nunca?”, perguntou um usuário de volta. A cantora pop tem contrato assinado com a Disney há anos, tendo estrelado na série spin-off de High School Musical.
A diferença é que já estamos acostumados com as plantas da Disney: como a companhia tem tradição em lançar um sucesso teen de tempos em tempos, vide os casos de Selena Gomez e Demi Lovato, o público não estranha ao ver um nome novo que já estreou com disco, videoclipes bem produzidos e shows ao vivo com grande produção.
Apesar das mil e uma histórias, nem tudo no TikTok é fabricado. Sucessos brasileiros como Marina Sena com “Por Supuesto”, e a parceria entre o rapper FBC e o beatmaker Vhoor com “Se Tá Solteira”, mostram que o algoritmo funciona a favor dos que tentam – ou não – trabalhar com ele.
Sena, por exemplo, não fez nada para que sua música virasse um hit do app. “Do nada alguém fez um vídeo com ela, e aí todo mundo começou a fazer. Eu não tinha feito o movimento, sabe? Foi realmente muito espontâneo”, disse a cantora em entrevista à EXAME no final do ano passado.
Já FBC, ou Fabrício Soares, entrou no estúdio sabendo exatamente o que queria: um hit do TikTok. Chamou a atriz Maísa, dançarinas de twerk e outras pessoas para bater a mão na câmera quatro vezes ao som das batidas da música e, ao final, aparece posando enquanto o rapper canta “se tá solteira, vamo ficar de casal”. Simples, mas eficaz. “Hoje não há como lançar um trabalho sem ter um trechozinho de 1 minuto que alguém vai bater a mão na cabeça e fazer uma dancinha”, disse à EXAME.