Tecnologia

O Google, o governo e o futuro

Farhad Manjoo © 2017 New York Times News Service Uma crítica comum ao Vale do Silício é o fato de não se dedicar mais a grandes ideias capazes de mudar o mundo. Todos os meses uma startup idiota vira manchete – a mais recente foi a que vendia uma máquina de fazer suco de 700 […]

GOOGLE: a ideia de que o Vale do Silício não financia mais grandes ideias não apenas está errada, como também é míope e perigosa / Doug Chayka/The New York Times (Doug Chayka/The New York Times/Reprodução)

GOOGLE: a ideia de que o Vale do Silício não financia mais grandes ideias não apenas está errada, como também é míope e perigosa / Doug Chayka/The New York Times (Doug Chayka/The New York Times/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2017 às 13h08.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.

Farhad Manjoo
© 2017 New York Times News Service

Uma crítica comum ao Vale do Silício é o fato de não se dedicar mais a grandes ideias capazes de mudar o mundo. Todos os meses uma startup idiota vira manchete – a mais recente foi a que vendia uma máquina de fazer suco de 700 dólares – e, assim, o pessoal que não faz parte do setor já começa a dizer: “Eu avisei”.

Mas não se deixe enganar pelo suco caro. A ideia de que o Vale do Silício não financia mais grandes ideias não apenas está errada, como também é míope e perigosa. É só olhar para os carros, foguetes, balões e planadores com sinal de internet, drones, aparelhos de realidade virtual e realidade aumentada, além das muitas formas de inteligência artificial. Empresas de tecnologia não financiam apenas coisas grandes – elas financiam as coisas com maior potencial de transformação do mundo. E gastam em ideias que daqui a muitos anos vamos afirmar que mudaram a vida no planeta.

Ao mesmo tempo, o apetite do governo dos Estados Unidos por financiar grandes ideias – da pesquisa científica a tecnologias avançadas e programas de infraestrutura – não para de diminuir, e pode cair ainda mais durante o governo Trump.

Isso gera uma complicação: são as gigantes de tecnologia, e não o governo, que estão pavimentando o caminho de um futuro marcado pela inteligência artificial. A menos que o governo aumente muito os gastos em pesquisa nesse tipo de tecnologia, são as grandes corporações que irão decidir como utilizá-las.

Um bom exemplo é o Google. Este mês, a empresa de buscas na internet deu início à conferência anual de desenvolvedores de software em sua sede em Mountain View, Califórnia. Ela mostrou inúmeros avanços no assistente ativado por voz e em seu sistema operacional para aparelhos móveis. Entre outras coisas, agora é possível apontar o telefone para um objeto no mundo real – uma flor, uma placa em outro idioma, um cartaz de show de rock – e o aparelho dará mais informações sobre o objeto observado (por exemplo, um botão que permite a compra de ingressos para o show). Algumas coisas eram legais, mas havia muito pouco de realmente inovador, o que não chega a ser surpreendente: o setor de alta tecnologia está passando por uma fase desconfortável, marcada por melhorias imperceptíveis em tecnologias pouco interessantes – além de muitas promessas empolgantes a respeito de tecnologias distantes da realidade e sem previsão de lançamento.

Os avanços reais feitos pelo Google fazem parte da segunda categoria. No evento do ano passado, Sundar Pichai, o executivo-chefe, deu início ao que chamou de uma nova era para o Google. A partir daquele momento, a empresa passaria a se dedicar ao desenvolvimento de inteligências artificiais, o que significa que, por trás de quase todos os seus avanços, estariam técnicas de inteligência artificial.

A tecnologia teria um papel nos produtos para o consumidor, como o tradutor instantâneo, ou o aplicativo de fotos do Google, que é capaz de reconhecer termos de busca exclusivamente humanos (o aplicativo é capaz de procurar fotos como “abraços”, por exemplo). Contudo, a inteligência artificial também está por trás dos planos mais ambiciosos do Google. A empresa a está utilizando para ensinar os computadores a compreender idiomas, ver e ouvir, além de diagnosticar doenças e até mesmo criar arte.

Muitos desses planos irão falhar, mas o Google não está fazendo essas grandes apostas no longo prazo por puro altruísmo. A empresa compreende que os projetos baseados em inteligência artificial que derem certo possuem um grande potencial de transformação: irão alterar os setores existentes, além de criar áreas completamente novas, incluindo uma série de negócios lucrativos para o Google.

O Google não está sozinho na tentativa de criar um futuro com inteligências artificiais. Sua empresa controladora, a Alphabet, gasta bilhões de dólares para incluir a IA em boa parte da economia global, de carros autônomos ao setor de saúde.

Além disso, há também os outros integrantes das Cinco Temíveis – Amazon, Apple, Facebook e Microsoft – que também estão investindo pesado no futuro inteligente. Ao todo, as cinco empresas estão entre as maiores investidoras em pesquisa e desenvolvimento do planeta. De acordo com seus relatórios contábeis, vão gastar mais de 60 bilhões de dólares este ano em pesquisa e desenvolvimento. Em comparação, o governo federal dos EUA gastou 67 bilhões de dólares em pesquisas científicas não relacionadas às forças armadas em 2015.

Existem duas formas de reagir aos grandes investimentos do setor de tecnologia em um futuro inteligente. A primeira é receber as notícias com otimismo e até um pouco de gratidão. As tecnologias nas quais o Google e outras gigantes de tecnologia estão trabalhando terão um impacto enorme na sociedade. Os carros autônomos podem salvar dezenas de milhares de vidas todos os anos, por exemplo, enquanto que métodos computadorizados de diagnóstico e tratamento de doenças podem melhorar nossa saúde e até cortar os custos do tratamento.

Além disso, os especialistas no setor afirmam que muitas das empresas de tecnologia estão abordando a inteligência artificial a partir de um ethos acadêmico. Por exemplo, as empresas frequentemente publicam artigos a respeito de suas descobertas e – por meio de servidores na nuvem – permitem que outras empresas acessem suas tecnologias mais recentes.

Entretanto, os enormes investimentos das empresas em inteligência artificial também podem ser causa de alarme, já que não há qualquer controle ou contrapartida do governo.

Nos últimos dias do governo Obama, a Casa Branca publicou um relatório examinando as maneiras que a inteligência artificial pode mudar o mundo. O relatório revelou que o governo federal gastou apenas 1,1 bilhão  de dólares em pesquisas não secretas sobre inteligência artificial em 2015. Além disso, o texto argumentava em favor de um aumento drástico nos gastos públicos com IA. Segundo o relatório, quanto maior o investimento governamental, mais os pesquisadores poderiam se concentrar em pesquisa básica – áreas menos óbvias e menos imediatamente aplicáveis da inteligência artificial – e, por meio da concessão de bolsas, o governo teria maior controle sobre o desenvolvimento das tecnologias.

Greg Brockman, fundador e CTO da OpenAI, empresa de pesquisa em inteligência artificial, concorda com essa ideia.

“Criamos a OpenAI em parte porque o setor está investindo tanto dinheiro em pesquisas sobre inteligência artificial, que entidades privadas e com fins lucrativos irão criar os primeiros sistemas de IA realmente poderosos, e essas entidades não contam com o mecanismo automático necessário para garantir que todas as pessoas se beneficiem com os avanços”, afirmou Brockman por e-mail.

Ele também destacou que uma das razões para que a internet tenha sido tão bem sucedida é o fato de que foi criada com dinheiro do governo e disponibilizada para todo mundo. Se tivesse sido criada por uma única empresa, poderia ter acabado como a rede de telefonia: útil para determinadas tarefas, embora não seja uma fonte tão relevante de oportunidades econômicas.

“Da mesma maneira, à medida que poderosos sistemas de inteligência artificial começarem a aparecer na internet, a intenção e as motivações de seus criadores serão um fator fundamental para determinar seu impacto. Caso o desenvolvimento de IA seja feito inteiramente por empresas com fins lucrativos, esses sistemas provavelmente serão disponibilizados com o objetivo de beneficiar uma única empresa ou grupo de pessoas”, afirmou Brockman.

O mais interessante é que muitas pessoas no setor de tecnologia concordam com a necessidade de mais financiamento do governo. A OpenAI foi criada por Elon Musk e outras referências na inteligência artificial, tendo sido financiada pela Microsoft, Amazon e Y Combinator, a incubadora de startups.

O Google também acredita que o financiamento federal é importante para a pesquisa em tecnologia. Em maio deste ano, Eric Schmidt, diretor executivo da Alphabet, foi um dos autores de um artigo de opinião no Washington Post argumentando que o financiamento federal para ciências e tecnologia havia criado uma “máquina de milagres”: uma parceira público-privada que produziu dezenas de novos setores ao longo dos anos.

“Se não mudarmos de direção e investirmos mais em pesquisa científica, corremos o risco de perder uma das maiores vantagens dos EUA”, escreveu. Em outras palavras, as gigantes de tecnologia que estão construindo o futuro gostariam de ajuda para mudar o mundo. Os americanos seriam espertos se apostassem suas fichas nisso.

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