Tecnologia: o Girls4Tech é apenas uma das iniciativas globais que tentam equilibrar a proporção de homens e mulheres na tecnologia (Thinkstock)
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de novembro de 2016 às 17h03.
Última atualização em 10 de novembro de 2016 às 17h29.
Uma turma de meninas corre de um lado para outro numa sala, carregando bolinhas coloridas, em meio a risadas e gritos empolgados. Poderia ser uma gincana em uma escola, mas elas estavam dentro do Cubo, espaço para startups e empreendedores na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo.
Com idade entre 9 e 13 anos, 45 estudantes de escolas públicas da cidade se divertiam aprendendo conceitos como convergência digital, algoritmos e criptografia.
Elas formaram a primeira turma no País do Girls4Tech, programa criado pela Mastercard para estimular interesse de meninas em carreiras no setor.
"Muitas pessoas duvidam da nossa capacidade em tecnologia, tentam nos jogar para baixo", diz a estudante Alice Carneiro, 12 anos, que quer ser engenheira mecânica no futuro. "Mas meus pais me dizem para continuar em frente para ter um futuro melhor."
Perto dali, outro grupo de garotas está concentrado em decifrar uma mensagem. Quando terminam, elas leem "Sou uma decifradora de código" no papel.
Os olhos brilham ao descobrir um talento que elas não desconfiavam ter. "Percebi que sou boa nisso", diz Rayssa Gomes, 11 anos.
O Girls4Tech é apenas uma das iniciativas globais que tentam equilibrar a proporção de homens e mulheres na tecnologia.
Atualmente, de acordo com dados da Sociedade Brasileira da Computação (SBC), apenas cerca de 15% dos alunos matriculados em cursos, como ciências da computação e engenharia da computação, no Brasil, são mulheres.
A proporção é parecida nas principais universidades de São Paulo: na Universidade Estadual Paulista (Unesp), mulheres são 19% dos matriculados; na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 12,6%; e no curso de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da USP, elas são 8%.
A preocupação é global: estudo da consultoria Accenture provocou alarde nos EUA ao mostrar que a proporção de mulheres em postos de trabalho de tecnologia pode cair de 24% para 22% em 2025 se nada for feito para encorajar as meninas de hoje a seguirem carreiras nessa área.
Brinquedo de menino?
A razão para as mulheres escolherem outras carreiras, muitas vezes, começa na infância. "O computador é brinquedo para os meninos desde sempre", diz a programadora Camila Achutti, fundadora da plataforma de ensino de programação MasterTech.
"As meninas precisam ser expostas à tecnologia."Segundo Cristiano Maciel, professor da Universidade Federal do Mato Grosso, muitas vezes as meninas não conhecem modelos de profissionais com trajetórias interessantes para se inspirar.
Ele é um dos responsáveis pelo Meninas Digitais, programa da SBC que, entre outras ações, apresenta os diferentes cursos da área de tecnologia e traz profissionais do setor para conversar com as garotas.
"Às vezes, as meninas fogem da tecnologia porque têm medo de matemática, mas há cursos como Sistemas de Informação, com currículos mais flexíveis", explica.
O Meninas Digitais está presente em escolas de ensino fundamental e médio, e tem hoje 30 frentes de trabalho em todo o País, incluindo o Cunhantã Digital (no Amazonas) e o Gurias na Computação (no Rio Grande do Sul).
"Depois das oficinas, as meninas sabem que têm uma opção na computação", diz o professor.Para ele, no entanto, há outro problema a ser resolvido: o ambiente dos cursos de tecnologia e, mais tarde, no departamento de tecnologia das empresas.
"É preciso criar um ambiente confortável para elas". Foi o que sentiu Camila Achutti, ao entrar no curso de Ciências da Computação da USP.
Filha de um programador, Camila foi a única mulher de sua turma. Superado o medo inicial, ela criou o blog Mulheres na Computação e, desde então, divulga a atuação das mulheres nessa área, uma forma de inspirar meninas.
"Choro toda vez que elas me chamam para a formatura", diz Camila.Para Karin Breitman, diretora do centro de pesquisa da empresa de serviços de TI Dell EMC no Brasil, é preciso deixar de lado o estereótipo do nerd, que favorece os meninos.
"A gente precisa explicar para as meninas que elas podem ser cientistas de dados mesmo se não gostarem de heróis da Marvel ou de jogar World of Warcraft."
A existência de exemplos como Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, Marissa Mayer, presidente do Yahoo, e Meg Whitman, presidente da HP Enterprise, mostra que a situação melhorou.
Mas é provável que o setor sofra com a falta de mulheres em cargos de liderança em alguns anos. "Essa geração de executivas será seguida por um elo fraco, de meninas de 25 a 35 anos que pegaram o pior da história. Devemos cuidar delas para que continuem crescendo."
Algumas iniciativas em curso no Brasil buscam ajudar essa geração de mulheres. O coletivo Maria Lab, criado em 2012, está entre um dos mais ativos no País e, só neste ano, já promoveu mais de 10 cursos para mulheres, sempre gratuitos.
Os temas abordados vão da criação de um site até a criptografia de e-mails. "Conseguimos criar um espaço para as mulheres aprofundarem seus conhecimentos e pedirem ajuda", diz Carine Roos, cofundadora do Maria Lab.
"Temos um grupo diverso com mais de 200 garotas."