Gollum, do filme "O Senhor dos Anéis": Sméagol é a terceira espécie do gênero Iandumoema a ser descrita (Divulgação/Pixar)
Da Redação
Publicado em 24 de novembro de 2015 às 11h01.
Última atualização em 8 de fevereiro de 2019 às 16h41.
Ao escolher um dos personagens mais importantes da série "O Senhor dos Anéis" para denominar uma nova espécie cega de opilião, um grupo de pesquisadores do Brasil conseguiu alavancar internacionalmente a divulgação de seu trabalho.
O artigo científico que descreve o obscuro artrópode foi publicado no dia 18 de novembro na revista Zookeys. Imediatamente virou notícia na imprensa internacional, saindo no Washington Post, USA Today, Time, National Geographic, New Scientist e em outros veículos.
São conhecidas cerca de mil espécies de opilião no Brasil e mais de 6 mil em todo o mundo. Uma dezena vive em ambientes subterrâneos.
Sméagol é a terceira espécie do gênero Iandumoema a ser descrita e a primeira desse gênero sem olhos.
As outras, também brasileiras e exclusivamente subterrâneas, são a I. uai Pinto-da-Rocha 1996 e a I. setimapocu Hara & Pinto-da-Rocha 2008, que ocorrem no estado de Minas Gerais.
O nome Iandumoema smeagol presta uma homenagem ao hobbit que achou o precioso e poderoso anel e foi por ele enfeitiçado, passando a viver nos mais recônditos espaços de uma caverna perdida.
Foi lá, longe da luz e do mundo exterior, que ao longo de 500 anos Sméagol perdeu suas feições, deformou-se, desenvolveu grandes olhos para enxergar no escuro e passou a se chamar Gollum.
Diferentemente do personagem, o opilião Sméagol não tem olhos, mas é cavernícola, habitando ambientes escuros.
“Eu adoro O Senhor dos Anéis. Li o romance antes de assistir aos filmes. Sempre quis batizar um animal com o nome de um personagem”, disse Maria Elina Bichuette, professora do Laboratório de Estudos Subterrâneos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Foi sua equipe que descobriu Sméagol no fundo da Toca do Geraldo, uma caverna no centro-norte de Minas Gerais.
“Ele é muito modificado e especializado. Quando decidimos descrevê-lo, perguntei ao Ricardo o que achava de chamá-lo de Sméagol e ele aceitou na hora”, disse.
Ricardo Pinto-da-Rocha é professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), especialista em opiliões, tendo descrito mais de 120 espécies.
“Opiliões são artrópodes da classe dos aracnídeos. Eles são parentes das aranhas, mas não são aranhas, é importante destacar, pois se trata de uma confusão muito comum”, disse o pesquisador, que destacou, no artigo agora publicado, o apoio recebido da FAPESP, em Projeto Temático no âmbito dos programas BIOTA-FAPESP e Dimensions of Biodiversity-National Science Foundation que pesquisa a biodiversidade da Floresta Atlântica brasileira.
“Entre outras coisas, as aranhas têm um abdome separado do resto do corpo. No caso dos opiliões, o abdome é fundido”, disse Pinto-da-Rocha.
Toca do Geraldo
A espécie descrita tem como principais características não ter olhos, não ter pigmentação e, de seus quatro pares de pernas, ter o segundo par muito alongado – mede 2,5 centímetros, enquanto que o corpo tem apenas 0,5 centímetro.
“O segundo par não serve de locomoção. É usado como apêndice sensorial pelo opilião e serve para tatear o ambiente, para se localizar. Seus pêlos sentem o movimento do ar na caverna. São muito importantes para ele”, disse Pinto-da-Rocha.
A história por trás da descoberta do novo Sméagol começou em 2013, quando Bichuette, que estuda cavernas há cerca de 20 anos, iniciou a orientação de mes-trado de Rafael da Fonseca-Ferreira, também autor do artigo publicado na Zookeys.
Durante o projeto, os pesquisadores prospectaram a fauna de algumas grutas em Monjolos, em Minas Gerais, na borda da Serra do Espinhaço.
A região tem clima com estações marcadas (seca e chuvosa) e sua vegetação é de transição entre o Cerrado e a Caatinga.
“Certo dia, vimos um homem capinando e perguntamos se conhecia alguma gruta na região. Ele nos indicou o que chamou de ‘toca’. Demos à caverna o nome de Toca do Geraldo, em homenagem a ele. Fomos os primeiros espeleólogos a ex-plorar a gruta. Sua localização era desconhecida”, disse Bichuette.
A entrada da caverna é uma fenda no chão de uns 12 metros por 80 centímetros. A descida é feita por um longo desnível, que abre para um grande salão de 50 metros de altura e mais de 100 metros de largura, repleto de blocos de rocha caídos e forrado de folhas trazidas pela enxurrada na época das chuvas.
As folhas em decomposição servem de alimento para a fauna da caverna.
No salão ainda existe uma certa claridade exterior. Atravessando, o desnível prossegue até chegar a um rio subterrâneo, completamente imerso na zona escura da caverna. É lá que vive o opilião cego Sméagol.
“A fauna é rica. Encontramos várias aranhas, caramujos, ácaros e colêmbolos, além de vertebrados, como sapos e colônias de morcegos, que depositam guano (fezes), uma fonte de alimento importante na caverna”, disse Bichuette.
Os opiliões são animais solitários e onívoros. “Contamos ao todo 14 indivíduos, sempre isolados uns dos outros. Vi um deles se alimentando dos restos de um animal morto”, disse.
A espécie de opilião cego habita um ambiente muito úmido, nas paredes da gruta e na argila depositada nas margens do rio.
“Como e quando a espécie foi parar dentro da caverna e evoluiu para perder os olhos, ainda não sabemos,” disse Bichuette.
Os parentes mais próximos do gênero do Sméagol são opiliões que vivem fora de cavernas, em florestas úmidas, dentro de cascas de árvores, troncos ocos, bromélias e na camada de folhas no chão da floresta. São animais de hábitos noturnos.
Nenhuma outra espécie de opilião foi achada no entorno da Toca do Geraldo. “É uma região superseca. Não se conhece opilião do lado de fora da caverna”, disse Pinto-da-Rocha.
Uma explicação plausível para a ausência seria que os ancestrais de Sméagol habitaram a região em um passado remoto, quando a umidade era maior.
Quando o clima começou a secar, os opiliões que viviam ao ar livre desapareceram, deixando isolada a população da caverna. “Eles evoluíram faz tempo, quando a região era úmida”, disse o pesquisador.
A mesma espécie de opilião cego foi encontrada, em menor número, em outra gruta da região, a Lapa do Santo Antônio, que fica a 4,6 quilômetros da Toca do Geraldo.
“Isso pode indicar que as duas cavernas têm uma conexão. Já percor-remos cerca de 1,5 km da Toca do Geraldo e observamos que o conduto do rio subterrâneo segue em frente, indicando um hábitat maior para ocorrência da es-pécie”, disse Bichuette.
A pesquisa de campo para estudar os hábitos e as populações do opilião Sméagol continua.
“Estamos monitorando as cavernas onde vive o Sméagol e mapeando outras grutas da região. Estes animais são muito frágeis e raros. Eles precisam ser estudados e seu hábitat preservado, caso contrário, a população correrá sério risco”, disse Bichuette.
A equipe agora prepara a descrição de novas espécies que vivem no ecossistema “perdido” da Toca do Geraldo.
A nova espécie de opilião foi descrita no artigo A new highly specialized cave harvestman from Brazil and the first blind species of the genus: Iandumoema smeagol sp. n. (Arachnida, Opiliones, Gonyleptidae) (doi: 10.3897/zookeys.537.6073), de Ricardo Pinto-da-Rocha, Rafael Fonseca-Ferreira e Maria Elina Bichuette, publicada pela ZooKeys