China: as leis do país contra a discriminação de gênero não são aplicadas com frequência
Da Redação
Publicado em 7 de maio de 2018 às 12h42.
Última atualização em 9 de maio de 2018 às 12h08.
Pequim – O setor tecnologia da China, vibrante, está à procura de pessoas como Shen Yue, cujas qualificações devem incluir ser atraente, saber como encantar os programadores com falta de traquejo social e oferecer massagens relaxantes.
Shen é uma “motivadora de programadores”, como essas moças são conhecidas na China. Parte psicólogas, parte líderes de torcida, são contratadas para conversar e acalmar os profissionais estressados. Esses cargos estão proliferando em uma sociedade que adere aos estereótipos de gênero e acredita que os programadores são “zhai”, ou seja, nerds sem vida social.
“Eles realmente precisam de alguém para conversar de vez em quando e para organizar atividades que aliviem a pressão”, disse Shen, 25 anos, que tem licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade de Pequim.
As chinesas têm feito grandes progressos no local de trabalho. O país tem o maior número de empreendedoras bilionárias do mundo, e muitas startups contam com mulheres em cargos importantes, mas em uma época na qual os Estados Unidos e outros países veem o progresso do movimento #MeToo, as desigualdades e os preconceitos na China raramente são discutidos abertamente e permanecem firmemente arraigados.
As leis do país contra a discriminação de gênero não são aplicadas com frequência. Muitas empresas são diretas em seus anúncios de emprego: “preferência por homens”, “vaga somente para mulheres bonitas”. Com as motivadoras de programadores, tudo é mais explícito, colocando as mulheres em posições subservientes.
Enquanto a indústria da tecnologia chinesa produz empresas que rivalizam com Facebook, Google e Amazon em poder e riqueza, a cultura do trabalho, sob vários aspectos, segue o mesmo ambiente dominado por homens do Vale do Silício.
Na área de tecnologia, os homens são a maioria esmagadora nos cargos superiores. Apenas uma mulher participa do conselho de 11 membros do Alibaba, o gigante do comércio eletrônico. Na Baidu, uma empresa de busca, há somente uma mulher entre os seis membros do conselho. A Tencent, um conglomerado de jogos e redes sociais, não tem uma sequer. Em comparação, o Twitter tem três mulheres no seu quadro de nove pessoas. No Facebook, dois dos nove diretores são mulheres.
Como muitas outras empresas, as do setor tecnológico da China são contundentes em relação ao viés de gênero em seus anúncios de emprego. Baidu, Alibaba e Tencent publicam repetidamente anúncios de recrutamento se vangloriando das “meninas bonitas” que trabalham para eles, de acordo com a Human Rights Watch, organização de direitos humanos baseada em Nova York.
Em janeiro, o Alibaba disse que andava à procura de um gerente de vendas para a Taobao, sua plataforma de comércio eletrônico. As mulheres tinham preferência, desde que tivessem idade entre 28 e 35 anos e “boa imagem pessoal e classe.”
Em novembro, a Baidu anunciou uma vaga no marketing, dando preferência aos homens “por causa de viagens de negócios” e mais outras razões.
As duas empresas já removeram as referências a gêneros específicos nesses anúncios.
O Alibaba disse que tem orientações claras para proporcionar igualdade de oportunidades, independentemente do gênero, e “vai realizar avaliações mais rigorosas dos anúncios para garantir a conformidade com nossa política de recrutamento”. Além disso, afirmou que um terço de seus 18 fundadores é de mulheres e que líderes do sexo feminino compõem um terço dos postos de gerência da companhia.
A Baidu disse que 45 por cento de seus 40 mil funcionários são do sexo feminino, o que é visível em cargos de nível médio e sênior. “Valorizamos o trabalho importante que nossas funcionárias desempenham em toda a organização”, disse a empresa em um comunicado por e-mail, acrescentando que havia removido os anúncios politicamente incorretos.
Em um comunicado, a Tencent disse valorizar origens diversas e pediu desculpas pelos anúncios.
Não se sabe quantas empresas empregam motivadoras de programadores. De acordo com o Baidu Baipin, site de busca de emprego controlado pela Baidu, apenas sete empresas estão atualmente anunciando esses cargos, principalmente em startups menores.
O número costumava ser maior. O Alibaba publicou um anúncio buscando uma motivadora de programadores com “boa aparência inegável” em 2015, mas excluiu o anúncio depois de ser criticada por internautas chineses.
Shen começou a trabalhar na Chainfin.com, empresa de orientação financeira, em outubro. Ela se recusou a revelar seu salário, mas Zhang Jing, funcionária dos recursos humanos que contratou Shen, disse que era de cerca de US$950 por mês.
Originária da província de Heilongjiang, no nordeste do país, ela decidiu ir para Pequim. Tem cabelos longos e negros, pele clara e usa sombra vermelha nos olhos para ir trabalhar, além de sempre ter um sorriso pronto para os colegas. Eles a chamam por seu apelido, Yueyue, que pode ser traduzido por “alegria”.
Na Chainfin.com, ela trabalha principalmente na recepção, na organização de eventos sociais, encomenda lanches para a pausa do chá e conversa com os programadores. Pode chamar um deles para uma sala de conferências e lhe perguntar: “Você precisa fazer hora extra?”, e então dar ouvidos a todas as frustrações do colega.
“Achava que isso era uma novidade, pois nunca havia visto um cargo assim antes”, disse Shen.
Em uma sexta-feira recente, ela se aproximou de Guo Zhenjie, 28 anos, que tem uma cama dobrável ao lado da escrivaninha. Shen perguntou se suas costas ainda doíam por causa das longas horas que passa sentado. Ele disse que sim, porque estava trabalhando até 10 ou 11 da noite nos últimos dias.
“A empresa quer que eu lhe faça uma massagem, embora minha técnica não seja necessariamente boa”, Shen disse a Guo.
Os dois riram.
Shen ficou em pé atrás de Guo, que estava sentado, e começou a massagear seus ombros.
“Realmente é bom”, disse Guo, enquanto Shen batia suavemente em suas costas com um dispositivo de massagem.
Para algumas startups, ter uma motivadora na equipe é uma das muitas vantagens para atrair programadores, um trabalho muito procurado no setor de tecnologia em expansão da China.
Feng Zhiyi, de 31 anos, que trabalha em pesquisa e desenvolvimento na Chainfin.com, disse que ficava com inveja quando via na internet fotos de motivadoras de programadores abanando os funcionários.
“E agora também temos uma”, disse ele.
Zhang, a executiva de recursos humanos que fez parte do painel que contratou Shen, salientou que é importante que a motivadora tenha uma boa aparência. Ela disse que as candidatas precisavam ter “cinco características faciais em ordem” e falar de forma suave.
“A posição dela é na recepção, não é? Pode ser que as pessoas não consigam vê-la ao entrar”, disse Zhang.
Shen disse que não considera seu trabalho sexista.
“Muitas ideias feministas andam muito radicais. Acho que as mulheres devem ser independentes, autoconfiantes e ter autoestima. Isso é suficiente.”
Xu Jiaolong, uma das poucas programadoras da Chainfin.com, que também recebe massagens de Shen, não vê nada de errado nesse trabalho. Ela o entende como uma mera “divisão de trabalho”. Mas, sorrindo, disse que a empresa poderia considerar também a contratação de um homem para motivar as programadoras.