Memes: o dono de uma das páginas de memes brasileiros compara essa forma de piada com a orquestra do Titanic (Twitter/@ibismania/Reprodução)
AFP
Publicado em 16 de junho de 2017 às 11h39.
O treinador da seleção brasileira, Tite, proclamado presidente da República ou turistas tirando fotos ao lado de Temer como uma Torre de Pisa prestes a cair: os dois finais fictícios para a crise política brasileira se espalharam rapidamente pelos celulares em um país que usa os memes para rir de se próprio caos.
Sandro Sanfelice diz que os criadores desta forma de piada são como a orquestra do Titanic: diante da enxurrada de escândalos que atinge o país há mais de dois anos, continuam tocando.
E suas altas notas parecem ir longe. Com 1,3 milhão de seguidores em sua página do Facebook, "Capinaremos", este funcionário de uma companhia telefônica em Curitiba afirma que alguns de seus memes alcançaram os cinco milhões de usuários.
Para acompanhar o ritmo deste Brasil frenético, Sanfelice criou no ano passado a "Capina Meme Factory", uma central de produtores de anedotas que se reúnem em um grupo fechado do Facebook.
Lá, qualquer integrante pode propor o seu meme e, se for bem avaliado, cumprindo as regras éticas, será publicado por algum dos 10 moderadores.
Uma vez na Internet, pode ter uma vida curta, mas com a chance de ser explosivo no segundo país mais ativo do mundo no Facebook, segundo os dados da empresa.
"Todos os assuntos que tomam certa relevância acabam se tornando memes quase instantaneamente, desde algo banal até uma decisão do tribunal eleitoral", conta este jovem de 28 anos que, como o resto dos integrantes da Capinaremos, colabora voluntariamente.
Uma de suas grandes noites foi a de 17 de maio, quando o jornal O Globo revelou a gravação em que Michel Temer parece dar o aval ao pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha. Enquanto a crise dava outra volta inesperada, deixando o futuro do presidente por um fio, muitos brasileiros mostraram sua indignação com criatividade.
Por centenas de milhares de celulares começaram a correr montagens do presidente ou imagens antigas de seus antecessores e inimigos políticos, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, gargalhando.
As piadas, entretanto, não foram engraçadas para todo mundo e poucos dias depois Sanfelice e outros criados de memes foram contactados pela Presidência.
"Recebemos um e-mail comunicando que as fotos oficiais de Temer não podiam ser usadas para nenhum fim que não fosse jornalístico", conta o responsável da Capinaremos.
Embora reconheça que o "puxão de orelha" os deixou apreensivos, decidiram continuar publicando memes sobre o presidente. Depois, a Presidência esclareceu que o e-mail se limitava a recordar que é necessário pedir autorização para usar imagens oficiais com fins comerciais.
Mas para o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Viktor Chagas, o aviso era muito claro.
"O político está pouco acostumado a ver sua imagem sair de sua esfera de controle. Com a Internet é cada vez mais fácil que ocorra e isso lhes preocupa", afirma o pesquisador de mídia.
Junto com um grupo de alunos e professores, Chagas criou em 2015 o "Museu de memes", um projeto dedicado ao estudo e arquivo desta nova forma de expressão que vai muito além da piada fácil.
"Não podemos olhar para este fenômeno apenas do ponto de vista das notícias falsas ou da pós-verdade, como se todo o conteúdo merecesse ser descartado. Devemos levar em conta que as pessoas estão tendo acesso a um debate que antes não tinham e isso também transforma a realidade social", assegura.
Menos subversivo do que na China e com um grau menor de incorreção política do que nos Estados Unidos, para Chagas o humor brasileiro está mais centrado em desconstruir os poderosos, com um toque de autoparódia.
Um bom exemplo dessa tomada de distância é a página "O Brasil que deu certo", onde mais de 1,2 milhão de usuários seguem no Facebook a seleção de notícias e de imagens feita por seu criador, Ciro Hamen, e por sua equipe.
Desde as selfies feitas por algumas pessoas enquanto esperam que um tiroteio acabe até a aparição na mídia de uma mulher que gritava "Temer, eu te amo" em frente ao Palácio do Planalto em plena crise institucional, pode-se encontrar um catálogo de ações incomuns que também são uma crônica do país.
"A realidade aqui pode ser muito mais louca do que a ficção. Muitas vezes recebemos um conteúdo que dizemos: 'não é possível, deve ser inventado'. Mas não, é verdade", confessa Hamen.