ROBÔS MONTAM CAMELOS NA JORDÂNIA: tecnologia responde por 80% da queda de participação do trabalho na renda dos países ricos / Muhammad Hamed/ Reuters
Da Redação
Publicado em 13 de novembro de 2017 às 13h03.
Última atualização em 13 de novembro de 2017 às 13h51.
O índice de desemprego alarmante do Brasil (chegou a 14% da população economicamente ativa) tem se mostrado resistente, mas já tem gente dizendo que ainda vamos ter saudades dessa época.
A causa não será, novamente, um naufrágio da economia. Ao contrário, as empresas vão elevar sua produtividade e, provavelmente, seus lucros. Só que farão isso sem recorrer ao trabalho. Ou melhor, sem recorrer ao trabalho… humano.
O discurso que vem sendo propagado com afinco é o da era dos robôs, e as evidências de que esse tempo está chegando são muitas: do carro automático à previsão de que o número de robôs industriais ultrapassará o número de humanos na Terra em 2030.
Parte disso é causada pela globalização. A renda dos trabalhadores está indo para trabalhadores – de outras partes do mundo. Outra parte da queda de participação do trabalho na renda nacional é a mecanização. De acordo com a OCDE, o grupo de países mais desenvolvidos do mundo, a tecnologia responde por 80% da queda de participação do trabalho na renda dos países membros.
Os pessimistas dizem os empregos serão em menor número – bem menor número – do que nas revoluções tecnológicas anteriores. Logo, não haverá emprego para todos. Longe disso. E as consequências podem ser bastante desagradáveis.
Como se precaver contra essa possibilidade?
“O problema não é perder o emprego, é perder renda”, diz o professor de economia Richard Freeman, co-diretor do programa de estudos do trabalho da Escola de Direito de Harvard e pesquisador do mercado de trabalho da London School of Economics, que deu uma palestra sobre o assunto no final de outubro, no Insper.
Segundo ele, há algumas evidências de que os robôs serão capazes de substituir os humanos em grande parte das atividades, senão todas – porque a inteligência artificial avança a passos largos e a robótica se desenvolve com analogias biológicas (até jogar futebol as máquinas já fazem bem).
Além disso, o custo de produzir robôs está caindo muito depressa. Não à toa, empresas na China, que cresceram apoiadas em sua mão de obra barata, estão agora investindo em robôs. Esses dois fatores levam, segundo ele, a uma conclusão: quem tiver mais robôs vai dominar o mundo.
Nesse futuro possível, o Movimento dos Sem Terra, que já parece anacrônico hoje, não fará mais nenhum sentido. Mas pode-se imaginar um Movimento dos Sem Robôs.
A riqueza, que já foi tangível (terras, minérios) passou a intangível (conhecimento, relações, marcas) – mas corre o risco de voltar a ser tangível: máquinas.
Seria um novo tipo de capitalismo.
E a solução de Freeman é socializar o capitalismo: tornar todas as pessoas do mundo donas de capital. Um capital que será muito parecido com os bens da odiosa era da escravidão – só que sem sofrimento humano, porque a classe trabalhadora serão as insensíveis máquinas.
Há outras soluções para um futuro sem empregos. Bill Gates, até o mês passado a pessoa mais rica do mundo, criador da Microsoft (e, pode-se dizer, um dos responsáveis pelo avanço das máquinas), propõe que os robôs paguem imposto.
Faz sentido. Se eles vão produzir, por que não serão taxados? Se eles vão ocupar o lugar de humanos, por que não arcar com responsabilidades semelhantes?
Algo até mais avançado que isso já está sendo considerado. No início deste mês, a Arábia Saudita concedeu cidadania a uma robô, Sophia. É verdade que, sendo uma robô feminina, essa máquina provavelmente jamais poderá aspirar à igualdade de direitos na rigidamente muçulmana sociedade saudita. Mas algo de tendência existe nessa jogada de marketing.
Uma segunda solução para a desigualdade em tempos robóticos é proposta pelo mais famoso estudioso da desigualdade do mundo, o francês Thomas Piketty: um imposto sobre o capital. Desta forma, se equilibraria, na marra, a relação entre capital e trabalho.
Uma terceira solução seria a renda mínima universal, uma proposta até pouco tempo atrás pouco considerada, mas que vem sendo apoiada por um crescente número de pensadores.
Curiosamente, ela foi defendida pelo austríaco Friedrich Hayek, um campeão do liberalismo clássico, e considerada plausível por Milton Friedman, um dos pais da escola de Chicago, da ortodoxia econômica.
Segundo Freeman, já existe uma espécie de renda mínima universal: saúde gratuita, parques públicos, ensino gratuito, programas culturais abertos são exemplos de bens distribuídos a toda a sociedade. A proposta seria, então, aumentar o número de bens concedidos a todos sem distinção.
“Mas uma sociedade em que as pessoas recebem passivamente benesses, sem ser desafiadas a desenvolver seu potencial e contribuir para a construção do bem comum, seria a admissão do fracasso da raça humana”, afirmou.
Por isso a sua solução é um choque de capitalismo.
A solução não é tão nova. Liberais clássicos argumentam há tempos que a distribuição de renda deveria se dar não por programas de sustento, e sim por distribuição de ações dos bens públicos.
Mais ou menos como aconteceu quando as ações da Petrobras e da Vale foram vendidas a quem tivesse FGTS. Só que, naquele caso, o programa foi tímido.
Freeman diz que, algumas décadas atrás, aconselhou o governo da Venezuela a distribuir os royalties do petróleo à população. A reação foi algo como “quem é esse louco?”, diz. “Mas veja o que aconteceu com o país, depois de tantos anos daquela riqueza na mão do governo. Se o dinheiro tivesse ido diretamente para as pessoas, acredito que elas o teriam gasto de formas bem melhores.”
Há exemplos de programas que vão nessa direção: planos de distribuição de ações para empregados, fundos soberanos e fundos de pensão são formas de tornar os empregados em capitalistas.
Freeman argumenta que mecanismos similares poderiam transformar a todos em donos de robôs.
Isso diminuiria a desigualdade e, assim, a possibilidade de uma revolução violenta dos humanos deixados para trás no caminho do progresso tecnológico.
Ainda restaria, é claro, a hipótese de uma revolução violenta dos próprios robôs – ao estilo dos filmes de ficção científica mais catastrofistas.