Robô segurando um pote com remédios (WLADIMIR BULGAR/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 25 de fevereiro de 2019 às 12h48.
Última atualização em 18 de março de 2019 às 14h43.
San Francisco – Você pode pensar nisso como a Copa do Mundo da pesquisa bioquímica.
A cada dois anos, centenas de cientistas participam de uma competição global. Abordando um quebra-cabeça biológico que chamam de “o problema da dobra da proteína”, eles tentam prever a forma tridimensional de proteínas no corpo humano. Ninguém sabe como resolver esse problema. Mesmo os vencedores não investigaram a fundo a questão. Mas uma solução pode simplificar a forma como os cientistas criam novos medicamentos e combatem doenças.
Mohammed AlQuraishi, biólogo que dedicou sua carreira a esse tipo de pesquisa, foi no início de dezembro a Cancún, no México, onde os acadêmicos se reuniram para discutir os resultados da última disputa. Quando entrou no hotel, um resort cinco estrelas no Caribe, estava tomado pela melancolia.
O concurso, a Avaliação Crítica da Previsão da Estrutura, não foi vencido por acadêmicos, mas pelo DeepMind, o laboratório de inteligência artificial de propriedade da Alphabet, empresa-mãe do Google.
“Fiquei surpreso e desanimado. Eles estavam muito à frente de todos os outros”, disse AlQuraishi, pesquisador da Faculdade de Medicina de Harvard.
O DeepMind é especializado em “aprendizagem profunda”, um tipo de inteligência artificial que está mudando rapidamente a ciência da descoberta de drogas. Um número crescente de empresas está aplicando métodos semelhantes a outras partes do processo longo e extremamente complexo de produção de novos medicamentos. Essas técnicas de IA podem acelerar muitos aspectos da descoberta de drogas e, em alguns casos, realizar tarefas tipicamente executadas por cientistas.
“Não é que as máquinas vão substituir os químicos”, disse Derek Lowe, pesquisador de longa data de desenvolvimento de drogas e autor de In the Pipeline, famoso blog dedicado ao assunto. “É que os químicos que usam máquinas vão substituir aqueles que não as usam.”
Após a conferência em Cancún, AlQuraishi descreveu sua experiência em um post no blog. A melancolia que sentiu depois de perder para o DeepMind deu lugar ao que chamou de “uma avaliação mais racional do valor do progresso científico”.
Mas criticou grandes empresas farmacêuticas como a Merck e a Novartis, além de sua comunidade acadêmica, por não se atualizarem.
“Os pesquisadores mais espertos e ambiciosos que desejam trabalhar na estrutura proteica irão ao DeepMind em busca de oportunidades, em vez de procurar a Merck ou a Novartis. Esse fato deveria provocar calafrios nos executivos da indústria farmacêutica, mas não vai, porque eles estão sem noção, sem rumo, dormindo no ponto”, escreveu ele.
As grandes empresas farmacêuticas veem a situação de forma diferente. A Merck não está explorando a dobra da proteína porque seus pesquisadores acreditam que seu impacto potencial estaria a anos de distância, mas está aplicando a aprendizagem profunda a outros aspectos de seu processo de descoberta de drogas.
“Temos de juntar muitos pontos”, disse Juan Alvarez, vice-presidente adjunto de química computacional e estrutural da Merck.
Em 2016, depois de chegar às manchetes com sistemas de IA que jogavam jogos complexos como o tradicional Go, os pesquisadores do DeepMind estavam à procura de novos desafios. Então, promoveram uma “hackathon” na sede da empresa em Londres.
Trabalhando com dois outros cientistas da computação, Rich Evans, pesquisador do DeepMind, se dedicou à dobra da proteína. Eles acharam um jogo que simulava essa tarefa científica. Construíram um sistema que aprendeu a jogá-lo por conta própria, e os resultados foram promissores o suficiente para que o DeepMind iniciasse um projeto de pesquisa em tempo integral.
O problema da dobra da proteína faz uma pergunta direta: é possível prever a estrutura física de uma proteína – sua forma em três dimensões?
Se os cientistas conseguirem prever sua forma, podem determinar melhor como outras moléculas vão se “ligar” a ela – uma das maneiras de desenvolver medicamentos. Uma droga se liga a proteínas específicas do corpo e muda seu comportamento.
No último concurso, o DeepMind fez essas previsões usando “redes neurais”, sistemas matemáticos complexos que podem aprender tarefas mediante a análise de grandes quantidades de dados. Analisando milhares de proteínas, uma rede neural pode prever a forma de outras.
A vitória do DeepMind mostrou como o futuro da pesquisa bioquímica será impulsionado cada vez mais por máquinas e pelas pessoas que supervisionam essas máquinas.
Esse tipo de pesquisa com IA se beneficia de enormes quantidades de poder computacional, e o DeepMind pode se basear nos enormes centros de dados que sustentam o Google. O laboratório também emprega muitos dos maiores pesquisadores de IA no mundo, que sabem como aproveitar ao máximo esse hardware.
“Isso permite que sejamos muito mais criativos, que tentemos muitas ideias mais, geralmente em paralelo”, disse Demis Hassabis, executivo-chefe e cofundador da DeepMind, que o Google adquiriu por US$ 650 milhões em 2014.
Universidades e grandes empresas farmacêuticas não conseguirão igualar esses recursos. Mas, graças aos serviços de computação em nuvem oferecidos pelo Google e outros gigantes da tecnologia, o preço do poder de computação continua a cair. AlQuraishi pediu que a comunidade de ciências biológicas prestasse mais atenção ao tipo de trabalho de IA praticado pelo DeepMind.
Alguns pesquisadores já seguem nessa direção. Muitas startups, como a Atomwise em San Francisco e a Recursion em Salt Lake City, estão usando as mesmas técnicas de inteligência artificial para acelerar outros aspectos da descoberta de drogas. A Recursion, por exemplo, usa redes neurais e outros métodos para analisar imagens de células e descobrir como as novas drogas as afetam.
Grandes empresas farmacêuticas também estão começando a explorar esses métodos, às vezes em parceria com startups.
“Todo mundo está seguindo a tendência nessa área”, disse Jeremy Jenkins, o chefe de ciência de dados de biologia química e terapêutica na Novartis. “É um processo lento, e acho que esses métodos vão acabar assumindo o tamanho de toda a nossa empresa.”
Hassabis disse que o DeepMind estava empenhado em resolver o problema da dobra da proteína. Mas muitos peritos afirmam que, mesmo que a questão seja solucionada, mais trabalho seria necessário antes que médicos e pacientes se beneficiassem de maneira prática.
“Esse é um primeiro passo. Há muitos outros passos a ser dados ainda”, disse David Baker, diretor do Instituto de Design de Proteína, da Universidade de Washington.
Enquanto trabalham para melhor entender as proteínas do corpo, por exemplo, os cientistas também devem criar novas proteínas que possam servir como candidatas a drogas. Baker agora acredita que a criação de proteínas é mais importante para a descoberta de drogas do que os métodos de “dobras” que estão sendo explorados, e essa tarefa, disse ele, não se adapta tão bem ao estilo de IA do DeepMind.
Os pesquisadores do DeepMind se concentram em jogos e disputas, porque podem mostrar uma clara melhoria na inteligência artificial. Mas não está claro como essa abordagem pode ser usada em muitas tarefas.
“Por causa da complexidade da descoberta de medicamentos, precisamos de uma grande variedade de ferramentas. Não há uma resposta de tamanho único”, disse Alvarez.
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