Tecnologia

Está na hora de Apple fazer um iPhone menos viciante

Companhia não é responsável pelos excessos do mundo dos anúncios digitais, mas tem a responsabilidade moral de zelar pelo bem-estar de seus clientes

A mesma empresa que sempre surge quando chega a hora de lançar uma nova era tecnológica: a Apple

A mesma empresa que sempre surge quando chega a hora de lançar uma nova era tecnológica: a Apple

DR

Da Redação

Publicado em 29 de janeiro de 2018 às 13h23.

Última atualização em 29 de janeiro de 2018 às 14h39.

Não é culpa da Apple que você se sinta escravizado por seu telefone, mas a empresa que deu ao mundo o smartphone moderno tem uma oportunidade perfeita este ano de criar um modelo corajoso e inovador desse dispositivo, um telefone que nos incentive a usá-lo de modo mais introspectivo, mais deliberado e durante muito menos tempo.

O “vício” na tecnologia é um tema que preocupa cada vez mais o país. Usei as aspas porque a atração que nossos telefones exercem sobre nós não é a mesma que a do álcool ou das drogas.

Além disso, essa questão não é realmente nova; há anos, pesquisadores que estudam o modo com que usamos a tecnologia digital nos alertam sobre o potencial negativo que ela tem em nossa psique, nosso bem-estar e nossa cognição.

A novidade é quem se juntou ao grupo dos preocupados. Recentemente, vários luminares de tecnologia, incluindo muitos ex-funcionários de Facebook, disseram que não somos páreo para os sofisticados mecanismos de engajamento e persuasão que vêm embutidos nos aplicativos de smartphones.

Há várias apreensões: eles se preocupam com a distração, com a produtividade, com o modo em que as redes sociais alteram nossa vida emocional e nossos relacionamentos e o que estão fazendo com as crianças.

É difícil saber como lidar com essas confissões de arrependimento. Qualé, pessoal! Vocês nos deram essas máquinas maravilhosas, ganharam bilhões de dólares quando elas se tornaram onipresentes e agora vêm nos dizer que são ruins?

Então, o que vamos fazer em relação a isso?

Como a poluição atmosférica ou a intrusiva publicidade on-line, o vício em tecnologia é um problema de ação coletiva causado por incentivos tortos.

As empresas que ganham dinheiro com sua atenção – ou seja, aplicativos sustentados por propaganda como Facebook, Instagram, Snapchat e YouTube – agora empregam verdadeiros exércitos que trabalham com supercomputadores para nos viciar cada vez mais em seus serviços.

Claro, devemos exigir que ajam de modo mais ético – e o Facebook disse que está disposto a perder dinheiro para melhorar o bem-estar de seus usuários –, mas não acredito que sejam capazes de relegar seus interesses econômicos a segundo plano.

A regulamentação do governo e uma maior abstenção dos usuários também podem ajudar, mas o primeiro é improvável e o último, insuficiente. Então, quem sobrou?

A mesma empresa que sempre surge quando chega a hora de lançar uma nova era tecnológica: a Apple.

Comecei a pensar sobre sua responsabilidade, na semana passada, quando dois grandes investidores escreveram uma carta aberta pedindo que a empresa fizesse algo em relação aos efeitos de seus produtos nas crianças.

A princípio, cheguei a considerá-la um golpe publicitário; se você está preocupado com as crianças e a tecnologia, por que não ir atrás do Facebook?

Porém, quando liguei para vários especialistas, descobri que eles concordaram com os investidores.

Claro, disseram, a Apple não é responsável pelos excessos do mundo dos anúncios digitais, mas tem a responsabilidade moral, além do interesse comercial, de zelar pelo bem-estar de seus clientes.

E há outro motivo mais importante para que a Apple aborde o vício em tecnologia: ela provavelmente resolveria o problema de forma elegante.

“Acho que esta é a hora em que ela deveria se posicionar”, disse Tristan Harris, que trabalhou com design ético no Google, e agora dirige a Time Well Spent, uma organização que trabalha para melhorar o impacto da tecnologia na sociedade.

“Na verdade, ela pode ser nossa única esperança”, acrescentou Harris.

Por um lado, o modelo de negócios da Apple não depende do vício em tecnologia. A empresa ganha a maior parte de seu dinheiro com a venda de dispositivos com margens de lucro elevadas. Sim, ela precisa ter certeza de que você acha seu telefone útil o suficiente para comprar o próximo; mas depois da compra e da inscrição em alguns de seus serviços premium, a empresa não precisa que haja exagero.

Na verdade, porque não consegue tornar a vida de bateria infinita, seria bom para ela que você deixasse seu telefone um pouco de lado.

Porém, mesmo que não faça parte do mundo da publicidade on-line, ela exerce certo controle sobre ele. Todas as empresas de tecnologia precisam estar presentes no iPhone ou no iPad; isso significa que a Apple pode definir as regras para todos.

Com uma única atualização de seu sistema operacional e de sua App Store, ela poderia controlar alguns excessos no modo em que os aplicativos nos monitoram e nos enviam notificações para nos manter conectados (como fez, por exemplo, ao permitir bloqueadores de anúncios em seus dispositivos móveis).

E, porque outros fabricantes de smartphones tendem a copiar as melhores invenções da Apple, tudo o que ela fez para controlar nossa dependência foi amplamente reproduzido.

Harris sugeriu várias ideias para que a Apple produza um smartphone menos viciante. Para começar, poderia dar às pessoas muito mais feedback sobre a forma em que usam seus dispositivos.

Imagine se, uma vez por semana, seu celular lhe desse um relatório sobre como você passou seu tempo, semelhante ao modo em que seu rastreador de atividade lhe informa o quanto você foi sedentário nos últimos sete dias.

Poderia cutucá-lo também: “Farhad, você passou metade da semana no Twitter. Está orgulhoso disso?”. Poderia se oferecer para ajudar: “Se eu notar que você passou muito tempo no Snapchat na semana que vem, gostaria que lhe desse um toque?”.

Uma outra ideia é permitir que o usuário controle mais especificamente suas notificações. Hoje, quando permite que um aplicativo lhe envie alertas, normalmente a opção é tudo ou nada: você diz sim para uma campainha, e de repente ela não para de tocar.

Harris sugeriu que a Apple exija que os aplicativos atribuam um tipo de nível de prioridade às suas notificações. “Digamos que existam três níveis de notificação: a dos abusivos, a dos regulares e a dos lite, ou zen”, disse Harris.

“Com isso, a Apple poderia dizer que, por padrão, todo mundo está no nível médio – e instantaneamente pouparia uma tonelada de energia de inúmeros usuários”, disse Harris.

Há o perigo de que alguns desses esforços antivício possam se tornar demasiadamente intrusivos, mas é também por isso que a Apple brilharia aqui: produzir um telefone menos viciante é, na verdade, um problema de design de interface, que é basicamente a raison d’ être corporativa da empresa.

Outra coisa na qual a Apple se destaca é no marketing, e acredito que poderia fazer um monte de anúncios mostrando que as pessoas utilizam cada vez menos seus iPhones e iPads, pois os deixam de lado por um tempo.

Observe que já existe um dispositivo, o Apple Watch, cuja comercialização exalta a magia de ignorar um pouco seu telefone.

Se bem feita, uma campanha que mostre os benefícios de uma abordagem mais deliberativa da tecnologia não soaria como interesse pessoal, mas estaria ajustada à visão que a Apple tem de si mesma, a de uma empresa que cuida dos interesses da humanidade em uma indústria fria e, às vezes, desumana.

“Como vivemos com a tecnologia é a questão cultural dos próximos cinquenta anos”, disse James Steyer, fundador e executivo-chefe da Common Sense Media, um grupo sem fins lucrativos que estuda o modo em que as crianças são afetadas pela mídia.

Ele sugeriu que o momento é propício para que a Apple tome uma atitude. “É algo com que todos nos importamos; republicanos ou democratas, liberais ou conservadores, morando em San Francisco ou em Biloxi, Mississippi, sabemos que nós e nossos filhos somos parte de uma disputa acirrada por nossa atenção”, disse ele.

A Apple divulgou uma declaração na semana passada dizendo se preocupar profundamente com a maneira na qual seus produtos são usados e com o impacto que têm sobre os usuários e as pessoas ao seu redor, acrescentando que já vem desenvolvendo alguns recursos para combater o vício.

A empresa dificilmente fala sobre seus futuros produtos, por isso não quis detalhar suas ideias. Vamos torcer para que esteja trabalhando em algo grande.

Acompanhe tudo sobre:AppleExame HojeiPhone

Mais de Tecnologia

Segurança de dados pessoais 'não é negociável', diz CEO do TikTok

UE multa grupo Meta em US$ 840 milhões por violação de normas de concorrência

Celebrando 25 anos no Brasil, Dell mira em um futuro guiado pela IA

'Mercado do amor': Meta redobra esforços para competir com Tinder e Bumble