Mauricio de sousa (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 3 de setembro de 2013 às 13h28.
São Paulo Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica e um dos cartunistas mais conhecidos do mundo, diz ter inveja dos desenhistas atuais. Eles fazem desenhos lindos com a ajuda da tecnologia. Queria ter nascido mais tarde para usar toda essa inovação e buscar o traço perfeito, diz.
Aos 77 anos, Sousa não diz isso em um tom agressivo ou negativo, mas de admiração. Ele reconhece que os programas especiais para animação, computadores potentes e mesas digitalizadoras mudaram a história dos estúdios de desenho, que até meados da década de 1980 só usavam nanquim e papel. A melhor explicação para entender isso é comparar um desenho feito hoje com um de três décadas atrás, afirma.
Ele diz que desde que levou a tecnologia para seu estúdio, nunca mais deixou de comprar e experimentar novas tecnologias. Tanto que agora, ele pede para alguns desenhistas tentarem o traço direto na tela do iPad. Esse equipamento, creio, vai trazer alguma mudança grande para a indústria do desenho. Seja na produção ou na interatividade com o leitor. Estou ansioso para conferir o que vai acontecer, afirma.
Em uma entrevista para INFO, ele explica como a tecnologia ajudou seu estúdio e como ela impactou no dia-a-dia dos desenhistas e artistas que desenham os personagens da Turma da Mônica. E faz um alerta: O computador é bom para a criança, mas ela não deve fazer dele o único amigo.
Você usa tecnologia em todos os processos do estúdio? Hoje, toda a produção é computadorizada. As animações da Turma da Mônica são feitas em computadores, por exemplo. Na produção dos quadrinhos, alguns desenhistas fazem os desenhos a mão. Outros usam mesas digitalizadoras para desenhar diretamente na tela do computador. Em ambos os casos, os desenhos são finalizados no computador, onde ganham efeitos e melhorias nos traços. A gente já começa a usar o iPad em alguns processos e em breve esse tipo de tecnologia, acredito, até pode aposentar o computador.[quebra]
Quando você adotou a tecnologia em seu estúdio? No final da década de 1980, eu fui ao Japão, que na época era o único país com tecnologia de ponta em todos os setores. Lá, eu encontrei computadores e mesas digitalizadoras que permitiam melhorar a qualidade dos desenhos feitos a mão. Eu gastei uma pequena fortuna comprando esses equipamentos. Imediatamente, eu tive um ganho de produtividade e qualidade muito grande. De lá para cá, nunca mais deixei de investir e apostar em novas tecnologias. Elas nunca pioram as coisas no trabalho, por mais que muita gente acredite nisso.
Em que a tecnologia efetivamente ajuda na produção dos desenhos? O artista pode usar os programas para deixar o traço mais bonito, as cores mais realistas, além de aplicar efeitos especiais para aumentar a definição do desenho como um todo. Eu demorava minutos para deixar o cabelo da Mônica com um visual seboso. Hoje, isso é feito em segundos, com apenas alguns cliques.
Os desenhistas gostam da inovação tecnológica? A turma mais nova do estúdio, que tem entre 20 e 40 anos, gosta mais porque cresceu numa época em que o computador faz parte do cotidiano. Os mais velhos também gostam, mas são um pouco mais desconfiados, demoram mais para usar. Lembro-me que quando eu trouxe os primeiros computadores para o estúdio, os desenhistas acharam um escândalo. Alguns tinham enorme preconceito e se recusavam a trabalhar com eles. Outros acreditavam que seriam substituídos por computadores e que a profissão acabaria. Me custou alguns meses para provar que a tecnologia seria positiva para a nossa carreira e necessária para a gente concorrer com os estúdios estrangeiros.[quebra]
A tecnologia pode afetar, de algum modo, a criatividade dos desenhistas? De jeito nenhum. Eu usei lápis e nanquim para fazer desenhos e posso te garantir que a tecnologia só melhora o resultado. Se você comparar um desenho da Mônica feito na década de 1970 com um feito este ano verá como o traço melhorou muito. A tecnologia, portanto, não destrói o talento de ninguém. Eu arrisco a dizer que nós, desenhistas, não usamos toda a capacidade tecnológica que tem disponível hoje. Deveríamos estudar mais as possibilidades que estão aí no mercado.
Qual é o potencial do tablet para os quadrinhos? Como os outros estúdios, a gente começa a testar o uso do iPad no processo de produção da Turma da Mônica. Eu acredito que, como as outras tecnologias, o aparelho pode ajudar muito, já que ele tem aplicativos incríveis de desenhos. Pode ainda mudar o jeito como as pessoas leem os quadrinhos, por causa do potencial de interatividade, de misturar imagens com vídeos. Algumas editoras americanas especializadas em super-heróis já oferecem experiências incríveis com o tablet. A gente não vai fugir desse caminho.
Em vários segmentos, a tecnologia reduz custo. O mesmo acontece num estúdio de desenho? A computação não trouxe redução de custo, mas agilidade na produção e melhoria na qualidade dos desenhos. Na ponta do lápis, eu gasto hoje para produzir o mesmo que gastava há 20, 30 anos. Mas a qualidade final do trabalho do estúdio hoje é muito maior.
Tem alguma coisa que o computador ainda não te ajuda? Eu dispenso o computador em uma função, apenas: para fazer as letras dos balões dos quadrinhos. Eu exijo que esta parte seja feita por um profissional. A minha razão é baseada em uma experiência pessoal. Quando leio livros, jornais ou mesmo textos em computadores, os meus olhos ficam cansados depois de um tempo. Eu acredito que isso é causado pela fonte simétrica e toda perfeitinha. E nosso cérebro não gosta disso. Então, eu prefiro que as letras dos quadrinhos sejam irregulares e que chamem a atenção do leitor. Parece que funciona, porque os meus leitores elogiam bastante as letras dos quadrinhos.
As histórias da Turma da Mônica mostram o valor das brincadeiras e da amizade. Na vida real, a internet mudou um pouco isso. Você acredita que a inovação tecnológica é ruim para as crianças? O computador não é ruim para uma criança, pois com ele pode aprender idiomas, ler mais e sanar suas curiosidades, além de estudar, é claro. O ruim é o pai ou a mãe deixar a criança o tempo todo em frente ao monitor sem controle e sem verificar com quem ele conversa. A família deve ter em mente que a tecnologia não dá à criança a necessidade básica de brincar, criar amizades reais, cuidar de um bicho de estimação e conhecer o mundo como ele é. Eu tenho um personagem, chamado Bloguinho, que é apaixonado por computadores. Mas ele sempre tem um tempo para os amigos. Com ele, eu tento inspirar as crianças que leem minhas histórias.