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Entrevista de domingo: “Pais deveriam se preocupar mais com vida digital dos filhos”, diz executivo da McAfee

75% dos pais reconheceram que não têm tempo para acompanhar as atividades online dos filhos

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Da Redação

Publicado em 13 de abril de 2014 às 08h06.

A McAfee divulgou, no final do último mês, uma pesquisa para entender a relação entre pais e filhos quando o assunto é web. Pelos números revelados, viu-se que existe uma desconexão acentuada nas famílias em termos de acesso à internet e às tecnologias. Segundo o estudo, são pouquíssimos os responsáveis que acompanham a vida digital das crianças e jovens, e muitos por puro e simples medo.

A análise não foi exatamente abrangente, e envolveu 821 entrevistados de diferentes idades e classes sociais, em cotas predefinidas, com todos respondendo às questões entre outubro e novembro do ano passado. Mas ainda assim serve como uma amostragem da situação atual no país: os filhos estão definitivamente mais conectados que os pais, que não sabem como agir e têm pouca noção dos riscos que a web representa.

Para discutir o tema, a empresa reuniu José Matias, diretor de suporte técnico para a América Latina, e o psiquiatra Cristiano Nabuco de Abreu, responsável pelo Grupo de Dependências Tecnológicas do PRO-AMITI da USP. O encontro, que ainda envolveu alguns analistas, aconteceu em uma livraria em São Paulo, e para explicar mais sobre o estudo e as conclusões tiradas no debate – e na própria pesquisa –, INFO conversou com o executivo Matias. Confira a entrevista abaixo.

INFO: Primeiro e mais importante: quais foram as principais conclusões tiradas com essa pesquisa?

José Matias: O ponto principal que notamos na pesquisa – e os números comprovam – é que os pais não sabem o que os filhos fazem na internet. Embora eles acreditem que os filhos saibam o que estão fazendo e confiem nos jovens, as próprias crianças e adolescentes dizem que preferiam ter mais controle por parte dos pais e que mentem para eles. As desculpas que os responsáveis apresentam envolvem a falta de tempo para cuidar da vida digital dos filhos e a falta de conhecimento tecnológico para fazer isso. Os filhos conhecem muito mais do que eles sobre tecnologia, internet e tudo que elas oferecem.

De todos que responderam ao estudo, 75% dos pais alegaram essa falta de tempo e de disposição, 40% deles afirmaram temer a tecnologia e 30% admitiram que os filhos entendem mais da área do que eles. Isso era, de alguma forma, esperado por vocês?

Esse ponto dos pais mais desconectados que os filhos não nos surpreendeu, não. Já imaginávamos que era algo parecido com isso: eu tenho filhos também, e se pedir a senha para minha menina de 9 anos, ela não entrega de jeito nenhum. Eu ainda tenho a vantagem de trabalhar com segurança e, por isso, consigo dar uma educação diferente em casa. Mas nem todas as pessoas podem fazer isso, e a maioria dos colegas da minha filha já faz diversas outras coisas pela internet.

E dentre os resultados, o que mais surpreendeu você na pesquisa?

O que mais deixou impressionado é que, além dessa desconexão, os pais ainda têm um foco equivocado. Se você olhar para os dados do estudo, dá para ver que os pais estão muito mais preocupados com que os filhos não briguem na escola, não tenham problemas na vida real – e colocam isso acima da vida digital deles. O que eles não percebem é que, hoje, não há como fugir dessa segunda parte. Seu filho vai acessar a internet, até por culpa dos próprios pais. Quantas vezes você não foi ao supermercado ou a um restaurante e viu um pai jogando um celular ou tablet na mão da criança para servir de babá? Isso acontece a todo o momento.

Então cada vez mais nós mesmos estamos colocando os filhos na internet e os expondo a esses riscos. Então, voltando: o que surpreendeu na pesquisa é que os pais não percebem que esse problema do filho brigar na escola pode ser consequência da vida digital – ele vai acabar brigando com um colega que o expôs de alguma forma na web ou algo do gênero. O foco dessa educação, portanto, está um pouco deturpado. Os responsáveis deveriam se preocupar, sim, um pouco mais com a vida digital dos filhos, dar mais prioridade ao acompanhamento do que as crianças fazem online para evitar alguns problemas na “vida real” delas também.

Mas apesar de tudo, ainda há um ponto positivo nessa entrada das crianças na web, não? Quer dizer, ao menos pela parte de “buscar conhecimento”: 82% dos filhos que participaram da pesquisa disseram que já usaram a internet para trabalhos escolares.

Então, há um lado interessante nesse número, que discutimos com o Cristiano Nabuco [professor-doutor, psiquiatra-chefe do Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psquiatria do HC da USP]. Isso parece positivo, mas o mesmo percentual de crianças já colou na prova ao buscar informações na web. Muitos deles também já pesquisaram sobre depressão, drogas, suicídio... Esse dado, a princípio, parece positivo, mas a experiência que o Dr. Cristiano apresentou para nós, baseada nos jovens que ele atende na USP, mostra que não é bem assim. Alguns jovens buscam por drogas apenas para saber o que são, mas outros procuram porque estão interessados – “como plantar em casa?”, “como consumir sem que ninguém saiba?”, por exemplo. Ele nos contou também sobre alguns casos de crianças que sofreram com depressão, e que tiveram outros problemas. Enfim, a pesquisa não avaliou esse ponto, e apenas mostrou que os jovens buscam dados na web – seja por bem ou por mal. Mas a experiência do psiquiatra com os pacientes dele agregou algum conhecimento a esses resultados.

Como fazer para que o lado positivo dessa busca por informações predomine sobre o negativo?

Já sabemos que o filho está buscando informação, mas o pai só não sabe de que tipo. Sabemos também que o jovem vai ser inserido na internet de alguma forma, e que ele vai precisar de ajuda – um dado no estudo revela que os jovens afirmam que mudariam de atitude se tivessem um acompanhamento do pai ou da mãe. Então o que você precisa priorizar é isso: seu filho vai acessar a internet, então acesse junto com ele, participe dessa vida. Entenda o que ele está fazendo. Mas não como uma forma de monitorar, podar, impedir, mas sim de um jeito amistoso. Tente aprender junto com a criança. Se ela entender que você também não tem esse conhecimento – como boa parte dos pais disse não ter – e que vocês podem aprender juntos, você estreita essa relação. E é aí que você vai poder orientar seu filho ao que fazer e ao que não fazer.

Mas aprofundando um pouco, por que você acha que os pais, de certa forma, “pararam no tempo” ou mesmo não acompanham o ritmo das crianças na tecnologia?

Essa é uma pergunta bem interessante, e, ao menos na minha visão sobre esse assunto, é por causa do salto tecnológico que demos. Comparemos com o que aconteceu nos EUA: se você assistir a um filme americano da década de 70, dá para ver que eles têm uma máquina na cozinha, o teletexto, que ele podia usar para se comunicar com outras pessoas [Nota: na época, o sistema ainda era mais comum na Europa]. No fim dos anos 70 e começo dos 80, eles foram apresentados ao BBS. Depois, veio a internet na década de 90, e o acesso foi expandido em 92. Mais recentemente, nos 2000, vieram as redes sociais, e tudo isso migrou para um ambiente de mobilidade. Então, hoje, se um jovem de lá, de 9 a 12 anos, perguntar ao avô dele sobre redes sociais, talvez o avô não saiba como é o contexto de hoje, mas ele provavelmente teve uma experiência similar de comunicação com o teletexto ou o BBS. Então, a tecnologia não é “grego” para ele, de forma que ele ainda pode contribuir de alguma forma.

Mas vamos ver o Brasil. O que aconteceu aqui? Grande parte da população que hoje acessa a internet é egressa das classes D e E, que agora fazem parte da classe C. Esse acesso da população à tecnologia algo muito positivo para o Brasil, e a pesquisa até mostra que as pessoas às vezes fazem sacrifícios financeiros para entregar um equipamento e uma banda larga ao filho. Mas o que aconteceu com a grande maioria desse pessoal? Eles saíram do nada-tecnológico para acessar a rede social em um celular. Então não tivemos uma evolução tecnológica, como no caso que citei. Se uma criança de 12 anos aqui no Brasil pergunta ao pai, ao tio ou ao avô sobre o que vai enfrentar na internet, os adultos nem sabem o que responder. Acabam até se afastando desse tipo de perguntar, porque têm medo de demonstrar que sabem menos que os filhos.

Em suma, temos um problema na evolução tecnológica daqui. É ruim todos terem acesso a esses recursos? Não, de forma alguma, é excelente que tenhamos preenchido essa lacuna. A falha é que só enchemos o buraco com tecnologia, e não com o conhecimento que precisa vir atrelado. Até podemos acelerar esse aprendizado, mas ainda assim leva algum tempo para chegar a uma situação parecida com a que descrevi. Se não fizermos nada, no entanto, isso de um pai ou avô tendo conhecimento suficiente para ensinar os filhos só vai acontecer daqui umas três gerações, imagino.

Vocês fizeram alguma pesquisa parecida com essa, de ouvir pais e filhos, nos Estados Unidos e em outros países?

Costumamos fazer os mesmos estudos em várias localidades para ter um comparativo, mas nesse ano especificamente, decidimos mudar o foco no Brasil. Nossa realidade é diferente da presente na Austrália, na Europa ou nos EUA, por exemplo, e estamos em um equilíbrio diferente aqui, como demonstra a pesquisa. Quer dizer, sabemos o que os filhos fazem: eles são “heavy users” de internet e se expõem demais em redes sociais, com fotos e outras informações, por exemplo. Também mentem para os pais sobre o que fazem, e queríamos entender o que o pai acha disso. Então, a essa pesquisa, especificamente, foi dado um foco diferente na análise dos dados, do ponto dos pais e não dos filhos, para saber o que está acontecendo por aqui.

Veja abaixo mais alguns resultados da pesquisa:

No caso dos pais:

- 75% reconheceram que não têm tempo para acompanhar as atividades online dos filhos;

- 30% deles admitiram que os filhos sabem mais de tecnologia que eles;

- 39% disseram monitorar os filhos com controles – que acabam sendo evitados pelos filhos, que têm mais conhecimento na área;

- 61% não acreditam que a internet traga problemas graves aos filhos;

- 60% acham que sabem tudo que os filhos fazem na web;

- 79% dos pais creem que orientam os filhos direito em relação a cyberbullying, mas só 39% dos jovens afirmam saber o que fazer caso sofram atos do tipo.

No caso dos filhos:

96% dos jovens usam a web para acessar redes sociais e enviar mensagens;

60% admitiram que escondem algumas atividades dos pais;

20% tiveram problemas sérios na escola por consequência de ações ocorridas online, com 5% admitindo medo de ir à escola;

64% já apagaram históricos de conversas mais comprometedoras;

40% deles sabem como esconder dos pais o que fazem online;

41% já visitaram sites que os pais não aprovariam;

33% afirmaram que mudariam o comportamento caso tivessem acompanhamento dos pais.

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