Claudio Pinhanez (Reprodução/Twitter)
Da Redação
Publicado em 3 de setembro de 2013 às 13h28.
São Paulo - Quando ganhou sua primeira calculadora, aos 11 anos, o paulistano Claudio Pinhanez ainda não imaginava para onde o gosto pela matemática o iria levar. Nos tempos de colégio, enquanto estudava na Escola Técnica Federal de São Paulo, descobriu que o teatro era outra paixão.
O verdadeiro palco para a demonstração de seu talento, no entanto, foi mesmo a computação: após realizar um doutorado no Media Lab do MIT, considerado um dos principais centros de pesquisa mundiais, Pinhanez se tornou pesquisador da IBM no TJ Watson Research Center, em Nova York, e ajudou a implantar o laboratório da IBM Research no Brasil. Aos 49 anos de idade, o profissional lidera as pesquisas na empresa no setor de serviços.
Apesar do currículo brilhante, o pesquisador afirma que muitas coisas em sua carreira profissional aconteceram por acaso. Mesmo assim, ele aconselha quem deseja trabalhar nessa área: Nunca tive medo de aprender coisas novas e isso é fundamental. Não podemos ter medo de nos reinventar, de preferência, a cada 5 ou 10 anos.
Em entrevista a INFO, Pinhanez compartilha parte de sua trajetória e conta sobre as pesquisas desenvolvidas pelo time de pesquisa da IBM no Brasil.
Como se interessou pelas Ciências Exatas? Sempre gostou de computação? Sempre gostei de matemática: aos 11 anos, ganhei minha primeira calculadora de Natal. Fiz a Escola Técnica Federal de São Paulo no colegial, onde me formei no curso de mecânica. E com meu salário de estagiário, comprei meu primeiro computador, em que você tinha de salvar os programas em fita cassete. Nunca consegui gravar e recuperar um programa. (risos)
Como o curso de matemática ajudou nos estudos de ciência da computação? Quando entrei no curso de matemática, também era possível estudar computação, mas me formei em matemática pura. Quando começaram a chegar os microcomputadores no Brasil, comecei a trabalhar com os primórdios da computação gráfica: fiquei muito interessado pelo assunto e comecei a trabalhar com processamento de imagens.
Fui convidado a dar aulas no primeiro curso de computação gráfica na USP, em 1987. Um ano após concluir o Mestrado, em 1989, recebi uma bolsa do governo do Japão, onde passei meio ano aprendendo japonês e no tempo restante trabalhei em um laboratório de pesquisa na Universidade de Osaka, estudando visual computacional e buscando fazer as máquinas entenderem o que está acontecendo por meio de imagens e vídeos.
E o doutorado do MIT? Como foi a experiência em trabalhar em um dos principais centros de tecnologia do mundo? De 1993 a 1999, após a experiência no Japão, fui convidado a fazer meu Doutorado no MIT, dentro do Media Lab. E foi algo fantástico, não só pelos professores, mas principalmente pelos alunos. Eles eram pessoas brilhantes: para se ter ideia, um dos meus colegas de doutorado é um dos responsáveis pelo projeto do Google Glass. Eu estava em um grupo muito legal, ele tinha uma multidisciplinaridade muito grande, consegui voltar a fazer teatro e utilizá-lo na computação...
Teatro? Tudo começou na Escola Federal, a gente calhou de montar um grupo com pessoas naturalmente talentosas para teatro, três pessoas viraram profissionais, mas infelizmente as três morreram muito cedo. Mas as aulas me ajudaram a desenvolver minha capacidade de expressão, isso foi muito importante, consegui me conhecer melhor. Participei de grupos de teatro durante a universidade, um pouco menos no Mestrado, mas no MIT fiz alguns cursos, além de um curso de dança em Harvard, com uma dançarina de 80 anos que era fantástica, brilhante.
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E essa experiência ajudou nas pesquisas no MIT? Utilizei visão computacional em teatro. Estava interessado em como pessoas poderiam interagir em um espaço físico e como o computador poderia controlar esse espaço, em interações complexas a longo prazo que envolvessem histórias. E trabalhei com um ator de verdade, que interagia com um ator virtual controlado pelo computador. O objetivo era entender as ações do ser humano para que o computador conseguisse reagir de maneira apropriada.
Nós tínhamos a visão de que a melhor maneira de inventar o futuro é no presente. E não pensávamos na viabilidade econômica dos projetos: por exemplo, trabalhei em um projeto onde a gente praticamente inventou o que hoje é o Kinect, mas ao custo de 200 mil dólares. Mas aquele era o espírito, o que explica o sucesso do Media Lab em olhar e prever o futuro, o que gera um impacto grande na indústria de TI.
Algum curso ou professor que teve impacto na sua carreira? Me lembro das aulas do Mitch Kapor, ele inventou o conceito de planilha. Ele deu um curso naquela época, um dos melhores que já tive, discutindo os modelos da conexão da banda larga. Ele chamou um especialista em ferrovias nos Estados Unidos e outro em rede elétrica. Discutimos uma série de modelos e percebemos que as TVs por assinatura seriam as mais aptas a introduzir a tecnologia, e foi o que aconteceu. Mas estávamos em 1995!
Então me lembro de gente como o Kapor, uma das pessoas mais inteligentes que conheci, capaz de atrair um grupo de alunos muito interessantes para argumentar e digerir essas experiências. A melhor coisa do MIT é o grupo de alunos de lá, eles são absolutamente brilhantes.
E como foi a sua ida para a IBM? A IBM foi o primeiro patrocinador do Media Lab. Tinha uma pessoa que trabalhava o tempo inteiro dentro do laboratório e ele também recrutava pessoas para a IBM Research. Quando terminei meu Doutorado, em 1999, o departamento de pesquisas estava interessado em estudar interações no espaço e fui contratado para trabalhar no Watson Research Center, em Nova York. A área de pesquisa da IBM cobre o longo, médio e curto prazo. Era diferente do Media Lab por não ser uma instituição acadêmica, mas eu tinha muita liberdade e muito espaço para explorar minhas ideias.
Durante cinco anos, explorei novas maneiras e novas interfaces para ambientes físicos, comecei um projeto que envolvia interfaces projetadas que reconheciam os gestos, transformando uma superfície plana em uma tela interativa. Fizemos uma demonstração ao vivo no Today¸ da NBC, com 10 milhões de pessoas assistindo ao programa ao vivo: o jornalista andava pelo supermercado, via as opções de compra no chão e interagia com o pé. Nós projetávamos pegadas para a prateleira selecionada e também fornecíamos informações com as características dos produtos.
A ideia acabou não se transformando em um produto da IBM, mas resolvemos uma série de tecnologias e desenvolvemos muitas patentes, além de iniciar essa área de interfaces projetadas como uma área de pesquisa consolidada.
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Qual é o clima de trabalhar em um centro de pesquisas como da IBM? Em Watson há uma característica interessante em que você trabalha em grupos com pessoas sênior, onde aprendemos muitas coisas. Você vê o cara trabalhando do seu lado, discutindo o programa e mostrando brilhantemente como fazer melhor. Na universidade há uma relação entre o professor e o aluno, e em um laboratório de pesquisa você está em um ambiente de cooperação de trabalho.
Em 2005, começamos um projeto da criação de uma ciência de serviços e fiquei muito interessado porque no centro disso estão as pessoas. Tive a oportunidade de trabalhar com interações complexas entre pessoas e máquinas, fizemos uma série de trabalhos interessantes, tentando entender esses sistemas e como isso pode ser melhorado.
E como aconteceu sua transferência para o Brasil? Em 2008, surgiu uma oportunidade muito interessante. A IBM estava considerando a possibilidade de abrir um laboratório de pesquisa no Brasil e, por isso, fui enviado de volta ao país depois de 15 anos, para tentar entender esse futuro laboratório. Esse processo demorou dois anos: junto do Fábio Gandour, que é o cientista-chefe responsável pela área de pesquisa da IBM Brasil, trabalhamos juntos para criar uma agenda de pesquisa para analisar os assuntos desse laboratório e verificar os possíveis parceiros. Fizemos muitos modelos, conversamos com empresas, governo e, após 3 mil apresentações de Power Point, finalmente trouxemos a IBM Research para cá.
O que está sendo pesquisado nos laboratórios da IBM no Brasil? Nós identificamos quatro áreas de pesquisas: recursos naturais, microeletrônica, desenvolvimento social e serviços. E o principal motivo para criar um setor de serviços é desenvolver tecnologias para bancos, varejo e governo em um país considerado estratégico para a IBM.
Um dos projetos em que estive envolvido foi a implantação do Command Center no Rio de Janeiro. Desenvolvemos uma tecnologia para previsão do tempo em alta resolução, sendo possível prever se haverá temporais em áreas de risco, por exemplo, com 48 horas de antecedência.
Também temos um grupo que estuda plataformas para computação em nuvem, onde desenvolvemos projetos para adaptar serviços de cloud computint e analytics.
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Recentemente, a IBM anunciou a ferramenta Ei!, que procura medir o sentimento dos torcedores no Twitter. Como se deu o desenvolvimento da tecnologia? Em minha volta ao Brasil, percebi que a noção de mídia social no país é muito grande. Por isso, começamos a olhar essas tecnologias e fazer com que elas funcionem em português. Uma delas é a análise do sentimento dos torcedores durante a Copa das Confederações nos jogos do Brasil. Um jogo tem a média de 400 mil tweets, e a gente olha o Twitter porque reúne a maior quantidade das mensagens durante o jogo, além de ser mensagens públicas.
No último jogo contra o Paulinho fez o gol, tivemos um pico de 40 mil tweets em um minuto e espero que neste domingo tenhamos outros picos (risos).
Mas o interessante ao desenvolver esse projeto foi perceber a complexidade em analisar as mensagens. É necessário limpar erros, já que algumas pessoas escrevem Ruck ao invés de Hulk, ou Neimar. Além disso, era necessário verificar se o conteúdo era positivo ou negativo. Não parece, mas era um problema difícil de resolver que foi superado.
Um profissional recém-formado deve ir para outro país estudar e trabalhar ou há boas oportunidades no Brasil? Acho que existem as duas coisas. Estamos em um momento interessante de pesquisa no Brasil, com pesquisas na área de TI, no sentido industrial. Teve todo um processo na academia para a formação de doutores e isso foi positivo: um dos motivos para a IBM vir ao Brasil foi a existência de pesquisadores de qualidade.
Mas a experiência internacional é muito importante e em ciência é quase fundamental. Quando estava no mestrado, na década de 1980, não tinha essa opção, eu precisava sair do país, mas agora é possível fazer mesclas interessantes: posso ir para os Estados Unidos, mass também passar seis meses na África para ter uma visão de outra realidade, tudo isso é muito importante para um pesquisador. Estamos em um mundo global e, quanto mais experiência, melhor.
Minha carreira é complicada, muitas coisas ocorreram por acaso, sempre que eu planejei demais minha vida, ela foi virada do avesso. Minha ida ao Japão foi quase por acaso e ela mudou minha vida, ela me qualificou para o MIT.
Uma pessoa que deseja se tornar um pesquisador deve saber que é um processo longo, doído. Fazer um doutorado não é fácil e não é para todo mundo, mas hoje você pode fazer no Brasil, fazer fora o país, para trabalhar na academia ou na indústria.
Qual o conselho para um profissional que deseja trabalhar em grandes empresas de TI? Eu acho que o principal, de tempos em tempos, é a necessidade de se reinventar. No MIT, trouxe minha experiência em matemática e também no teatro. E quando trabalhei com serviços na IBM, trouxe tudo aquilo que aprende na interação homem-máquina e agora estou aprendendo mais coisas na área de redes sociais.
Dá trabalho, a gente tem que aprender uma série de coisas novas, mas nunca tive medo de aprender, e isso é fundamental. Não podemos ter medo de nos reinventar e, de preferência, a cada 5 ou 10 anos.