Bill Gates no Brasil (Samuel Iavelberg)
Da Redação
Publicado em 28 de outubro de 2014 às 14h37.
Há 27 anos, um jovem chamado William H. Gates III vinha pela primeira vez ao Brasil, verificar quais as condições do país para a entrada de sua empresa de softwares a Microsoft. Com 12 anos de existência e 1 600 funcionários, a companhia faturava 197 milhões de dólares por ano e havia acabado de lançar um software em CD-ROM ao invés do disquete, como era comum. O executivo de 31 anos tentava convencer os consumidores de que a interface gráfica do Windows, que estava em sua versão 1.04, era a melhor forma de trabalhar com microcomputadores, uma evolução das linhas de código do MS-DOS.
Hoje, 28 de outubro, o executivo completa 59 anos. William H. Gates III já é mais conhecido pelo apelido, Bill. Célebre após passar quase dez anos como a pessoa mais rica do mundo atualmente, é o terceiro colocado na lista , Gates deixou de ser presidente da Microsoft em 2000 e se "aposentou" em 2007, para voltar neste ano como "assessor tecnológico" da companhia. Sua empresa é uma gigante da economia mundial, com faturamento de 62 bilhões de dólares em 2013 e 89 mil funcionários.
Em 1987, quando Bill Gates fez sua primeira visita ao país, INFO (que na época ainda era chamada de Exame Informática) conversou com o fundador da Microsoft.
Na entrevista, conduzida pela jornalista Rosana Dias, Gates conta como se assustou com a burocracia brasileira, questionou a então vigente lei de reserva de mercado (que impedia a importação de produtos de informática para desenvolver a indústria nacional no segmento), cutucava a Apple e dizia não ter planos de fazer outro produto que não fosse software.
Confira a entrevista na íntegra:
A estratégia do gênio
Surpreso com a competência do país, o maestro da Microsoft dispõe-se a negociar software com empresas brasileiras
A mesma velocidade que tradicionalmente imprime ao acelerador de seu Jaguar costuma acompanhar William H. Gates III na condução de seus negócios. Ágil em ideias, planos e ação, este jovem de 21 anos logo decidiu abandonar a Universidade de Harvard para curtir sua paixão por computadores. Não demorou mais que 12 anos, também, para criar e transformar a Microsoft Corporation na segunda maior empresa de software dos Estados Unidos. Em um verdadeiro golpe de mestre, Bill Gates levou a Microsoft para o centro do mercado de computadores pessoais, ao desenvolver o famoso MS-DOS, sistema operacional que acompanha hoje mais de 9 milhões de micros IBM-PC.
Como todo toque de genialidade também requer boa dose de suor, o jovem empresário costuma iniciar seu dia de trabalho às 9h30, mantendo o pique até meia-noite. Nos fins de semana, ele consome horas testando novos produtos e lendo livros técnicos. Esta perseverança certamente ajudou-o a fechar recentemente um novo contrato com a IBM o software Windows, desenvolvido pela Microsoft para controlar as fundações básicas do computador. Além de rodar software aplicativo, deverá acompanhar cada máquina da nova geração com a qual a IBM quer consolidar-se no mercado de micros pessoais.
Disposto a reforçar a expansão da Microsoft no mercado internacional, o empresário, que figura na lista dos 100 homens mais ricos do seu país, veio ao Brasil com a agenda lotada de encontros com empresários e representantes do governo. Antes de chegar, já deixava claro que a Microsoft não estava disposta a admitir a cópia indiscriminada de seus programas: a empresa enviou uma carta de notificação a todos os fabricantes nacionais de micros de 16 bits que utilizavam em suas máquinas o sistema MS-DOS. "A Microsoft está disposta a licenciar o MS-DOS no mercado brasileiro", afirma Gates. Tudo depende, porém, da aprovação da Secretaria Especial de Informática (Sei) e da regulamentação do mercado de software, cujo projeto de lei já foi enviado ao Congresso Nacional. Em entrevista a Exame Informática, Bill Gates fala do mercado brasileiro, da legislação de informática e dos planos da Microsoft no mercado internacional. A seguir, os principais trechos da entrevista:
EXAME INFORMÁTICA O que o motivou a vir ao Brasil?
GATES É a primeira vez que venho ao país, e o objetivo é conhecer o mercado de microcomputadores e averiguar como a Microsoft pode participar mais da evolução da informática por aqui.
Na sua opinião, qual o estágio do mercado brasileiro?
Tinha poucas informações sobre o Brasil, e foi uma surpresa agradável encontrar profissionais atualizados em relação aos mais recentes desenvolvimentos da área de informática. Não só existe competência no que se refere à fabricação de microcomputadores, como a sua utilização me parece extremamente criativa. Fiquei satisfeito também em saber quão popular é o MS-DOS e outros produtos da Microsoft. De outro lado, me surpreendeu detectar o quanto é complexo fazer negócios na área de informática no Brasil
As dificuldades advêm da existência da politica de reserva de mercado?
Em parte, sim. O cenário do mercado brasileiro é mais complexo que o de qualquer outro país. Aqui, a situação ainda é de muita incerteza, em relação à legislação proposta para área de software, à formação de joint-ventures e à remessa de pagamentos ao exterior.
Até que ponto a decisão da Microsoft de concretizar novos negócios no Brasil depende da definição destes fatores?
Eu não sou um político. Sou um expert em microcomputadores. Mas sou um otimista e acredito que estas questões deverão ter um encaminhamento adequado. Caso contrário, tenho a impressão que será negativo para os usuários, para os fabricantes de equipamentos que desejam trabalhar conosco e para a própria Microsoft.
Você discorda do caminho adotado pelo Brasil via reserva de mercado para a área de informática?
Não há como negar que a informática é uma área extremamente importante, e qualquer legislação que fomente o treinamento de mais engenheiros e investimentos no setor é positiva. Mas, na área de microcomputadores, acredito que o melhor seria o país permitir o ingresso de componentes, os chips, e também do software necessário à movimentação das máquinas, deixando espaço para atuação de empresas como a Microsoft. Se trabalharmos juntos, acredito que será possível termos no Brasil microcomputadores de nível internacional.
Quais seriam as perspectivas da Microsoft no Brasil caso seja aprovada a regulamentação que incluiria a lei do similar nacional e impediria a comercialização do MS-DOS?
Os fabricantes de microcomputadores no Brasil já haviam revelado a sua intenção de trabalhar conosco. Acredito que hoje eles entendam melhor os benefícios de um relacionamento baseado na troca de idéias, software e até transferência de tecnologia. É preciso chegar a um acordo, uma vez que o MS-DOS está sendo copiado em níveis grandes, extensos. Como vários fabricantes manifestaram a intenção de trabalhar conosco, seria desnecessário ingressar em juízo. O mais interessante é licenciar o produto junto a estes fabricantes.
A Microsoft estaria disposta a realizar contratos de transferência de tecnologia nesta área?
Se for necessário, estamos abertos para adotar alternativas. Não vejo maiores problemas, mas acho que alguns parâmetros de transferência de tecnologia seriam aceitáveis, outros não. Afinal, nós temos grandes investimentos em software.
Qual a representatividade do mercado brasileiro para a Microsoft?
No momento é pequena, mas o mercado brasileiro é extremamente importante. Acredito que nos próximos 4 a 5 anos o Brasil deverá ser incluído entre os nossos dez maiores mercados. A Microsoft trabalha sempre com uma visão de longo prazo e acho que o mercado de microcomputadores tem um futuro promissor no Brasil.
Além da Compucenter, a Microsoft autorizou, recentemente, um segundo representante de seus produtos no Brasil, a Intercorp. A meta é ampliar ainda mais o número de revendedores?
Tornar o processo de distribuição mais abrangente é parte importante da estratégia da Microsoft, no sentido de intensificar nossos esforços no mercado brasileiro. Mas, a curto prazo, não temos planos de autorizar novos distribuidores.
Quais são hoje os principais mercados da Microsoft?
Em primeiro lugar está o mercado norte-americano, com pouco mais de 50%. Depois vêm o Japão, a Alemanha e a França.
Qual a estratégia da Microsoft no que se refere a investimentos em pesquisa, desenvolvimento e comercialização?
Nossa estratégia é sempre a de marcar presença em todas estas frentes de atuação. É claro que o desenvolvimento de programas merece sempre um tratamento prioritário. Mas a empresa também licencia e distribui software. A Microsoft é responsável, por exemplo, pela maior parte da distribuição do software Unix no mercado mundial, que licenciamos da AT&T e revendemos.
Qual tem sido o crescimento da Microsoft?
O crescimento tem sido significativo. Enquanto em 1982 nosso faturamento correspondeu a 25 milhões de dólares, no ano passado já chegou a 197 milhões de dólares. Até o final deste ano, devemos manter o mesmo porcentual de crescimento registrado no ano passado, de 40%.
Como se dá o relacionamento da Microsoft com os fabricantes de equipamentos?
Nossa filosofia de trabalho é ficar sempre próximos dos fabricantes. Este é, basicamente, o nosso diferencial no mercado, uma atitude única entre as empresas de software. Foi com base neste método de trabalho que desenvolvemos o desenho original dos processadores do microcomputador da IBM. Hoje, existem no mercado mundial mais de 9 milhões de equipamentos que utilizam o nosso sistema operacional padrão, o MS-DOS. A Apple é um caso especial. É a única empresa que não utiliza a versão do MS-DOS em seus equipamentos, mas, como a maior parte dos aplicativos do Macintosh foi desenvolvida por nós, temos um relacionamento bastante próximo.
O que mais diferencia a Microsoft dos concorrentes?
Acredito que todos na indústria concordam que somos os mais visionários em relação ao futuro dos computadores pessoais. Quer se trate de sistemas gráficos, o CD-ROM (compact disk read only memory) ou redes, procurarmos sempre aprimorar as pesquisas e encontrar soluções avançadas. A interface gráfica é a melhor maneira de se trabalhar com o microcomputador, e o melhor exemplo disto é o software Windows, desenvolvido pela Microsoft. O CD-ROM permite armazenar no computador mil vezes mais informações que um disquete, aproximadamente com o mesmo custo.
Em seus novos projetos, a Microsoft trabalha com a perspectiva de diversificação de seus produtos?
Temos vários outros projetos. São aproximadamente 400 pessoas, dentro de um quadro de 1,6 mil funcionários, trabalhando em desenvolvimento. Investimos 17% de nosso faturamento anual em desenvolvimento. Hoje, o MS-DOS representa 25% do faturamento, enquanto que o processador de textos Word e o Basic original respondem por 20%. A diversificação, no momento, não está em nossos planos. Vamos nos ater apenas ao software, uma vez que ainda é grande a soma de desafios nesta área.