Tecnologia

Em busca de recomeço, mães migram carreira para programação

Após cursar bootcamp de programação, as mães Grazielle e Driele encontraram uma nova carreira como desenvolvedoras; conheça a história delas

Desenvolvedoras e mães: Driele de Aquino Nogueira (direita), 35, e Grazielle Diandra Silva (esquerda), 30. (Ironhack/Reprodução)

Desenvolvedoras e mães: Driele de Aquino Nogueira (direita), 35, e Grazielle Diandra Silva (esquerda), 30. (Ironhack/Reprodução)

LP

Laura Pancini

Publicado em 9 de maio de 2021 às 07h00.

Última atualização em 10 de maio de 2021 às 09h03.

Conciliar família, filhos e trabalho não é uma tarefa nada fácil e isso ficou ainda mais evidente com a pandemia do coronavírus, quando muitas mulheres foram sobrecarregadas com a dupla jornada de mãe e profissional. Porém, para mães como Driele de Aquino Nogueira, 35, e Grazielle Diandra Silva, 30, o período de dificuldade também se tornou um de oportunidade. 

Desgastadas por suas carreiras nas áreas de finanças e arquitetura, respectivamente, ambas buscaram um recomeço na tecnologia após bootcamps, treinamentos rápidos e imersivos focados em desenvolver profissionais para o mercado de trabalho. As duas cursaram Iron Hack, em São Paulo, mas o número de escolas de programação vêm se proliferando nos últimos meses nas principais regiões do país.

Em entrevista à EXAME, Driele Nogueira conta que passou 13 anos se dedicando a uma carreira como bancária, muito influenciada por sua família, que é composta de pessoas que trabalham na área financeira. Quando a filha, Júlia, tinha um ano de idade, Nogueira se dedicava ao trabalho de segunda à segunda, com direito a apenas uma folga por mês.

Cansada, mas na luta, uma notícia fez com que ela largasse tudo: Júlia havia sido diagnosticada com autismo leve. “Tive que optar entre continuar trabalhando, mas não consegui me dedicar a saúde dela, ou parar minha vida profissional para cuidar dela”, conta a mãe.

Nogueira largou o emprego e decidiu cuidar da filha. Foram inúmeras visitas à médicos, por quase seis anos, até que veio a notícia de que Júlia já estava pronta para ter mais independência e, junto dela, Nogueira também, que sentia falta de uma carreira, mas sabia o novo estilo de vida não se encaixava mais na rotina intensa de bancária.

Assim como Nogueira , Grazielle Silva também passou anos em uma carreira exaustiva, com a diferença de que  — ainda — não era mãe. “Trabalhei 3 anos na área [de arquitetura] e não me encaixava com a área”, conta Silva, que comenta que só decidiu ir atrás do que realmente queria quando começou a ter ataques de pânico. “Queria mudar de carreira, mas não sabia onde me encaixar.”

Nogueira e Silva definitivamente não estão sozinhas na busca por um recomeço. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria McKinsey uma em cada quatro mulheres considerou trocar de carreira ou deixar o mercado de trabalho durante a pandemia, principalmente as que tinham filhos.

Nos casos de Silva e Nogueira, ambas migraram para a tecnologia e programação por conta de seus companheiros, que são desenvolvedores. Realizando exercícios, cursos autônomos e, eventualmente, o bootcamp de desenvolvimento web da Ironhack, não demorou para que elas percebessem que seus olhos estavam brilhando novamente. “Estava dormindo e acordando pensando nisso, então [sabia que era] o que eu quero fazer”, diz Nogueira. 

Quando terminou o bootcamp da Ironhack no início de 2020, Silva logo se tornou professora assistente da empresa, assim como seu namorado. Depois de alguns meses, ela decidiu que estava na hora de ir atrás dos processos seletivos: “Estava no meu cantinho confortável, mas decidi que precisava encarar e realmente ir para o mercado de trabalho”, conta ela.

Foi na reta final de dois processos seletivos que descobriu que estava grávida. “Pensei que minha carreira tinha acabado, que todo meu investimento teria que esperar”, diz. “Eu não sabia se o mercado de trabalho iria me abraçar, porque eu não tinha nenhuma bagagem de carreira.”

Mesmo sabendo que empresas não têm o costume contratar mulheres grávidas, ela decidiu ser honesta na sua última entrevista. Ela acreditava que sua gravidez iria tirá-la do processo seletivo, mas, por sorte, o esperado não aconteceu: “Eu estava desesperançosa, mas ele [gestor] me deu uma bronca e disse: ‘Se alguma empresa faz isso, ela está errada’.”

“Na hora que fui contratada, queria muito provar que era desenvolvedora e concluir a transição de carreira, mas acabei ficando feliz como mulher, pensando no privilégio que estava tendo e a barreira que tinha acabado de quebrar”, afirma. “Eu fui contratada grávida, sabe? Chorava de alegria por essa conquista. Sei que tenho sorte e fico muito feliz de fazer parte dessa mudança.”

Já para Nogueira, que se formou no começo de 2021, o processo infelizmente não vem sendo o mesmo. Apesar de já estar na fase final para garantir uma vaga como desenvolvedora, ela teve que enfrentar situações de misoginia, como escutar de um concorrente que “você não precisa aprender, pode ser burra o suficiente porque é mulher”, relembra Driele. Em outra entrevista, ouviu propostas com remunerações diferentes: "para mulher, o salário é de R$ 1.500 e, para homem, é R$ 2.500.”

Apesar do setor de tecnologia ser um dos grandes destaques de contratações ao longo de 2020, a representatividade feminina na área ainda é muito baixa. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE, as mulheres representam só 20% dos profissionais que atuam no mercado de tecnologia.

“Pelo que já passei, acabo tirando um pouco de letra. Como já tive experiência em banco, que era só surra, surra e surra, para mim é até mais tranquilo”, brinca Nogueira, que diz que sabe que seu ‘sim’ não virá de empresas como as citadas, e sim “de outra muito melhor”. 

Grávida, Grazielle teve uma experiência tranquila como desenvolvedora júnior. Passou nove meses trabalhando até tirar licença-maternidade dois meses atrás, quando sua filha, Luísa, nasceu. Para ambas as mães, a flexibilidade e o home office são dois pilares da área de tecnologia que fazem com que conciliar a maternidade e o trabalho seja mais leve. “A área de tecnologia é super flexível, então focam muito nos resultados”, diz Silva.

Nogueira tem visão similar em relação à flexibilidade, afirmando que "o home office faz com que eu consiga ter meu próprio horário. Se eu continuasse na área bancária, isso não seria viável. Sou programadora, mas posso trabalhar no conforto da minha casa, posso ter minha filha do meu lado.”

Sobre o curso da Ironhack, as mães resumem a experiência como uma “loucura boa”. Grazielle ressalta que 100% da sua renda e de seu companheiro são graças ao curso. “É louco, é intenso, mas a proposta é essa: imersão. Você entra nas empresas e é tão bom quanto ou melhor que outros júniors.”

Para outras mães que podem estar interessadas na área de programação, Grazielle e Driele dizem que não é necessário ter medo. Não sinta que não é seu lugar, porque o seu lugar é em qualquer lugar”, aconselha Nogueira. “Tenha força, porque na hora que você conseguir, ninguém vai baixar sua autoestima.”

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