Disputa: o WhatsApp não é o primeiro aplicativo de propriedade do Facebook a copiar o recurso (Getty Images/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 2 de março de 2017 às 16h03.
Última atualização em 2 de março de 2017 às 16h05.
Seja na escola, na universidade ou no trabalho, quem copia o texto escrito por outra pessoa, sem indicar a fonte, acaba mal visto e pode sofrer punições severas.
O mesmo princípio poderia ser aplicado para o mundo do software: escrito pelos programadores, o código por trás dos aplicativos é único, como um texto literário.
No entanto, definir se um aplicativo foi copiado por um concorrente e provar isso na Justiça pode ser mais difícil do que parece.
A discussão tem ganhado força com a disputa acirrada entre o gigante Facebook e o Snapchat, que está prestes a abrir capital nos Estados Unidos.
Na última semana, o WhatsApp - aplicativo de propriedade do Facebook - ganhou um recurso que permite aos usuários publicar fotos, vídeos e GIFs que desaparecem em 24 horas, recurso idêntico ao existente no Snapchat.
O app de mensagens não é o primeiro aplicativo de propriedade do Facebook a copiar o recurso. O Instagram lançou uma ferramenta similar em agosto de 2016; logo depois, em novembro do mesmo ano, o Facebook lançou o aplicativo Flash, exclusivo para Brasil, com os mesmos recursos do concorrente.
"Existe uma guerra no segmento de vídeos efêmeros", resume o analista da consultoria Nielsen, José Calazans.
"O Facebook percebeu as possibilidades neste mercado e tenta desestabilizar o Snapchat, para ganhar os seus usuários, já que ele não conseguiu comprar a empresa há alguns anos."
Em novembro de 2013, a empresa liderada por Mark Zuckerberg fez uma oferta de US$ 3 bilhões pelo Snapchat, mas ela foi recusada.
Atualmente, o Snapchat tem 158 milhões de usuários por dia, o que faz do aplicativo uma comunidade pequena perto dos quase 2 bilhões de usuários mensais do Facebook, 1 bilhão do WhatsApp e 600 milhões do Instagram.
A Snap - startup dona do Snapchat - é dona da patente de galerias de mensagens efêmeras que, no aplicativo, é chamada de Stories e exibe fotos e vídeos de um determinado período.
Até o momento, a startup não protestou publicamente contra as imitações do Facebook. Procurada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", a empresa não comentou o assunto.
E a ausência de uma atitude revela muito sobre o funcionamento da indústria global de software. "É um acordo de cavalheiros", diz Flávio Stecca, presidente executivo do aplicativo de conteúdo infantil PlayKids - que já foi imitado várias vezes por empresas menores.
"O Facebook é dono de patentes que são usadas pelo Snapchat, como a busca personalizada e a linha do tempo. Por isso, é natural que o Snapchat não reclame quando o Facebook usa suas patentes.
"Em comunicado, o Facebook rebate as acusações de plágio, dizendo que apostou em um novo formato. "Da mesma maneira que o Facebook inventou o formato feed de notícias, que agora é usado por diversas plataformas, nós também vemos o Stories como um formato. Esse é simplesmente o nome dado a essa determinada forma de compartilhar."
O catálogo de patentes do Facebook é bastante superior ao da Snap: enquanto a rede social tem mais de mil patentes, a rival registrou 28 tecnologias até o momento, incluindo a caixa que carrega os óculos Spectacles e o modo de operar a câmera no celular.
As patentes são parte importante da estratégia das empresas de tecnologia. O Google, por exemplo, comprou a fabricante de celulares Motorola em agosto de 2011 para tentar frear uma série de processos relacionados ao sistema operacional Android.
Ao revender a empresa para a Lenovo, em janeiro de 2014, a empresa manteve as patentes. O próprio Facebook já comprou 750 patentes da gigante de tecnologia IBM depois de ser acionado na Justiça por infringir dez criações do Yahoo. A estratégia colocou um ponto final no processo.
Segundo especialistas consultados pelo jornal, identificar quando um software é fruto de plágio é muito difícil. "Se for uma reprodução exata do código, uma ação contra a empresa pode ter sucesso", explica o advogado Ademir Antonio Pereira Junior, especialista em direito digital do escritório Opice Blum Advogados.
"Mas é muito difícil afirmar que é plágio se a interface não é idêntica, pois o software patenteado pode apenas ter servido como inspiração."
Na prática, se o Facebook fosse processado pelo Snapchat, peritos indicados pela Justiça comparariam o código dos aplicativos.
"Embora os recursos sejam muito parecidos, o código pode ser diferente", afirma o professor de ciência da computação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Eduardo Morgado.
A Snap já dá sinais de que está se transformando em uma empresa diferente para ficar menos dependente do recurso que tornou o Snapchat famoso.
No início de fevereiro, ao divulgar suas informações financeiras no processo de abertura de capital - que deve ocorrer em março -, a Snap definiu-se como uma empresa de câmeras. Isso aconteceu quatro meses após o lançamento do Spectacles, óculos com câmera para filmar vídeos curtos e publicar direto no APP.
Para o diretor executivo do Instituto de Tecnologia do Rio (ITS-Rio), Fabro Steibel, o Snapchat terá que inovar mais do que nunca para sobreviver.
"É agora que o Snap terá que mostrar o seu poder criativo", afirma Steibel. "As principais transformações vão acontecer a partir de agora."
O especialista lembra que o Foursquare, aplicativo de geolocalização que introduziu o recurso de check-in em lugares, em 2009, viveu um drama parecido. "
O Foursquare era referência em check-in", diz Steibel. "O Facebook incorporou o recurso e, hoje, poucos lembram do Foursquare."