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Da pandemia para a Copa: os planos da fintech de biometria facial Payface

Em dois anos, startup de reconhecimento facial já captou R$ 3 milhões em investimentos no primeiro semestre e foi selecionada para projeto no Catar

Os sócios Ricardo (à esq.) e Eládio comemoram o sucesso da empresa (Divulgação/Divulgação)

Os sócios Ricardo (à esq.) e Eládio comemoram o sucesso da empresa (Divulgação/Divulgação)

KS

Karina Souza

Publicado em 24 de novembro de 2020 às 07h10.

Última atualização em 24 de novembro de 2020 às 08h46.

O uso da biometria facial já não é algo exatamente novo para os brasileiros: pelo menos trinta e sete iniciativas foram lançadas no país com esse foco entre 2018 e 2019, com aplicações principalmente nos setores de segurança pública, transportes e controle de fronteiras. Buscando um filão diferente desse mercado, a startup Payface nasceu em 2018, com o objetivo de usar a biometria facial para autorizar pagamentos em estabelecimentos físicos.

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A ideia para montar a empresa surgiu de uma experiência bastante comum: a demora nas filas para comprar comida nos refeitórios da universidade. Ricardo Fritsche, que voltou a esse ambiente depois de uma trajetória empreendedora inicial de sucesso, começou a pensar em maneiras de tornar esse processo de compra mais acelerado e eficaz. Ao mesmo tempo, seu (agora) sócio Eládio Isoppo procurava uma oportunidade para investir no setor de meios de pagamento, que já estudava há algum tempo.

“Eu conheço o Ricardo há quase onze anos. Estava observando os IPOs (ofertas públicas de ações) de adquirentes e comecei a pensar em formas de entrar nesse mercado. Conversamos e decidimos criar a Payface. Desenvolvi um plano de negócios, que seguimos até hoje, e nele pontuamos todas as fases de crescimento do negócio, a fim de ter um resultado consistente”, afirma Eládio Isoppo, CEO da Payface.

O plano, é claro, prevê crescimento contínuo – que a companhia está conseguindo alcançar. Desde sua fundação, passou por sucessivas fases de desenvolvimento e, este ano, captou R$ 3 milhões em uma rodada de investimentos finalizada em maio. Pouco tempo depois, foi escolhida como a única fintech da América Latina a participar de um programa de aceleradora de startups no Catar.

“Foi algo que surgiu de forma espontânea, com os responsáveis pelo projeto nos acionando diretamente. Ficamos muito felizes com a oportunidade, principalmente pelo potencial que o Catar demonstra, com uma visão de longo prazo a respeito do desenvolvimento tecnológico local e da própria região onde está inserido”, diz Isoppo. Ainda que recente, o contato com o país abre as portas para a startup planejar novos passos no Oriente Médio e norte da África.

E, já que se está no Catar, por que não sonhar com o alcance internacional proporcionado pela Copa de 2022? Esse é um desejo mencionado pelo CEO da companhia. Ainda que não tenha parceiros locais para viabilizá-lo, ele acredita que o contato com o Catar pode ajudar a tirar isso do papel. “Seria um grande passo para a Payface, mas, de qualquer forma, gostamos muito do compromisso de desenvolvimento que o país nos apresentou, com um plano que vai até 2030”, afirma Isoppo.

App de pagamentos está presente em quase todas as regiões do país (Divulgação/Divulgação)

Enquanto o sonho de milhares de quilômetros de distância ainda não se torna realidade, a companhia direciona seus esforços para crescer localmente. Como parte dessa estratégia, a startup fechou uma parceria com a Software Express, dona de 60% do mercado de Transferência Eletrônica (TEF) no país. Apesar de ser uma gigante “não tão famosa”, a empresa está presente em pelo menos 100 mil estabelecimentos comerciais no país.

Essa presença ampla e diversificada deve dar ainda mais fôlego à Payface. Colocando isso em números: a companhia espera aumentar a quantidade de transações realizadas em sua plataforma em 200% e gerar um aumento de dez vezes em receita já no próximo ano.

Além do impulso dado pela parceria, a startup deve continuar investindo em clientes de estabelecimentos físicos da mesma forma como já vinha fazendo. O foco é direcionado a supermercados, farmácias e lojas que emitem cartões próprios (chamados de Private Label, no jargão). O CEO acredita que o Pix deve intensificar o movimento para meios de pagamento digitais, o que, em certa medida, também colabora para o crescimento da Payface.

“O Brasil tem muitas realidades, tem uma população muito grande que ainda pagava em espécie. Mais da metade dos pagamentos foram feitos em espécie em 2018. Com a pandemia, isso mudou radicalmente, e é um comportamento que não deve voltar atrás. Portanto, enxergamos um potencial significativo par trazer o consumidor que está começando a usar pagamentos eletrônicos”, explica Isoppo.

Com um DNA totalmente digital, é claro que a companhia também estendeu o olhar para além do varejo físico. No primeiro trimestre de 2021, planeja lançar uma solução para pagamentos digitais in-App (dentro dos próprios aplicativos, como fazem alguns apps de transporte, por exemplo). O movimento faz sentido, pensando no aumento contínuo de pagamentos realizados por dispositivos móveis – uma estimativa do ano passado, feita pela FIS, empresa de renome em tecnologia financeira, mostrava que um terço das vendas online já eram realizadas por esses dispositivos.

Tanta inovação e facilidade trazem dentro de si uma questão comum quando se fala de biometria facial: afinal, e a privacidade desses dados?

Para a Payface, é fundamental garantir a segurança dos usuários. A fim de protegê-la, a empresa usa criptografia HSM e desenvolve a maior parte dos softwares que garantem o funcionamento da empresa dentro de casa. Quando não pode contar com soluções totalmente produzidas dentro de casa, a companhia faz parcerias com outras empresas para garantir o serviço aos consumidores. De acordo com o CEO, isso não passa de 10% do total de componentes utilizados pela startup para operar.

“A gente vê muitas empresas tendo a LGPD como uma questão, mas a Payface leva isso em consideração desde o momento em que surgiu. A gente já está atento a essas regras desde o momento em que a GDPR estava presente na Europa e com certeza acompanhamos de perto as discussões no Brasil. Priorizamos muito a segurança”, afirma Eládio Isoppo, CEO da Payface.

Biometria

Especialmente para o mercado de pagamentos, a biometria é vista como uma das principais alternativas para diminuir o índice de fraudes. De acordo com um estudo feito pela Economist Intelligence Unit para a TransUnion, aproximadamente 90% dos executivos brasileiros e 85% dos líderes globais afirmam que esse recurso será popular para autorizar pagamentos dentro de dez anos. O estudo contempla diferentes tipos de mapeamento: impressão digital, reconhecimento facial ou métodos de autenticação de voz.

O relatório, que incluiu respostas de 150 executivos brasileiros e 1.460 do Canadá, Chile, China, Colômbia, República Dominicana, Hong Kong, Índia, Filipinas, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos, afirma que esse avanço pode estar relacionado à criação de um plano nacional de Identidade Digital. A iniciativa é conduzida geralmente por governos, com o intuito de captar os dados da população e servir como uma base de dados confiável.

Apesar do propósito nobre, ceder dados como esses para o governo gera preocupações por parte de cidadãos em todo o mundo. Na China, um tribunal ordenou recentemente que um parque local exclua dados de reconhecimento facial dos visitantes, à medida que as preocupações com a privacidade crescem; no Brasil, o governo de São Paulo anunciou, no Carnaval deste ano, o uso de um algoritmo para analisar imagens captadas pelas câmeras na cidade – e a Justiça pediu detalhes sobre como implementar o projeto. No Rio de Janeiro, uma mulher foi detida por engano após o uso dessa tecnologia.

Como forma de solucionar o problema, mais uma vez, beber da fonte do setor financeiro pode ser a solução. No Brasil, o governo federal estuda um projeto de identidade digital descentralizada, em que cada cidadão teria o controle de suas informações – deixando, estas, de estarem sob o domínio exclusivo de órgãos públicos. A iniciativa está em estudo pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) desde 2017 e explora o uso da tecnologia Blockchain para garantir a segurança desse novo sistema.

Enquanto o setor público tem um passo mais lento para se adaptar às mudanças que a tecnologia é capaz de trazer, o setor privado mantém atenção total a cada nova norma e regulação publicada dentro do setor de meios de pagamento no país – e, às vezes, cria ideias para as quais ainda não existem normas. Foi o caso da Payface. Apesar de ter começado a operar em 2018, a norma do Banco Central que regulamenta a operação de iniciadores de pagamento – empresas capazes de fazer a ponte entre consumidores e comerciantes, sem intermediários – foi regulada somente este ano.

Inovação é o que rege essa startup criada em Florianópolis. A pandemia e a Copa do Mundo são apenas alguns passos rumo à sua trajetória de continuar de olho no futuro dos meios de pagamento.

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