Ime Archibong: "É preciso infraestrutura para que criatividade seja colocada em prática" (Divulgação/Facebook)
Victor Caputo
Publicado em 3 de setembro de 2015 às 06h00.
São Paulo – O Facebook tem um projeto chamado Internet.org que quer levar conexão à internet para pessoas que ainda não estão conectadas. Esse esforço mescla ideias como parcerias com operadoras em diversos países e até o uso de drones para levar conexão a locais remotos.
Ime Archibong, diretor de parcerias de conteúdo do Internet.org, esteve no Brasil duas vezes neste ano. Passou por aqui para falar na Campus Party e, mais recentemente, veio para conversar com desenvolvedores.
Tive uma conversa com Archibong nessa segunda visita. Falamos sobre os impactos sociais que um projeto como a Internet.org pode ter.
Veja abaixo os principais momento dessa conversa.
EXAME.com: O objetivo da Internet.org é conectar a porção do planeta que ainda está offline. Como o mundo mudaria com isso?
Ime Archibong: No início deste ano, passei alguns dias em Jacarta [capital da Indonésia]. Visitei uma escola e vi uma aula de matemática. Os alunos usavam um app para os estudos e para aumentar o engajamento. Todos estavam participando, se envolvendo com o conteúdo. Imagina só, quando eu estava na escola uma calculadora era o máximo da tecnologia presente por lá. Era demais ver aquilo.
Mas foi um pouco triste também. Vi que cinco alunos estavam de fora, pois não tinham acesso à internet. Eu pensei que nós iriamos lançar o Internet.org por lá e que aqueles alunos poderiam ter acesso a um cartão de operadora no mesmo dia. Toda vez que eu penso sobre mudar as vidas das pessoas, eu penso naqueles cinco alunos – e nos alunos como eles ao redor de todo mundo. São experiências como essa que me animam.
E levar internet a esses cinco alunos teria quais efeitos?
Estive falando bastante que inovação acontece em qualquer lugar. Não existe uma falta de criatividade em determinados locais. Não existe uma fórmula que mostre que nos Estados Unidos ou na Europa Ocidental tenha mais criatividade. A fórmula que existe mostra que é preciso infraestrutura pra que o fruto da criatividade seja colocado em prática.
Tenho primos na Nigéria e penso neles. Eles devem ser dez vezes mais espertos do que eu. Mas é preciso estrutura para que isso dê certo. A mesma situação acontece aqui no Brasil, na Indonésia, em todo lugar. É assim que eu penso que as coisas podem mudar.
Além disso, você tem dados concretos muito positivos. Entre eles postos de trabalho que seriam criados ou número de pessoas que sairiam da zona da pobreza. Mas também é preciso pensar além. É preciso pensar nas ferramentas, nos produtos, nas inovações que mudam as vidas das pessoas.
Que tipo de inovação você tem visto?
Tem uma história incrível que ouvi na Índia, do CEO de um app chamado Social Blood. Ele achava impressionante poder saber sobre o aniversário de todos seus amigos, mas nunca saber se um conhecido precisa de doadores de sangue. Esse aplicativo faz essa conexão usando o Internet.org.
Um dia, a esposa de um amigo precisava de sangue e ele publicou sobre isso na rede. Ele recebeu resposta de 12 pessoas, estranhos se prontificando a ajudar com doações. Eu tenho ouvido histórias poderosas como essa. Coisas assim continuarão acontecendo.
Como está a Internet.org aqui no Brasil?
Ainda estamos animados, estamos em uma conversa contínua com operadoras para saber quando poderemos lançar. Ainda não temos nada de concreto para falar.
Temos um mapa com os lugares do mundo nos quais queremos investir e o Brasil está sempre no topo. É um país com 200 milhões e milhões de pessoas que ainda não estão conectadas. Nós vemos esse espaço. Uma das missões do Facebook é deixar o mundo mais aberto e mais conectado.
Que tipo de conversa vocês têm com desenvolvedores aqui?
Queremos que as pessoas entendam nossa plataforma. Passamos alguns dias visitando o país e conversando sobre a nossa visão. Focamos em desenvolvedores que estejam pensando em pessoas que não estão conectadas. A Internet.org é uma porta para toda a web.
É preciso pensar nas ferramenta que esse grupo tem – não são smartphones bacanas como você e eu temos. Temos que permitir que serviços, sites e outros produtos funcionem bem em celulares com menor capacidade.
Estamos em 16 diferentes países. Nós passamos exemplos desses lugares. Queremos que as pessoas entendam o que acontece ao redor do mundo. Que entendam que tipo de ideia é colocada em prática para foquem no tipo de produto que pode ajudar a mudar as vidas das pessoas.
A internet.org muda de país para país?
Não. A plataforma é a mesma em qualquer lugar do mundo.
Mas vocês observam demandas locais?
O Facebook nasceu em 2007. Para chegar a 1,4 bilhão de usuários era preciso ter o interesse local. Não tem como eu sentado em uma cadeira na Califórnia saber o que as pessoas querem ao redor do mundo.
São pessoas e desenvolvedores de outros lugares que nos ajudam a entender como precisamos mudar. É algo crítico para a plataforma. É muito importante estarmos ouvindo o retorno de desenvolvedores e usuários para fazermos da nossa plataforma algo global.
Você escreveu um artigo sobre diversidade em empresas de tecnologia. A Internet.org pode ajudar a deixar o mercado mais igual?
Eu acho que sim. É claro que não é tão simples como “Internet.org é lançado, logo mais diversidade”. A discussão é sobre educação no final das contas.
Li um artigo sobre dois irmãos na Nigéria que tiveram acesso a um computador e usando alguns sites aprenderam a programar. Eles construíram um browser para featurephones [telefones com baixa capacidade de processamento]. Os navegadores disponíveis eram muito pesados. Depois de algumas semanas, eles tinham 40 mil usuários.
Eu vejo coisas assim acontecendo. Como disse, a criatividade está espalhada ao redor do mundo. Com a tecnologia disponível, as pessoas poderão aprender sobre ciência na Indonésia ou criar um app na Nigéria.
Acho que você verá mais africanos trabalhando com tecnologia, mais pessoas de outros lugares e de outras etnias. Isso pode ajudar a melhorar a diversidade no ambiente de trabalho.
Como você vê a relação da Internet.org e da neutralidade da rede? Vocês foram criticados por ativistas.
Nós fomos transparentes sobre isso. Sempre apoiamos a neutralidade da rede. Não queremos, no entanto, uma visão purista sobre isso. De impossibilitar oportunidades.
Neutralidade da rede é algo que apoiamos, mas precisamos de iniciativas para trazer acesso e internet a pessoas que não têm isso. Eu não sou o cara de política que pode falar sobre isso com mais detalhes, mas é assim que eu vejo essa questão. Tem uma frase que Mark [Zuckerberg] fala, “é fazer com que neutralidade não impeça o acesso universal”. Para mim é como se estivéssemos fazendo a coisa certa.