Formigas: insetos sociais desenvolveram ao longo de anos de evolução suas próprias “armas químicas” (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 11 de julho de 2014 às 14h45.
São Paulo– Como os moradores de grandes cidades bem sabem, ambientes com grande aglomeração de indivíduos são favoráveis à disseminação de patógenos e, portanto, requerem cuidados para evitar doenças.
Se nós humanos podemos contar com vacinas, remédios e desinfetantes para nos proteger, os insetos sociais – como abelhas, formigas e cupins – também desenvolveram ao longo de milhares de anos de evolução suas próprias “armas químicas”, que agora começam a ser exploradas pela ciência.
“Uma das estratégias usadas por insetos que vivem em colônias é a associação com microrganismos simbiontes – na maioria das vezes bactérias – capazes de produzir compostos químicos com ação antibiótica e antifúngica”, contou Monica Tallarico Pupo, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP).
Em um projeto recentemente aprovado na primeira chamada de propostas conjunta lançada pela FAPESP e pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, a equipe de Pupo vai se unir ao grupo de Jon Clardy, da Harvard University, para explorar a microbiota existente nos corpos de formigas brasileiras em busca de moléculas naturais que possam dar origem a novos fármacos.
“Vamos nos concentrar inicialmente nas espécies de formigas cortadeiras, como a saúva, pois são as que têm essa relação de simbiose mais bem descrita na literatura científica”, disse Pupo.
De acordo com a pesquisadora, as formigas cortadeiras se comportam como verdadeiras agricultoras, carregando pedaços de planta para o interior do ninho com o intuito de nutrir as culturas de fungos das quais se alimentam. “Isso cria um ambiente rico em nutrientes e suscetível ao ataque de microrganismos oportunistas. Para manter a saúde do formigueiro, é importante que tenham os simbiontes associados”, explicou Pupo.
Os pesquisadores sairão à caça de formigas em parques nacionais localizados em diferentes biomas brasileiros, como Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia e Caatinga. Também fará parte da área de coleta o Parque Estadual Vassununga, no município de Santa Rita do Passa Quatro (SP).
A meta do grupo é isolar cerca de 500 linhagens de bactérias por ano o que, estima-se, dê origem a cerca de 1.500 diferentes extratos. “O primeiro passo será coletar os insetos e fragmentos do ninho para análise em laboratório. Em seguida, vamos isolar as linhagens de bactérias existentes e usar métodos de morfologia e de sequenciamento de DNA para caracterizar os microrganismos”, contou Pupo.
Depois que as bactérias estiverem bem preservadas e catalogadas, acrescentou a pesquisadora, será possível cultivar as linhagens para, então, extrair o caldo de cultivo. “Nossa estimativa é que cada linhagem dê origem a três diferentes extratos, de acordo com o nutriente usado no cultivo e a técnica de extração escolhida”, disse.
Esses extratos serão testados in vitro para avaliar se são capazes de inibir o crescimento de fungos, células cancerígenas e de parasitas causadores de leishmanioses e doença de Chagas. Os mais promissores terão os princípios ativos isolados e estudados mais profundamente.
“Nesse tipo de pesquisa é comum ter redundância, ou seja, isolar compostos já conhecidos na literatura. Para agilizar a descoberta de novas substâncias ativas vamos usar ferramentas de desreplicação e de sequenciamento genômico”, disse Pupo.
Também farão parte da equipe o bacteriologista Cameron Currie (University of Wisconsin-Madison), Fabio Santos do Nascimento (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP), André Rodrigues (Universidade Estadual Paulista em Rio Claro), Adriano Defini Andricopulo (Instituto de Física de São Carlos, da USP), James E. Bradner (Harvard Medical School), Dana-Farber (Cancer Institute), Timothy Bugni (University of Wisconsin – Madison) e David Andes (University of Wisconsin – Madison).
A chamada Fapesp/NIH está vinculada ao programa International Biodiversity Cooperative Groups (ICBG), do qual o Brasil participa pela primeira vez.
Início
Segundo Pupo, o projeto colaborativo é uma ampliação do trabalho que vem sendo realizado no âmbito de um Auxílio Regular aprovado em meados de 2013, que também conta com a colaboração de Clardy e de Currie.
“Estamos estudando uma espécie de abelha [ Scaptotrigona depilis] e uma espécie de formiga [Atta sexdens] encontradas no campus da USP em Ribeirão Preto. Nesse caso, exploramos toda a microbiota dos insetos, tanto bactérias quanto fungos, e alguns compostos isolados estão apresentando potencial antibacteriano e antifúngico bastante acentuado”, contou.
O trabalho está sendo desenvolvido durante o doutorado de Eduardo Afonso da Silva Júnior e Camila Raquel Paludo – ambos com Bolsa da FAPESP. Também tem a participação da bolsista de Iniciação Científica Taise Tomie Hebihara Fukuda.