Hannah Arendt: pós fugir da Alemanha nazista em 1933, morou em Paris até 1940, de onde teve de fugir mais uma vez depois que o governo francês exigiu que os refugiados judeus se apresentassem (Instituto Norberto Bobbio)
Da Redação
Publicado em 9 de agosto de 2013 às 10h53.
São Paulo – Um casamento há muito esperado por parte da comunidade acadêmica ocorreu no fim de julho, em São Paulo. Um novo centro de estudos “uniu” Hannah Arendt (1906-1975), pensadora alemã de origem judaica, uma das mais importantes filósofas do século 20, com o filósofo e professor italiano Norberto Bobbio (1909-2004), expoente da área dos direitos humanos e da democracia.
Entre as testemunhas estiveram Celso Lafer, presidente da FAPESP, que foi aluno de Arendt, Wolfgang Heuer, professor na Universidade Livre de Berlim, Cristina Sánchez Muñoz, professora na Universidade Autônoma de Madrid, e Alexander Bazelow, estudioso independente que trabalhou com Arendt entre 1970 e 1975.
Os quatro participaram do colóquio que marcou a inauguração do Centro de Estudos Hannah Arendt, vinculado ao Instituto Norberto Bobbio, ambos presididos por Raymundo Magliano Filho, ex-presidente da BM&FBovespa, e coordenados por Cláudia Perrone-Moisés, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
“O professor Lafer e a professora Cláudia sempre quiseram promover esse ‘casamento’, esse diálogo entre os dois pensadores, que pensaram muitos temas em comum, só que de perspectivas diferentes e enfrentando a realidade no mesmo tempo: ele com a questão do fascismo, ela com o totalitarismo”, disse à Agência FAPESP a pesquisadora Laura Mascaro, desde novembro na equipe do Instituto Norberto Bobbio para a abertura do centro.
O novo espaço tem objetivos como o de difundir o pensamento de Arendt, criar um ambiente para o estudo de sua obra – que inclui clássicos como As Origens do Totalitarismo – Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo e Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal – e promover publicações, como coletâneas e traduções. No mesmo dia do colóquio, 29 de julho, foi lançada a Revista do Centro de Estudos Hannah Arendt, publicação eletrônica com previsão de periodicidade semestral.
“Aprendi, com Hannah Arendt, que o poder é um agir conjunto e que esse agir pode trazer resultados excepcionais na prática”, escreveu Magliano Filho no editorial da revista. “Da mesma forma, o Centro de Estudos Hannah Arendt é fruto de uma longa história e muitos esforços conjuntos entre o Instituto Norberto Bobbio, seus colaboradores e parceiros.”
Além da Faculdade de Direito da USP, Magliano Filho destacou o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP –, que abrigou entre 2004 e 2010 o Grupo de Estudos e Arquivo Hannah Arendt.
Um dos resultados das atividades desse grupo foi a criação, em 2008, de um blog, mantido atualmente pelo Instituto Norberto Bobbio. O blog também informa sobre eventos, lançamentos, grupos de estudos e atividades do Centro de Estudos Hannah Arendt.
A revista recém-lançada traz ainda textos de Bazelow, Mascaro e Heuer, além de uma entrevista com Lafer, que foi aluno de Hannah Arendt nos anos 1960 na Cornell University, nos Estados Unidos.
“Devo muito à influência de Hannah Arendt, na maneira de lidar com tantos e tantos assuntos. Escrevi muito sobre a obra dela, sobre a temática de direitos humanos, sobre o conceito de autoridade, sobre o juízo reflexivo, que é o juízo da política e o juízo diplomático, que são, entre outras coisas, facetas da minha maneira de ver as coisas”, disse Lafer.
“Hanna Arendt ajuda a parar para pensar, sem ideias pré-concebidas. Como diz [o escritor Italo] Calvino, o clássico é uma obra que nunca termina de dizer o que tem para dizer. Ainda que ela tenha pensado a partir de sua experiência com o século XX, o que ela disse e os conceitos que criou são úteis para entendermos o mundo que nos cerca”, afirmou Lafer.
Seleção de pesquisadores
Após fugir da Alemanha nazista em 1933, Arendt morou em Paris até 1940, de onde teve de fugir mais uma vez depois que o governo francês exigiu que os refugiados judeus se apresentassem. Em 1941, chegou a Nova York. A cidadania norte-americana foi obtida dez anos depois.
Um filme atualmente em cartaz em São Paulo, da diretora alemã Margarethe Von Trotta, apresenta algumas das ideias de Arendt a partir de um período polêmico na vida da filósofa, quando ela, morando nos Estados Unidos, foi cobrir em 1961 para a revista New Yorker o julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém.
Dois anos depois, ela publicou Eichmann em Jerusalém, a partir dos artigos publicados na New Yorker, no qual aborda temas como a natureza do crime do genocídio, o que é o mal e em que medida a capacidade de pensar ajuda a distinguir e diferenciar o bem do mal.
Esses e outros temas deverão ser abordados por um grupo de estudos prestes a ser criado pelo novo centro. O processo de seleção de pesquisadores deverá ser aberto em breve.
“Em princípio, esse grupo, que também dialogará com o pensamento do Bobbio, fará reuniões mensais tendo como base textos desses autores e tentará pensar questões atuais e locais. Porque tanto Bobbio quanto Hannah Arendt tinham essa relação com a política muito forte, com o pensar da política, de como fazê-la”, disse Mascaro.
A biblioteca do Instituto Norberto Bobbio, que dispõe de 1.147 títulos, já conta com a obra completa da autora em português e em seus idiomas de origem e a ideia é expandi-la.
“Buscaremos ampliar a biblioteca adquirindo obras em sua língua original ou em outras traduções também, como inglês e espanhol, porque queremos ser um centro de referência para o Brasil e para a América Latina”, disse Mascaro.
Mais informações sobre o Centro de Estudos Hannah Arendt: http://www.hannaharendt.org.br
Bobbio
No dia 19 de agosto, das 18h30 às 21h30, Lafer lança, sobre o filósofo italiano, o livro Norberto Bobbio: Trajetória e Obra (Editora Perspectiva) na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Av. Paulista 2073, São Paulo.