Entre 1961 e 2010 o trigo e o milho, que contam com programas de melhoramento assistido pela genômica, tiveram aumento da eficiência de produção por hectare muito superior ao da cana (Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2013 às 10h29.
Recife – Os esforços dos últimos anos no Brasil para conhecer melhor o genoma da cana-de-açúcar poderão dar origem, em um futuro próximo, a um programa de melhoramento genético da planta, a exemplo dos já existentes hoje para trigo e milho.
A avaliação foi feita por Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), durante uma mesa-redonda sobre “Desenvolvimentos recentes e desafios da pesquisa em bioenergia no Brasil”, realizada na semana passada durante a 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Recife (PE).
O encontro também teve a participação de Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), e de Antonio José de Almeida Meirelles, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O evento foi coordenado por Glaucia Mendes de Souza, professora do Instituto de Química da USP e membro da coordenação do BIOEN.
De acordo com dados apresentados por Van Sluys, entre 1961 e 2010 o trigo e o milho – plantas consideradas “primas-irmãs” da cana-de-açúcar – tiveram aumento da eficiência de produção por hectare muito superior ao registrado pela cana.
Uma das possíveis respostas para justificar essa diferença, de acordo com a pesquisadora, é que o trigo e o milho contam com programas de melhoramento assistido pela genômica que ainda não existem para a cana-de-açúcar. Isso porque ainda se sabe pouco sobre o genoma da gramínea.
“A construção de um banco de dados contendo informações do genoma da cana-de-açúcar vai nos permitir fazer uma abordagem um pouco mais integrada e chegar a um ponto de melhoramento genético que é utilizado hoje em milho e trigo. No caso da cana, estamos montando essa base de dados a partir do zero”, afirmou.
Programas de pesquisa
Segundo Van Sluys, para desenvolver biotecnologia voltada ao melhoramento de cultivares é preciso conhecer e entender muito bem a estrutura biológica da planta. No caso da cana-de-açúcar, esse desafio é ainda maior.
A planta cultivada hoje é uma variedade híbrida, derivada do cruzamento da espécie Saccharum officinarum com a Saccharum espontaneum, na qual a primeira contribui com a produção de açúcar e a segunda confere à planta vigor e resistência a uma série de pragas agrícolas.
Diferentemente do que ocorre com os seres humanos, em que a contribuição genética do pai e da mãe para seus filhos é igual – cada um contribui com 50% dos genes –, no caso da cana-de-açúcar a participação genética das duas espécies é desigual. A Saccharum officinarum contribui com, aproximadamente, 75% do genoma da planta, enquanto a Saccharum espontaneum participa com os 25% restantes.
Além disso, ainda em comparação com os humanos, que têm 23 pares de cromossomos, a planta possui muito mais, além de ter muito mais sequências repetidas de genes em cada um deles. “Os seres humanos têm em torno de 50% do genoma repetido, enquanto a cana-de-açúcar é capaz de ter muito mais, talvez não tanto quanto algumas variedades de milho, entre as quais esse percentual pode ser de 80%”, disse Van Sluys.
O fato de ser um organismo híbrido, ter um genoma muito grande e com muitas repetições, torna o melhoramento genético da cana-de-açúcar muito desafiador, ressaltou a pesquisadora.
“Existem várias ações realizadas no Brasil, de pouco mais de dez anos para cá, que estão nos ajudando a estabelecer uma base para tornar a biotecnologia eficiente para aumentar a produtividade da cana-de-açúcar”, disse.
Entre essas ações estão o Programa BIOEN da FAPESP e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo.
“Queremos identificar novos caminhos para a manipulação genética do metabolismo de energia de plantas cultivadas, a exemplo do que se faz com o milho”, disse Van Sluys.
Nos últimos anos, os pesquisadores participantes do programa começaram a desenvolver um banco de dados para armazenamento de informações do genoma da cana-de-açúcar.
Quando for concluído, o banco de dados genéticos da cana-de-açúcar possibilitará, eventualmente, incluir a transgenia (manipulação genética) nos programas de melhoramento da planta.
“A partir de ferramentas genômicas que estão sendo construídas, da parceria com os programas de melhoramento e da compreensão da fisiologia da cana-de-açúcar, estamos começando a ser capazes de formar redes gênicas e distinguir, por exemplo, genes de Saccharum officinarum dos de Saccharum espontaneum nas variedades cultivadas”, disse Van Sluys.