Manifestação durante a votação do Marco Civil da Internert na Câmara dos Deputados, em Brasília (Gustavo Lima/Câmara dos Deputados)
Da Redação
Publicado em 25 de março de 2014 às 22h36.
Brasília - Após intensas negociações e diversos adiamentos, a Câmara dos Deputados aprovou em votação simbólica nesta terça-feira o Marco Civil da Internet, projeto considerado prioritário pelo governo brasileiro e que estabelece princípios e garantias para o uso da rede.
O projeto, que trancava a pauta da Casa desde outubro e enfrentou resistências inclusive dentro da base do governo, segue para apreciação do Senado. O Planalto já manifestou interesse em ver a proposta aprovada antes da conferência internacional sobre governança na Internet que ocorrerá no fim de abril, em São Paulo.
"Claro que o ideal seria se o projeto estivesse integralmente aprovado antes da conferência no Brasil", comentou o relator da proposta, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), logo após a votação do projeto. "Se isso for possível, se os senadores entenderem que isso é possível, seria excelente." A aprovação do Marco Civil chegou a ser ameaçada por uma turbulência que atingiu parte da base na Câmara há algumas semanas. Deputados aliados, insatisfeitos com o tratamento dispensado pelo governo, e mais um partido da oposição formaram um grupo informal chamado "blocão", que resultou em derrotas ao Planalto em outras votações.
O Executivo arregaçou as mangas e passou a negociar com os rebeldes temas como reforma ministerial e liberação de emendas parlamentares. O blocão começou a registrar baixas e foi reduzido a quatro ou cinco partidos.
Paralelamente, o governo trabalhou sua articulação especificamente sobre o Marco Civil, cedeu em alguns pontos e conseguiu chegar ao acordo que possibilitou a vitória em uma votação em tempo recorde.
O acordo foi fechado de tal forma que todos os pedidos para votação separada de emendas ao texto foram retirados, além de apenas um partido, o PPS, se posicionar contra a matéria durante a votação.
Já na semana passada, o Executivo recuou e abriu mão de obrigar as empresas que prestam serviços a usuários brasileiros a instalarem no Brasil seus centros de processamento de dados, os datacenters.
O governo também flexibilizou a sua posição e aceitou alterar o texto sobre o ponto que considera a espinha dorsal do projeto: o princípio da neutralidade, que veda o tratamento diferenciado de dados na web tendo em vista sua origem, destino, conteúdo ou aplicativo usado para a transmissão.
As exceções à neutralidade - casos em que dados precisam ser priorizados, como em uma transmissão ao vivo de vídeo ou de uma telecirurgia - serão regulamentados por decreto presidencial. Críticos do parecer do relator temiam que a regulamentação das exceções pudesse extrapolar os termos estabelecidos pelo Marco Civil.
Molon alterou o texto, com anuência do governo, para deixar claro que um eventual decreto sobre o tema terá de respeitar as diretrizes do projeto aprovado nesta terça-feira pela Câmara dos Deputados.
Além disso, a presidente Dilma Rousseff terá de ouvir previamente a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor de Internet (CGI) para formular os decretos de regulamentação da neutralidade.
Molon creditou parte da vitória à mobilização do governo para negociar o tema.
Para o líder do PPS na Casa, deputado Rubens Valente (PR), os demais partidos foram levados a acreditar que a mudança promovida pelo governo foi benéfica e garante a neutralidade. Na opinião dele, o projeto restringe a liberdade na Internet ao permitir que o governo continue com a prerrogativa de determinar as exceções a esse princípio.
"Sem a lei, a neutralidade já estava mantida. Ainda bem que o PPS votou contra esse projeto", disse.
Com o objetivo de aumentar a segurança e a privacidade de dados na Internet e assegurar condições mais igualitárias de acesso à rede mundial, a proposta passou a ser acompanhada de perto pelo Planalto após denúncias de que agências de inteligência norte-americanas teriam espionado dados do governo, de empresas e cidadãos brasileiros.
Operadoras
O sindicato que representa as operadoras de telecomunicações disse nesta terça-feira ter recebido positivamente a aprovação do Marco Civil, uma espécie de constituição dos direitos dos internautas brasileiros.
Em comunicado, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) afirmou que o texto aprovado, mesmo não sendo a proposta ideal, "assegura que seja dada continuidade aos planos existentes e garante a liberdade de oferta de serviços diversificados, para atender aos diferentes perfis de usuários".
As operadoras se opunham ao princípio-base do texto, que era a neutralidade da rede, segundo o qual todos os serviços on-line - sejam eles e-mails, redes sociais, vídeos ou aplicações de voz sobre IP (VoIP) - terão de ser tratados igualitariamente. As empresas alegavam que isso limitaria o modelo de negócios.
Para os ativistas da web, a neutralidade evita que a Internet seja transformada em um serviço parecido com a TV a cabo, em que o cliente pagaria pacotes de serviços de acordo com o que iria acessar - somente e-mails, por exemplo - em vez de ter acesso a toda a Internet por meio dos pacotes de diferentes velocidades, como ocorre atualmente.
A aprovação do texto foi viabilizada depois de um acordo que determinou que exceções à neutralidade serão regulamentadas por decreto presidencial.
"Dessa forma, preservando democraticamente a liberdade de escolha dos consumidores, fica preservada também a oferta de pacotes diferenciados, como os de acesso gratuito a redes sociais, que hoje são utilizados por dezenas de milhões de usuários, especialmente nos celulares", diz o comunicado do sindicato.
Segundo as operadoras, o texto aprovado garante um tratamento mais adequado aos diferentes perfis de usuários da Internet e uma "massificação mais intensa dos serviços de banda larga no Brasil".
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