iFood: após decisão do Cade, empresa fica impossibilidade de fazer contratos de exclusividade com restaurantes (iFood/Divulgação)
Thiago Lavado
Publicado em 10 de março de 2021 às 19h18.
Última atualização em 13 de março de 2021 às 10h33.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) anunciou nesta quarta-feira, 10, a imposição de medida preventiva contra o iFood, impedindo a plataforma de firmar novos contratos de exclusividade com restaurantes. A decisão tem caráter liminar e ainda depende de julgamento final do caso pelo Cade.
A decisão é fruto de uma investigação aberta a partir de uma denúncia da concorrente Rappi no ano passado, que alegou que o iFood, por sua posição de dominância no mercado, restringia a concorrência de demais players ao firmar estes contratos.
No decorrer do processo, outras empresas, como Uber Eats, além da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e a Associação Nacional de Restaurantes endossaram o caso contra os contratos de exclusividade firmados pela plataforma.
"Para evitar prejuízos ao mercado e garantir o regular funcionamento das empresas no setor de serviços de pedido e entrega on-line de comida, a SG/Cade adotou a medida preventiva. O iFood não poderá firmar novos contratos que contenham acordo de exclusividade. A Superintendência também estabeleceu que a empresa não deverá alterar contratos já celebrados sem cláusula de exclusividade, para fazer constar a previsão restritiva, até decisão final do caso", disse o Cade em nota publicada no site do órgão.
Procurado, o iFood afirmou receber a decisão "com tranquilidade" e adicionou que "mantém em vigor os contratos firmados pela empresa com seus parceiros exclusivos", para garantir segurança jurídica do setor e continuar "apoiando o crescimento dos seus parceiros exclusivos, especialmente em um momento tão desafiador".
"O iFood tem convicção de que as suas políticas comerciais são legítimas e pró-competitivas, e beneficiam especialmente os próprios restaurantes. A empresa seguirá cooperando com o CADE, como sempre fez, para esclarecer quaisquer dúvidas e preocupações que a autoridade possa ter", afirmou a plataforma em nota.
Em sua defesa durante o processo, o iFood alegou que os contratos eram parte da dinâmica do mercado, e que também eram práticas das concorrentes. Procurado pela Exame nesta quarta, o iFood ainda não se manifestou sobre o caso.
Para Sérgio Saraiva, presidente da Rappi no Brasil, a combinação dos contratos e da concentração de mercado na mão do iFood, criava uma situação ímpar no setor e que gerava competição injusta no mercado. "Quem se beneficia são donos de restaurante e usuários, que não ficam tão presos a um único aplicativo", disse em entrevista à Exame.
"O Cade está se manifestando no sentido de entender o mercado de plataformas, para que ele seja mais competitivo e mais saudável, para que restaurantes tenham mais opções", afirmou Saraiva.
Para Victor Cavalcanti, advogado sênior do Mudrovitsch Advogados, que assessora a Rappi, a decisão preventiva foi tomada de maneira rápida pelo órgão regulador, que entende as dinâmicas em jogo nas plataformas digitais. Com a participação, além da Rappi, de Uber Eats e associações, o Cade teve mais segurança para intervir. "Há fragilidade econômica no setor, novas restrições relacionadas à covid-19 e os tribunais são receosos de intervenções desnecessárias. Atribuímos o conforto a todas as provas e a crise no setor [de restaurantes]", disse.
A Uber Eats, em nota, afirmou que a decisão é o primeiro passo para chegarmos a um ambiente de competição mais justo e transparente no Brasil. "Além disso, esperamos que a medida preventiva ajude os restaurantes a terem mais autonomia para tomar as melhores decisões sobre os seus negócios sem medo de sofrer qualquer tipo de retaliação".
Inicialmente correndo sob sigilo, as argumentações dos dois lados foram tornadas públicas em fevereiro deste ano.
A Rappi aponta no processo que o iFood contava, em maio do ano passado, com cerca de 60-70% do mercado de entregas no país e usava a liderança no setor para manter os principais restaurantes em sua plataforma. De acordo com os documentos, a Rappi teria menos de 10% do mercado, ao passo que UberEats teria entre 10 e 20%.
As estimativas mais recentes, segundo a Rappi, apontam para aumento da concentração de mercado nas mãos do iFood, chegando a 80%.
Segundo a Rappi, mesmo a entrada de novas concorrentes no setor, como a 99 Food, no ano passado, não minou a dominância do iFood no mercado. “O simples fato de a participação do agente detentor de posição dominante crescer mesmo com a entrada de novos players é exemplo significativo de que o potencial de aumento da concorrência no mercado apontado pelo Cade no início de 2018 não se consumou. Ao contrário, a competitividade apenas se arrefeceu com o reforço do poder de mercado da Representada e do ecossistema por ela criado”, disse a empresa.
O iFood se defendeu e afirmou que a medida preventiva pleiteada pela Rappi se baseava em suposições que não se sustentavam.
De acordo com os documentos tornados públicos, o iFood afirmava que “a celebração de acordos de exclusividade entre restaurantes e plataformas é parte da dinâmica concorrencial do mercado em questão e cria incentivos para que a plataforma invista em seus parceiros, gerando benefícios evidentes para os restaurantes e para os consumidores de forma mais ampla”. A empresa também apontou para acordos de exclusividade fechados pela própria Rappi com restaurantes.