Biossensor portátil e de baixo custo desenvolvido por pesquisadores do Laboratório Nacional de Nanotecnologia: trata-se de um dispositivo eletrônico manufaturado (Reprodução/Reprodução)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2016 às 13h09.
Um biossensor desenvolvido por pesquisadores do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), em Campinas, mostrou-se capaz de detectar moléculas relacionadas a doenças neurodegenerativas e alguns tipos de câncer.
Trata-se de um dispositivo eletrônico manufaturado sobre uma plataforma de vidro.
Nele, um transistor é formado por uma camada orgânica em escala nanométrica, contendo o peptídeo glutationa reduzida (GSH), que reage de maneira específica quando em contato com a enzima glutationa S-transferase (GST), relacionada a doenças como Parkinson, Alzheimer e câncer de mama, entre outras.
A reação GSH-GST é detectada pelo transistor e pode ser utilizada no diagnóstico.
O biossensor foi desenvolvido no âmbito do Projeto Temático "Desenvolvimento de novos materiais estratégicos para dispositivos analíticos integrados", realizado com o apoio da FAPESP, que reúne pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento em torno da tecnologia dos dispositivos point of care, sistemas de teste simples executados junto ao paciente.
“Utilizando plataformas como esta, doenças complexas poderão ser diagnosticadas de forma rápida, segura e relativamente barata, uma vez que a tecnologia utiliza sistemas em escala nanométrica para identificar as moléculas de interesse no material analisado”, explica Carlos Cesar Bof Bufon, coordenador do Laboratório de Dispositivos e Sistemas Funcionais (DSF) do LNNano e pesquisador associado ao projeto coordenado pelo professor Lauro Kubota, do Instituto de Química da Unicamp.
Além da portabilidade e do baixo custo, Bufon destaca como vantagem do biossensor em escala nanométrica a sensibilidade com que o dispositivo detecta as moléculas.
“Pela primeira vez a tecnologia de um transistor orgânico é utilizada para detecção do par GSH-GST, visando diagnosticar doenças degenerativas, por exemplo. Isso possibilitará a detecção de tais moléculas mesmo presentes em baixas concentrações no material examinado, uma vez que as reações são detectadas em escala nanométrica, ou seja, de milionésimos de milímetros.”
O sistema pode ser adaptado para detecção de outras substâncias, como moléculas relacionadas a diferentes doenças e elementos presentes em material contaminado, entre outras aplicações.
Para isso, alteram-se as moléculas incorporadas no sensor, que reagirão na presença dos componentes químicos que são alvo de análise no ensaio, chamados de analitos.
“O DSF do LNNano tem desenvolvido uma variedade de plataformas para sensoriamento químico, físico e biológico voltadas a setores estratégicos nacionais e internacionais, incluindo saúde, meio ambiente e energia”, diz Bufon.
O objetivo, conta o pesquisador, é “ter em mãos uma série de soluções em dispositivos point of care para responder com agilidade a uma série de demandas”. Por exemplo, surtos de doenças ou análise de analitos contaminantes, como o chumbo e toxinas em amostras de água.
A pesquisa que levou ao desenvolvimento do biossensor para detecção de moléculas relacionadas a doenças neurodegenerativas e a alguns tipos de câncer foi relatada no artigo Water-gated phthalocyanine transistors: Operation and transduction of the peptide–enzyme interaction, publicado na revista Organic Electronics, e está disponível no endereço em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1566119916300416.
O trabalho é de autoria dos pesquisadores Rafael Furlan de Oliveira, Leandro das Mercês Silva e Tatiana Parra Vello, sob a coordenação de Bufon, todos do DSF do LNNano.
Do vidro ao papel
Com o objetivo de reduzir ainda mais os custos, melhorar a portabilidade dos biossensores desenvolvidos e facilitar seu processo de manufatura e descarte, o grupo vem trabalhando em sistemas de detecção de substâncias em plataformas de papel.
“O papel, enquanto plataforma para a fabricação de dispositivos analíticos, apresenta uma série de vantagens por se tratar de um polímero natural, amplamente disponível em todo o mundo, leve, biodegradável, portátil e dobrável”, diz Bufon.
O desafio é converter um material isolante, caso do papel, em condutor. Para isso, o pesquisador desenvolveu uma técnica que possibilita impregnar nas fibras de celulose polímeros com propriedades condutoras, tornando-o capaz de conduzir eletricidade e transmitir informações de um ponto a outro e permitindo atribuir a ele a função de um sistema para sensoriamento.
“A técnica é baseada na síntese in situ de polímeros condutores. Para que esses polímeros não fiquem retidos na superfície do papel, é necessário que eles sejam sintetizados dentro dos poros da fibra de celulose e entre eles.
Para isso, o processo é feito por meio de uma rota de polimerização química a vapor: um agente oxidante líquido é incorporado ao papel, que, em seguida, é exposto aos monômeros (pequenas moléculas capazes de se ligarem a outras) na fase de vapor.
Ao evaporarem sob o papel, os monômeros entram na fibra em escala submicrométrica, penetrando entre os poros, onde encontram o agente oxidante e iniciam o processo de polimerização ali mesmo, impregnando todo o material”, explica.
Ainda de acordo com o pesquisador, “é como tentar encher uma sala com balões; se eles não passam pela porta cheios de ar, uma alternativa é enchê-los lá dentro”.
Uma vez impregnado pelos polímeros, o papel passa a ter as propriedades condutoras deles.
Essa condutividade pode ser ajustada dependendo da aplicação que se queira dar ao papel, manipulando-se o elemento que é incorporado à fibra de celulose.
Dessa forma, o dispositivo pode ser condutor de corrente elétrica, levando-a de um ponto a outro sem grandes perdas (imagine antenas de papel, por exemplo), ou semicondutor, interagindo com moléculas específicas e funcionando como sensor físico, químico ou eletroquímico.