Tecnologia

As soluções high tech de Israel para salvar água e faturar alto

No país desértico, os problemas de água se transformaram em grandes oportunidades para novos negócios, e as startups estão na crista dessa onda

Utilis: com ajuda de satélites, startup localiza a fonte e o volume de vazamento em uma rede de água urbana. (Vanessa Barbosa/Site Exame)

Utilis: com ajuda de satélites, startup localiza a fonte e o volume de vazamento em uma rede de água urbana. (Vanessa Barbosa/Site Exame)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 25 de junho de 2017 às 08h17.

Última atualização em 6 de julho de 2017 às 15h06.

São Paulo - O setor de água e saneamento não tem fama de ser pioneiro na adoção de inovações tecnológicas, sendo mais conservador e avesso a aventuras. Ocorre o oposto em Israel. No pequeno país desértico que se tornou referência em transformar escassez de água em abundância, as concessionárias são "early adopters" de novas soluções e funcionam como laboratórios para testes, ajudando a difundir know-how para o mundo.

Em tempos de aquecimento global e ameaça crescente de escassez hídrica, a demanda por esse conhecimento está em alta. Dos Estados Unidos à China, passando pelo Brasil e Índia, países do mundo desenvolvido e em desenvolvimento estão buscando a ajuda das empresas israelenses para enfrentar crises de água, reduzir perdas no sistema e tornar mais inteligente a gestão desse recurso vital.

"Não se trata de 'copiar e colar', mas de usar a tecnologia em ações de adaptação aos desafios que o futuro nos reserva, levando em conta as necessidades locais de cada lugar", diz a EXAME.com Oded Distel, diretor do Invest in Israel, centro de promoção para investimentos no país e líder do NewTech, programa de água e energias renováveis, ambos ligados ao Ministério de Economia de Israel. Por ano, o país exporta em torno de US$ 2 bilhões em tecnologias de água para o mundo.

Se a seca e a mudança climática são ameaças macro, em um nível micro, as próprias redes de água são parte do problema. O Banco Mundial estima que a perda global de água tratada atinge de 25% a 30% nas redes urbanas de distribuição, representando um montante de US$ 20 bilhões que descem pelo ralo. No Brasil, de cada 100 litros de água coletada e tratada, apenas 63 litros chegam sãos e salvos na casa do consumidor, o restante fica pelo caminho. Ligações clandestinas, vazamentos, obras mal executadas, tubos e válvulas envelhecidas são as principais causas da perda de faturamento das empresas operadoras.

Problemas diversos acomodam múltiplas soluções. De acordo com relatório da consultoria Azoth Analytics, o mercado global de sistemas de detecção de vazamentos de água deverá crescer 11,03% entre 2015 e 2020, um ritmo relativamente moderado. Para agitar esse mar, é preciso mais ousadia e racionalidade; esperar a seca chegar não faz parte da cartilha da boa gestão hídrica.

"A nossa perda de água na rede nacional é inferior a 8%. Usamos sensores e tecnologias avançadas para coletar a maior quantidade de informações possíveis e geri-las da melhor forma. Mas, acima de tudo, não temos medo de testar novas tecnologias", afirma Gilad Peled, diretor do Israel Export Institute, organização sem fins lucrativos que trabalha em conjunto com o governo e empresas israelenses para promover no exterior os mais de 250 negócios focados em água do país.

"Criar pontes é essencial para a consolidação das tecnologias desenvolvidas aqui. Somos um país tão pequeno em termos espaciais que poderíamos ser considerado uma espécie de área beta para a implementação de soluções. É lá fora que elas ganham asas", compara, comentando com orgulho que enviou recentemente 27 empresas de tecnologia israelenses para ajudar na crise hídrica da Califórnia, nos Estados Unidos.

EXAME.com conheceu algumas das tecnologias mais interessantes desenvolvidas em Israel para reduzir as perdas de água e melhorar a gestão dos sistemas urbanos, e que estarão em exibição no WATEC 2017, maior evento do setor do país, que acontece em Tel Aviv de 12 a 14 de setembro, reunindo mais de 160 expositores.

Raio-X da saúde da rede de água em tempo real

Qualquer lista de tecnologia emergente que se preze inclui alguma aplicação de inteligência artificial. Com formação em matemática e ciências da computação, Amir Peleg fundou em 2009 a startup TaKaDu, apelidada de "Ninja d´água" em um perfil feito pela agência de notícias Bloomberg. A empresa, que arrecadou mais de US$ 20 milhões em investimento até o momento, afirma que sua solução reduz o desperdício de água em 30% e o tempo de reparo das tubulações em 60%.

Na prática, a TakaDu faz uma espécie de raio-x da saúde do sistema, expondo seu funcionamento em tempo real, além de gerar gráficos e relatórios que ajudam na tomada de decisões e planejamento de melhorias no abastecimento, tão necessários para evitar que água — e dinheiro — sejam perdidos.

A partir de um complexo algoritmo matemático, transformado em software, a empresa analisa dados brutos de sensores e medidores já incorporados em sistemas e redes de água, detectando anomalias como explosões de tubos, vazamentos, medidores defeituosos, queda ou alta de pressão. Com o software, os técnicos conseguem visualizar, na tela do computador, qualquer anomalia na rede de distribuição e identificar sua localização no mapa da cidade.

Print da tela do software da TaKaDu

Print da tela do software da TaKaDu, com resumo dos eventos problemáticos ocorridos numa rede de água. (TaKaDu/Reprodução)

"Empresas prestadoras de serviços de água quase não têm visibilidade em sua rede e geralmente identificam um vazamento quando o evento é relatado por um cliente", diz Peleg. "Nós usamos o poder dos dados para dar transparência ao sistema e aumentar a capacidade de gestão das empresas", acrescenta. Todo o serviço da TaKaDu é baseado na nuvem e pode ser implementado num curto período, de seis a oito semanas.

No Brasil, a concessionária Águas Guariroba, que pertence a holding Aegea Saneamento, foi pioneira na utilização dos serviços da startup, em 2014, para reduzir perdas no sistema de abastecimento de Campo Grande, no Mato Grosso. A lista de clientes inclui ainda a Water Sydney, maior concessionária de água da Austrália e a Taiwan Water Corporation. Portugal, Espanha, Romênia, Chile e Inglaterra são outros países que utilizam a tecnologia da empresa.

Peleg não divulga as receitas da Takadu, mas afirma que o ritmo de crescimento dos contratos parece não acompanhar a escalada dos desafios e oportunidades na área. "Apesar da existência de tecnologia de ponta, o setor de água e saneamento ainda é muito conservador. Para você ter uma ideia, estamos há dois anos em conversas com uma companhia de água e esgoto de São Paulo e nenhum acordo fechado ainda", afirma.

Sensores acústicos para manutenção preventiva

A startup israelense Aquarius Espectrum diz que sua tecnologia consegue não apenas detectar vazamentos da ordem de milímetros, mas também localizar possíveis pontos de risco nas tubulações antes mesmo de ocorrer uma falha. Tudo com ajuda do som. Fundada em 2009 por David Solomon, a empresa desenvolve sensores acústicos e software que podem trabalhar em conjunto para monitorar o sistema de tubulação de uma rede de água e enviar alertas em tempo real para os operadores.

Todas as noites, os sensores instalados nas tubulações e válvulas de hidrantes realizam medições acústicas e depois enviam-nas para um servidor na nuvem. Entra em cena, então, o software da empresa, que a partir dos sinais acústicos é capaz de determinar a distância de um vazamento do sensor. Com essas informações em mãos, literalmente ao alcance de um aplicativo para smartphone, a empresa pode iniciar a manutenção preventiva, um trabalho que, do contrário,  teria envolvido a escavação de uma rua inteira para resolver o problema.

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Durante um  contrato de três anos com a concessionária de água de Jerusalém, a startup encontrou mais de 226 pontos de vazamento em toda a cidade, sendo 171 deles na rede pública de distribuição e 55 em propriedades privadas. Ao atacar o problema, Jerusalém reduziu em 18% as perdas de água. Em 2015, a empresa integrou a lista das 100 startups de tecnologia no mundo para ficar de olho produzida pelo Cleantech Group (CTG). 

Gerando energia com o fluxo da água na rede

Como já deu para perceber, o uso de sensores inteligentes nas redes de água é uma tendência quente no mercado de soluções high tech, mas ela também tem uma contrapartida: o maior consumo de energia para manter os sensores em "alerta".

Para evitar repetidas trocas de bateria, a startup HydroSpin resolveu aproveitar a água que corre nas tubulações da cidade a fim de gerar a energia elétrica necessária para alimentar os dispositivos de monitoramento que colhem dados em toda a rede de água.

A tecnologia da HydroSpin produz energia a partir de micro geradores dentro de tubulações urbanas, permitindo que as concessionárias gerenciem suas redes de água inteligentes com fluxo de dados sustentável, eficiente e ininterrupto.

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E que tal um pouco de tecnologia extraplanetária? 

Existem muitas maneiras de detectar vazamentos que vão além da medição inteligente. Uma das mais curiosas vem da startup Utilis, baseada em pesquisas desenvolvidas para a detecção de água em outros planetas por meio de sensoriamento remoto. Com ajuda de satélites, a empresa identifica vazamentos subterrâneos na infraestrutura de abastecimento de água.

Ao processar as imagens espaciais e aplicar algoritmo matemático, o sistema usa parâmetros físicos como fatores geológicos, meteorológicos e hidrológicos para ajustar quaisquer fatores de distorção. Após o cálculo, a informação é comparada com layouts de infraestrutura da tubulação urbana para indicar a localização dos vazamentos.

Em questão de minutos, o software da Utilis converte imagens aéreas de satélite, que cobrem até 70 quilômetros quadrados, em coordenadas precisas de vazamentos subterrâneos de água, permitindo que empresas tomem decisões mais precisas e atuem rapidamente.

"Nos últimos 12 meses, nós escaneamos mais de 100 mil quilômetros de tubulações e encontramos mais de 2 mil vazamentos, trabalhando com 52 empresas em 16 países no mundo", comenta Gustavo Bach, diretor de marketing da Utilis. A startup também estuda colocar sensores em aviões para diversificar as fontes de informação e reduzir a dependência dos satélites que pertencem às agências espaciais.

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* A jornalista Vanessa Barbosa viajou a convite do Ministério de Economia de Israel.

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