Violência policial: é comum que as vítimas não tenham suas queixas processadas por falta de elementos que estruturem as denúncias (Nacho Doce / Reuters)
Da Redação
Publicado em 19 de fevereiro de 2016 às 18h08.
São Paulo - “Não é só pelos 20 centavos”, “O gigante acordou”, “Vem pra rua, vem”. Essas frases marcaram o ano de 2013, quando ocorreram diversas manifestações por todo o país.
A população estava descontente com uma série de pautas e o aumento da tarifa do transporte público se encarregou de ser a gota d'água.
Nas ruas lotadas, jovens e adultos se misturavam. Mas, de repente, era recorrente sentir a ardência nos olhos, a fumaça, a correria e a brutalidade.
A ação truculenta da polícia nas passeatas, principalmente em São Paulo, ecoaram para o resto do Brasil.
A situação foi vivenciada bem de perto por um grupo de estudantes de direito que, mais tarde, foram os responsáveis por reivindicar o habeas corpus coletivo para os manifestantes presos durante os atos organizados pelo Movimento Passe Livre.
Entre eles, estava Luccas Adib, bacharel em Direito e diretor-executivo da EvoBra, associação sem fins lucrativos que pesquisa inovações em políticas públicas.
Em entrevista ao HuffPost Brasil, Adib explicou a origem do projeto:
“Toda aquela situação me intrigou. Vi pessoas tendo o seu direito violado por policiais. A maioria da população, na verdade, não sabe quais são os seus direitos. Um policial pode pedir para acessar ao seu celular? Ou cometer qualquer tipo de violência? Resolvi estudar e pesquisar mais sobre o tema. Foi ai que surgiu a ideia de criar uma ferramenta que mediasse essa situação e atuasse em colaboração com a própria polícia para conter os abusos.”
Nascia a ideia do Projeto Vigilante, aplicativo lançado este mês para o sistema Android, que tem por objetivo principal empoderar o cidadão, mediar as denúncias de situações de abuso de autoridade ou violência e, assim, fortalecer o papel das ouvidorias nas instituições - a ouvidoria da polícia é uma espécie de ombudsman da segurança pública no Estado.
É um órgão dirigido por um representante da sociedade civil, com autonomia e independência, cuja principal função é ser o porta-voz da população em atos irregulares praticados pelas Polícias.
“Nosso objetivo não é acumular dados e direcionar para outros fins. O que queremos é ser um facilitador paraestatal da denúncia. Não faz mais sentido que o Estado utilize como meio formal de comunicação um telefone, notificação escrita ou fax. A ouvidoria das polícias foi criada em 1995 e os mecanismo de diálogo com a população são da mesma época. Estamos atrasados nessa ponte e a ideia do projeto veio para complementar uma lacuna.”
Um método mais dinâmico que facilite o diálogo entre a população e o Estado pode vir a ocupar um espaço importante na construção de uma sociedade que se preocupa com os direitos do cidadão.
No site da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, por exemplo, é possível acessar relatórios de prestação de contas das denúncias.
O último período contabilizado, no entanto, foi o primeiro semestre de 2015, que contou com 95 queixas de abuso de autoridade, 88 de corrupção passiva, 27 de tráfico de drogas com envolvimento de policiais e 544 queixas de má qualidade no atendimento.
A taxa de indivíduos responsabilizados pelas queixas, porém, não é divulgada.
O App
Dividido em duas partes, “Denuncie” e “Conheça seus direitos”, o app é gratuito e tem capacidade para armazenar até dez mil queixas, que podem ser cadastradas de forma anônima ou não.
Mas, como garantir que os dados enviados pelos usuários sejam encaminhados, processados e as devidas partes do processo responsabilizadas, de fato?
Por uma imposição legal, qualquer ouvidoria é obrigada a receber todo tipo de denúncia e encaminhar o protocolo.
Contudo, segundo o bacharel em direito, é comum que as vítimas não tenham suas queixas processadas por falta de elementos que estruturem as denúncias.
E ai está o diferencial do aplicativo: permitir que a queixa seja feita em diversas mídias, uma vez que é possível armazenar fotos, áudios, vídeos e mensagens por meio dos smartphones.
O serviço conta ainda com geolocalização, a possibilidade de identificação da corporação (polícias Civil, Militar, Federal ou Guarda Metropolitana), a descrição e o tipo do delito e a diferenciação entre “testemunhas” e “vítimas” no momento de cadastro da ocorrência.
Para ser efetivo, o Projeto Vigilante deve trabalhar em parceria com as ouvidorias e corregedorias.
“O nosso papel é fazer com que as denúncias sejam entregues. Depois disso, a responsabilidade é do Estado. Nós somos uma ferramenta e nos preocupamos em ser acessíveis para todo usuário que quiser fazer uma denúncia, inclusive o policial que sofre com o abuso de autoridade de seus superiores”, afirma o fundador do app.
A plataforma, somente disponível para Android, por enquanto, é resultado do projeto colaborativo EvoBra, fundado em 2015 por Luccas e que hoje conta com uma equipe de 7 integrantes.
A associação sem fins lucrativos, ainda, lançou uma campanha de financiamento coletivo para finalizar a estruturação do aplicativo para outros formatos, como o IOS e o Windows, além de outras melhorias.