Calor: Nos meses de temperatura mais alta, só o ar-condicionado salva (AndreyPopov/Thinkstock)
Gustavo Gusmão
Publicado em 22 de dezembro de 2018 às 07h04.
Última atualização em 22 de dezembro de 2018 às 07h04.
São Paulo — O ar-condicionado está em alta. Segundo dados do Google, nas últimas duas semanas, as buscas pelos aparelhos cresceram 420% na plataforma. Também disparou o número de pessoas atrás de um aparelho portátil — e até daqueles que querem saber como fazer um ar-condicionado em casa. O motivo para tanto é simples: o calor está beirando o insuportável em boa parte do Brasil. A cidade de São Paulo registrou máximas de 30 graus ou mais desde o começo do mês, assim como Campo Grande (MT). O Rio de Janeiro está com previsão de 35º para este sábado (22), mesma temperatura registrada em Florianópolis (SC) no último dia 12, segundo o serviço de previsão do tempo Weather. Nessas horas, só agradecendo ao inventor do ar-condicionado pelo refresco alcançado. Mas quem é ele, afinal de contas?
A resposta é bem menos simples do que parece. Há, de fato, uma pessoa que detém a patente pelo produto: Willis Carrier, um norte-americano de Nova York. Nascido em 1876, o engenheiro deu os primeiros passos no desenvolvimento de um aparelho de ar-condicionado ainda em 1902. O equipamento era capaz de quatro funções: controlar a temperatura, regular a umidade, gerenciar a circulação do ar e limpá-lo.
O inventor registrou a patente em 1906. Desde então, ficou conhecido como o pai do ar-condicionado moderno — o que deve ter ajudado bastante a promover sua empresa, a Carrier Corporation, a partir de 1915. Ativa até hoje, a companhia fabrica e distribui não apenas equipamentos de ventilação e resfriamento, mas também aquecedores.
A história antes da história
Mas há quem conteste o pioneirismo de Carrier. Uma reportagem da rádio americana NPR, publicada ainda em 2011, relembrou de pelo menos dois outros inventores que tiveram papéis importantes no desenvolvimento do sistema como conhecemos hoje.
O primeiro e mais antigo deles é o químico e médico escocês William Cullen. Nascido em 1710, ele foi o responsável por desenvolver a base da refrigeração moderna, ainda em 1748. Sua primeira demonstração documentada da invenção foi feita em 1756, quando lecionava na Universidade de Edimburgo. O processo, descrito em Of the Cold Produced by Evaporating Fluids and of Some Other Means of Producing Cold, consistia em criar um vácuo parcial sobre um recipiente com éter dietílico, que fervia e absorvia o calor ao redor.
É um princípio mais ou menos parecido com o do funcionamento do ar-condicionado. Uma matéria da Mundo Estranho explica que há uma substância dentro do aparelho, a R-22, que faz mais ou menos o papel do éter. Essa mistura de cloro, flúor e carbono evapora, viaja por dentro do equipamento e absorve o calor do ar em um cômodo, resfriando o ambiente. Porém, ainda que similar, o conceito de Cullen não chegou a ser aplicado comercialmente.
Drama na refrigeração
Depois do escocês, em 1850, veio o médico e cientista americano John Gorrie. Estudioso de doenças tropicais, o especialista nascido em 1803 constatou que pessoas em regiões mais frias não contraíam malária. Sem saber que a doença na verdade era transmitida por mosquitos, ele resolveu tentar resfriar quartos com pacientes infectados usando uma bacia cheia de gelo suspensa no teto do cômodo.
A solução não era muito sofisticada, mas gerou uma necessidade: até então, não havia uma máquina capaz de fazer gelo. O material vinha em barcos, saindo especialmente do norte dos EUA — e o mercado era grande. Coube a Gorrie, então, criá-la. A patente para "máquina para fazer gelo" foi registrada por ele no país em 1851.
Mas há toda uma pitada de drama nessa história. Ainda que estivesse no caminho certo, o inventor não conseguiu juntar as ideias — e nem mesmo apoio financeiro para tirá-las do papel. Tudo graças às já citadas empresas de gelo do norte dos EUA: temendo o efeito que um refrigerador doméstico teria sobre o negócio delas, as companhias que exportavam gelo para o sul norte-americano se uniram para fazer chacota do médico e de sua invenção nos jornais locais, conforme explica a reportagem da NPR.
Gorrie acabou sendo reconhecido, ao menos em sua terra natal (Apalachicola, na Flória), como um inventor bem-sucedido. Mas morreu no ostracismo em 1855 e, no fim, até perdeu o título do pai da refrigeração para o engenheiro mecânico (e médico) americano Jacob Perkins. Foi ele quem registrou, alguns anos antes, em agosto de 1835, a patente para um "aparato e meios para produzir gelo e resfriar fluídos" na Inglaterra e na Escócia.
O conceito não foi criado por ele (o inventor mesmo foi Oliver Evans, outro americano), mas a ideia proposta, do ciclo de refrigeração por compressão de vapor, é a mesma usada no ar-condicionado moderno e nos refrigeradores. O princípio foi abraçado pelo australiano James Harrison, que fabricou, em 1854, o primeiro sistema funcional baseado nesse ciclo — mas só para fazer gelo. Cerca de 3 mil quilos por dia, mais precisamente. As patentes do aparelho e do processo de fabricação de gelo foram concedidas a ele em 1856, em Londres. Mas ninguém aproveitou a ideia do ar-condicionado proposta por Gorrie. Pelo menos não até os anos 1900.