Disputa: Apple e Samsung terão que se reinventar no mercado de smartphones da próxima década (NurPhoto/Getty Images)
Rodrigo Loureiro
Publicado em 27 de maio de 2020 às 05h55.
Última atualização em 27 de maio de 2020 às 15h05.
Previsões recentes de consultorias como Gartner e IDC apontam que o mercado de smartphones deve encolher drasticamente neste ano. O principal fator, é claro, a crise do novo coronavírus que impacta diretamente na economia global, atrapalha a produção de fabricantes e faz o consumidor pensar duas (ou mais) vezes antes de gastar uma pequena fortuna em novo aparelho. Para Apple e Samsung, em especial, a crise poderá ser a oportunidade para mostrar, de uma vez por todas, que estas não são (ou ao menos não serão) empresas de um só produto.
Em 2019, o mercado global de smartphones caiu 0,2% em relação às vendas registradas nos doze meses anteriores. Para este ano, a retração prevista pela consultoria IDC deverá ficar entre 10% e 15%. Para outra consultoria, a Gartner, a aposta é de que as quedas nas vendas fiquem próximas de 14,6% neste ano.
Ambas as consultorias apontam as restrições comerciais causadas pelo novo coronavírus como o principal motivo que fez muita gente desistir de não trocar de aparelho neste ano. Vale lembrar ainda que muitas peças utilizadas na fabricação de smartphones dessas e de outras fabricantes são produzidas por empresas chinesas.
É um problema que vai afetar diretamente as líderes de mercado. De um lado, a Apple. A fabricante americana que revolucionou o setor com o iPhone, ainda em 2007, e que se consolidou como um pilar de inovação no segmento. De outro, as gigantes orientais, representadas pela Samsung, que conseguem impedir a popularização do dispositivo americano em território asiático com seus próprios celulares inteligentes.
Muita coisa mudou. Analistas do IDC apontam que no primeiro trimestre de 2020 quase 276 milhões de celulares foram vendidos. É um resultado 11,6% menor do que o registrado nos três primeiros meses de 2019 em que foram vendidos 312 milhões de celulares. A Samsung liderou o trimestre com 21,1% das vendas contra 17,7% da Huawei e uma fatia de 13,3% da Apple.
Só que enquanto Apple e Samsung, além da Huawei, digladiavam buscando o topo das vendas de um dispositivo, a inovação parece ter perdido espaço para o foco comercial, com celulares com cada vez menos mudanças drásticas em relação aos seus antecessores e com consumidores que já demonstra sinais de saturação.
A inovação mais chocante deste fim de década, então, viria com o 5G. Mas a quinta geração de internet móvel ainda não se transformou em um chamariz para os consumidores que estariam ávidos por mais velocidade e novos recursos em seus smartphones. Não entenda errado. Em teoria, é uma tecnologia que pode revolucionar a indústria de telecomunicações, mas isso só vai acontecer quando houver infraestrutura para isso.
Em uma analogia barata, entusiastas do mercado de bits e bytes costumam comparar a compra de um smartphone com 5G hoje com a aquisição de um carro esporte capaz de fazer mais de 250 km/h para ser guiado durante o trânsito caótico de uma sexta-feira, às 18h, em uma movimentada avenida da cidade de São Paulo.
Segundo a consultoria Strategy Analytics, a companhia sul-coreana entregou 8,3 milhões de aparelhos com a funcionalidade e ocupou a liderança do segmento de celulares com internet de quinta geração com 34,4% do mercado total. A Huawei ficou em segundo lugar com 8 milhões de celulares distribuídos, ou 33,2% do todo.
Está longe de ser o suficiente. Em 2020, as vendas da linha Galaxy S20, que traz o 5G, caíram 32,6% em comparação as vendas do modelo antecessor, o Galaxy S10, durante o mesmo período de 2019, segundo a consultoria britânica Omdia. A empresa de pesquisas M Science espera que a linha atual da Samsung tenha no máximo a metade das vendas de sua antecessora.
Neste cenário, o problema da Samsung não é exatamente o novo coronavírus, mas o preço. Com a rede 5G escassa ainda nos Estados Unidos, os consumidores não estão suficientemente seduzidos a arcarem com no mínimo 999 dólares por um novo aparelho – ou 1.400 dólares no caso do modelo mais parrudo, o Galaxy S20 Ultra.
Justiça seja feita, a Apple ainda não apresentou seus modelos capazes de se conectarem às novas redes móveis. Os principais rumores acerca dos novos iPhones apontam que a empresa da maçã poderá adicionar o recurso em seus próximos smartphones – ao menos nos modelos considerados topo de linha.
Em geral, a Apple costuma apresentar seus novos modelos durante um evento anual realizado na Califórnia entre os meses de setembro e outubro. Entretanto, conforme aponta o Nikkei Asian Review, a companhia pode atrasar o lançamento dos modelos deste ano em alguns meses por conta da covid-19.
O balanço financeiro da Apple do primeiro trimestre deste ano cria uma reflexão necessária de até quando a companhia será caracterizada como "a fabricante do iPhone".
A exemplo da Amazon e da Microsoft, a Apple parece focar sua estratégia comercial cada vez mais em serviços do que em produtos. Os resultados já aparecem: a receita da venda de serviços aumentou 16,5%, enquanto os ganhos com comercialização de itens como smartphones, tablets e computadores diminuíram 3,4%.
Em cifras, a receita obtida com os iPhones foi de 28,9 bilhões de dólares no período – contra 31 bilhões de dólares em 2019. O setor de serviços que engloba plataformas como Apple Pay, Apple Music, iTunes e App Store embolsou 13,3 bilhões de dólares e se consolidou como a segunda maior fonte de renda da empresa de Cupertino.
Nos números finais, a Apple reportou lucro líquido de 11,2 bilhões de dólares no primeiro trimestre deste ano. É uma queda de 2,7% em relação ao mesmo período de 2019. A justificativa da empresa se dá em torno de um aumento nas despesas operacionais, isso porque o faturamento não diminuiu. Cresceu 1% e terminou o trimestre em 58,3 bilhões de dólares.
No caso da Samsung, a fabricante sul-coreana obteve faturamento de 45,5 bilhões de dólares no primeiro trimestre de 2020, alta de 5,6% ante o primeiro trimestre do ano anterior. Já o lucro operacional caiu 700 milhões de dólares no período e terminou o trimestre em 5,3 bilhões de dólares devido, segundo empresa, aos impactos comerciais causados pela covid-19.
Mas se a Apple caminha em direção ao sol do mercado de serviços, a Samsung dá sinais de que ainda aposta firmemente em seus gadgets. Quase metade do faturamento da companhia veio da divisão de dispositivos móveis, que engloba smartphones. Foram 21,3 bilhões de dólares arrecadados nos três primeiros meses deste ano.
Em seu relatório financeiro que aponta os resultados do trimestre, a Samsung informou aos investidores que espera uma queda significativa das vendas de seus dispositivos. Outro anúncio foi a confirmação do lançamento de mais celulares com tela dobrável e de um novo gadget da linha Galaxy Note durante o segundo semestre focando em um público premium.
Do restante do faturamento, mais de 14 bilhões de dólares vieram das vendas de semicondutores. A divisão também corresponde a mais de 60% dos lucros da empresa. No mercado mais puro de hardware, a Samsung é a líder após desbancar a Intel, em 2017, que seguiu na frente de suas competidoras por mais de duas décadas.
Se a aposta da Apple é nos serviços e a Samsung reafirma sua posição nos hardwares, a disputa pelo trono do mercado de tecnologia de gadgets poderá ficar mais interessante em 2021. Resta saber quem vencerá essa disputa.