Fabio Coelho, CEO do Google (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 27 de setembro de 2023 às 09h00.
Última atualização em 27 de setembro de 2023 às 12h39.
Há 25 anos, dois estudantes da Universidade de Stanford, Larry Page e Sergey Brin, fizeram um brainstorming em seu dormitório e tiveram a ideia de criar um mecanismo que organizasse páginas da web e também as classificasse. Inicialmente chamado de BackRub, a startup saiu da garagem, cresceu e se tornou uma das empresas mais valiosas e influentes do mundo: o Google, atualmente avaliado em US$ 1,66 trilhões (cerca de R$ 8 trilhões).
De lá para cá, o indexador de sites que se tornou sinônimo da própria internet, diversificou o negócio em todas as áreas da tecnologia e dominou algumas delas a ponto de, às vezes, incomodar os reguladores de mercados. Hoje, faz parte de um grupo controlador maior, chamado Alphabet, que, no momento, tenta se colocar na pole position da corrida pela inteligência artificial (IA) - e há claras vantagens em seu favor para atingir a meta.
Nesta quarta-feira, 27, ao longo do dia, o Google entregará respostas a 8,5 bilhões de buscas, levará seus anúncios a 90 milhões de sites e receberá dados de fontes diversas, como o navegador Google Chrome, o sistema operacional Android, o serviço de email Gmail e a nuvem Google Drive. O CEO do Google no Brasil, Fábio Coelho, há mais de dez anos à frente da operação local, viu de perto como a empresa chegou em muitas dessas marcas.
Em entrevista à EXAME, o executivo comentou sobre a década de trabalho em uma das maiores empresas do mundo, as mudanças que a tecnologia propiciou ao dia a dia das pessoas e as batalhas que travou para garantir que o negócio seguisse dentro do esperado.
Abaixo, leia os principais trechos da conversa:
O Google muda a direção dos negócios de tempos em tempos, mas se mantém seguindo as tendências tecnológicas. Olhando para trás, quais foram os marcos mais significativos para a empresa?
Um grande momento foi o IPO, em 2004, quando a empresa foi avaliada em US$ 36,3 bilhões pouco mais de 5 anos de sua fundação. Outro ponto interessante é que, apesar do Google ter sido fundado em 4 de setembro de 1998, a empresa celebra seu aniversário em 27 de setembro. Isso está relacionado ao dia em que o mecanismo de busca atingiu mais de 1 milhão de páginas indexadas. Destacaria também outros momentos: quando adquiriu o YouTube do PayPal, em 2006, pelo valor de US$ 1,6 bilhão e quando a empresa decidiu focar em mobilidade com o Android. Mais próximo do presente, em 2016, quando reorientou seu foco para a tecnologia de inteligência artificial. Essa última corresponde com nossa estratégia geral para os próximos anos.
De que forma você vê o papel do Google e a penetração do seus produtos na vida cotidiana das pessoas? Google para muitos é a própria internet. Como encarar essa responsabilidade?
Nos temos desempenhado um papel fundamental na inclusão digital global. Possuímos várias plataformas com mais de um bilhão de usuários. E a maioria delas são utilitárias e gratuitas, monetizadas através do ecossistema de publicidade. Isso permite uma conexão real entre pessoas e empresas em todo o mundo. O que aprendemos é que precisamos observar e adaptar constantemente. Os usuários se tornam mais exigentes à medida que aprendem e se adaptam às novas tecnologias. Uma parte crucial disso é entender a infraestrutura e os modelos de monetização que sustentam nossos serviços. Nossas plataformas são bem-sucedidas porque permitem a participação de anunciantes, criadores de conteúdo e desenvolvedores de todos os tamanhos. No final das contas, trabalhamos para que todos participem e se beneficiem dessa movimentação.
O modelo de distribuição de ganhos do Google que você mencionou se tornou padrão no universo das plataformas de mídia. O que está por trás desse acerto?
Criamos um modelo que permite escala, junto de uma equação financeira inclusiva. Nosso trabalho com parceiros jornalísticos, por exemplo, só no Brasil remunera mais de 170 parceiros através de programas e iniciativas como Google News. Quando você olha detalhadamente a distribuição de recurso é uma coisa, mas quando vê o todo, percebe que profissionais de diferentes áreas têm seu espaço no Google, na Play Store, no YouTube e outros canais. O modelo que usamos inicialmente para o buscador, mas que se expandiu por todos os produtos, que combina o orgânico com o patrocinado, é muito poderoso.
Ao observar os produtos do Google, percebe-se que em muitos deles, como o Drive ou o e-mail, o buscador é o ponto central. Como a inteligência artificial se encaixa nessa dinâmica? Ela será uma ferramenta complementar a todos esses produtos ou está se tornando o novo carro-chefe?
Muitas pessoas não estão cientes de que já usamos inteligência artificial há anos. Por exemplo, quando customizamos uma página do YouTube baseada nos vídeos que você assistiu, essa customização é feita com IA. Da mesma forma, quando você está escrevendo um e-mail e ele sugere palavras, isso também é IA. Essas soluções de IA já existem há quase 7 anos. Agora, estamos vendo essas soluções permitindo que as pessoas criem suas próprias ideias. Com essa evolução, surgem inúmeras possibilidades de aplicação, o que tem gerado muito burburinho no mercado. A verdade é que a IA já está entre nós, só que agora estamos começando a perceber seu verdadeiro potencial. Imagina um casal idoso, como meus pais, tendo um assistente robotizado que os lembre de tomar seus medicamentos. Esse tipo de avanço terá impactos sociais enormes, afetando áreas como agricultura, medicina e convivência social. O importante é que, enquanto fomentamos a IA, mantemos os mesmo princípios de responsabilidade aprendidos em outras áreas.
No início do ano, no evento de novidades do Google, foi mostrada uma nova interface para o buscador, que terá mais participação da IA Bard na formatação das respostas. Também, na última semana, o Bard foi integrado em serviços como YouTube e Gmail. Outros players do setor ainda são vistos em fase de desenvolvimento, no Google, a IA já é um produto final?
Em algumas áreas, sim. O maravilhoso é que muitas inovações ainda estão por vir, muitas delas desejadas pelas pessoas, mas não imaginadas. Por exemplo, introduzimos soluções educacionais que respondem às dúvidas mais frequentes dos estudantes. No passado, na escola, o estudante tinha que ligar para um amigo para esclarecer uma dúvida sobre trigonometria, por exemplo. Hoje, essa resposta feita por IA que está ao alcance de todos e gera resultados seguros e de impacto.
O Google foi bastante duro na sua posição contra o PL 2060, também conhecido como PL das Fake News, discutido no Congresso no início do ano. Dado o desenrolar dos fatos, ter sido mais duro na posição resultou no que a empresa almejava?
Estar no comando do Google é fazer parte de uma empresa que representa mais do que apenas uma empresa. Ela tem um grande impacto econômico e social no mundo todo. Regulações são complexas e podem ter efeitos indesejados se não forem bem compreendidas. Gostamos de discutir, de entender como isso pode impactar a sociedade. Se não feito corretamente, os efeitos de uma regulamentação mal executada podem ser piores do que não ter nenhuma. O papel do Google é se engajar no diálogo, mostrar todas as consequências possíveis e ajudar a tomar as melhores decisões com base em informações. Assim como fazemos com qualquer pessoa ou empresa. Nosso objetivo é informar para que as melhores decisões possam ser tomadas. Um bom exemplo é como o Google atuou em relação ao Marco Civil da Internet e à Lei Geral de Proteção de Dados. Sempre defendo que a discussão ocorra de forma ampla, envolvendo a sociedade civil, o usuário final. É parte da nossa filosofia dialogar e engajar nesses casos. Já tivemos batalhas muito amplas sobre regulamentação na internet no Brasil, mas nunca fomos contra nenhuma regulação.
Levando em consideração os próximos 25 anos e os desafios e oportunidades para o Brasil e o mundo, no Google e fora dele, quais mudanças você acredita que ocorrerão?
O Google é muito bom em captar tendências e evoluções sociais e econômicas, pois bilhões nos consultam diariamente. Isso mostra a rapidez e dinamismo do mundo. É impressionante que 15% das buscas diárias sejam novas. Isso revela uma sede de conhecimento. Mas pensando adiante, considero fundamental entender o clima e seus impactos, como produzir mais alimentos de forma eficiente e sustentável e como viver mais e com saúde. Também penso sobre a possibilidade de, em um futuro não tão distante, descobrirmos mais sobre a existência de outros planetas e sistemas. As transformações nessa seara serão rápidas. Quem imaginaria anos atrás que a Índia enviaria uma sonda à Lua? Mas ainda que tudo se transforme e nos leve para novas realidades, eu penso que a complexidade das relações humanas se manterá. Por mais que a tecnologia avance, as relações humanas continuam sendo fundamentais.