Conceito de medicina baseada em valor, que premia a eficiência, ganha força em meio aos esforços para conter a pandemia (Marcello Casal/Agência Brasil)
Rodrigo Caetano
Publicado em 19 de maio de 2020 às 11h01.
O Brasil gastou, no ano passado, mais de 280 bilhões de reais com o Sistema Único de Saúde (SUS). O valor representa cerca de 9% do PIB, uma soma considerável, porém insuficiente para garantir um nível de atendimento adequado para a população. Segundo especialistas, melhorar a aplicação dos recursos com uma gestão baseada em dados poderia resolver a equação. Mas, isso depende de mudanças na maneira como os serviços de saúde são remunerados.
Em meio aos esforços para conter a pandemia, começa a ganhar força no setor de saúde o conceito de value-based healthcare (assistência médica baseada em valor). Na prática, o modelo estabelece a remuneração por resultado, ou seja, quanto menor for a necessidade de intervenções médicas, mais o hospital, ou prestador de serviço, ganha.
Atualmente, os serviços de saúde são remunerados por eventos, independentemente do resultado. Quanto mais intervenções médicas ou cirúrgicas, mais o hospital recebe. Esse modelo cria um conflito inevitável entre quem paga a conta, seja o governo ou um plano de saúde, e o prestador de serviço. “Ao se estabelecer uma remuneração baseada em valor, o foco sai da doença e passa para a cura”, afirma Renato Carvalho, presidente da farmacêutica Novartis no Brasil.
Segundo Luis Carlos Nogueira, especialista em gestão da saúde da consultoria Falconi, na medicina baseada em valor, a cobrança é feita por indicadores de saúde. “A indústria teria de estabelecer os parâmetros e remunerar de acordo com o atingimento das metas”, afirma Nogueira. O SUS, por sua abrangência, poderia atuar como regulador desses indicadores, estabelecendo os padrões de valores financeiros e de nível de serviço para toda a cadeia.
Uma maternidade, por exemplo, saberia o quanto vai receber por determinado número de partos normais. Em caso de complicações, o hospital teria de arcar com parte dos custos, ou seja, dividiria os riscos com o paciente. De maneira geral, é como se o paciente pagasse ao médico um prêmio pela cura, e deixasse de pagar caso houvesse complicações em seu tratamento, como uma infecção hospitalar. Esse modelo incentiva a prevenção e as boas práticas de gestão. Quanto mais eficiente for o hospital, melhor ele será remunerado.
Na indústria farmacêutica, a ideia de receber pelo medicamento apenas em caso de cura ou controle da doença já é considerada. Tratamentos modernos, baseados na análise genética das enfermidades, permitem que as empresas tenham uma grande assertividade sobre as chances de cura, em especial no caso de condições graves, como câncer. A Roche é uma das grandes empresas do setor que estuda adotar o conceito para seus remédios biológicos, que são muito mais caros do que os tradicionais, porém garantem uma alta taxa de sucesso.
Segundo Padraic Ward, líder de mercados internacionais da companhia, a empresa considera adotar um modelo de remuneração baseado no sucesso do tratamento, e não no número de caixas vendidas. “Existem diversas opções, mas o mercado precisa aceitar uma abordagem diferente”, afirma Ward. “Hoje, o padrão é pagar o preço por embalagem. Temos de achar outra maneira”. A Novartis também considera o mesmo caminho, segundo o presidente Renato Carvalho.
A dificuldade, diz Carvalho, é promover essa evolução na gestão e no relacionamento entre os diferentes elos da cadeia em uma indústria que está atrasada na digitalização. “Se você analisar a evolução das agências bancárias e dos hospitais, verá que, enquanto os bancos digitalizaram todos os processos, o setor de saúde se mantém, basicamente, o mesmo”, afirma.
Os esforços para conter o coronavírus, no entanto, promoveram alguns avanços, como a liberação da telemedicina e a consciência de que a gestão é tão importante quando a adição de recursos financeiros. “Na medicina, uma nova tecnologia raramente substitui a anterior, elas se complementam”, afirma Nogueira, da Falconi. “Sem uma gestão adequada, os custos se tornam proibitivos, tanto para o sistema público, quanto para o privado”.