Revista Exame

IA generativa: os erros e os acertos dos CEOs

Executivos de grandes companhias revelam as áreas e as aplicações da IA em que eles têm sido bem ou mal-sucedidos

Fernanda Ribeiro, CEO da Conta Black (Leandro Fonseca/Exame)

Fernanda Ribeiro, CEO da Conta Black (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Salles
Daniel Salles

Repórter

Publicado em 29 de abril de 2024 às 06h00.

Última atualização em 2 de maio de 2024 às 16h57.

Não passaram nem dois anos desde o lançamento da primeira versão do ChatGPT. Pouco tempo? Não para a inteligência artificial (IA) generativa, que faz parte, cada vez mais, do nosso dia a dia. Alguns acreditam que ela vá dizimar uma quantidade incalculável de empregos em pouquíssimo tempo, trazendo novos e sérios problemas para a economia global.

Outros apostam que ela facilitará o dia a dia de programadores, advogados e profissionais responsáveis pelo atendimento a clientes, entre outros, que se verão livres de tarefas enfadonhas.

Quem está certo e quem está errado ainda não dá para dizer. O que se sabe é que muita coisa está mudando — e em altíssima velocidade. O chatbot da OpenAI, vale lembrar, levou apenas dois meses para atingir 100 milhões de usuários, número que o Instagram demorou dois anos e meio para alcançar.

Em muitas companhias, só se fala nisso. Várias lideranças empresariais aderiram à inteligência artificial de imediato, algumas sem saber muito bem por quê. Outras souberam transformá-la em uma grande aliada para aprimorar os negócios. É o caso dos executivos retratados nestas páginas. Em entrevista para a EXAME­ CEO, eles apontam os erros e os acertos na implantação da IA — e refletem sobre o papel dela no futuro de suas corporações.


Fernanda Ribeiro, CEO da Conta Black

Fundada em 2017, a Conta Black já atingiu, no país, a marca de 50.000 clientes nos 26 estados e no Distrito Federal. A maioria das contas pertence a mulheres e a pessoas jurídicas — trata-se, principalmente, de microempreendedores individuais. O propósito da fintech, fundada por Fernanda Ribeiro e seu marido, Sérgio All, é driblar a desbancarização no Brasil e, consequentemente, a exclusão financeira das camadas mais vulneráveis da sociedade — segundo o Instituto Locomotiva, 4,6 milhões de brasileiros adultos não têm conta em banco.

Em 2015, o casal fundou o AfroBusiness Brasil, cujo propósito é dar mais oportunidades de trabalho e renda para a população negra. Já a Conta Black é fruto de um “não” que All recebeu anos atrás. Publicitário, ele tinha uma agência, e quando foi solicitar um empréstimo para trocar equipamentos teve o crédito negado, sem justificativa. Foi no mesmo banco que administrava a folha de pagamentos da agência. Nem ele, um cliente antigo, nem a agência estavam negativados. “Tudo bem, um dia vou abrir um banco”, disse ele na época.

“O empreendedor preto tem o crédito negado quatro vezes mais do que o branco, quando as condições são exatamente as mesmas”, afirma Ribeiro, a CEO da fintech, que aposta muitas fichas na IA para alcançar seus objetivos. Atualmente, a Conta Black está testando a implantação de uma automação que concede empréstimos para empreendedores levando em conta o comportamento deles — e não os critérios de sempre, como score de crédito e CEP. “Muita gente, mesmo quem nunca atrasou uma parcela, recebe um ‘não’ só porque mora na periferia”, diz a CEO. “A IA vai ajudar a corrigir esse tipo de coisa.”

A startup também está incorporando a IA generativa ao chatbot utilizado pelos clientes. “No futuro, graças a ela, os aplicativos dos bancos deverão estar integrados aos apps de troca de mensagens”, acredita Ribeiro. “Será um passo importante para atrair mais gente para o sistema financeiro. É um erro não utilizar a IA para diminuir a desigualdade. Ela está aí para otimizar nossa vida e resolver problemas reais que tomam muito do nosso tempo.”


Alexandre Frankel,  CEO da Housi

Alexandre Frankel, CEO da Housi (Leandro Fonseca/Exame)

Até o final do ano, a Housi espera ter no portfólio um edifício residencial a custo zero. Ela afirma ter conseguido reduzir em 50%, na média, a taxa condominial dos quase 600 prédios que fazem parte de seu ecossistema — com mais de 200.000 apartamentos ao todo, eles estão localizados em 125 cidades, de Recife a Porto Alegre.

A redução se deve a parcerias firmadas com mais de 120 empresas que disponibilizam seus produtos e serviços para os moradores. Muitas delas, a exemplo da Cacau Show e da Petz, instalam vending machines nos edifícios, que, geralmente, ficam com um percentual das vendas em troca do espaço cedido — daí a diminuição do valor das cotas condominiais.

Spin-off da incorporadora Vitacon, a proptech também oferece moradia por assinatura. Mobiliados, os apartamentos disponibilizados podem ser alugados por uma única noite ou por anos e anos — basta acessar a plataforma da empresa. Os valores cobrados incluem água, luz, TV a cabo, internet e até utensílios de cozinha.

Com o aplicativo desenvolvido pela Housi para moradores e hóspedes, a companhia coleta mais de 11 terabytes de dados por dia — a análise está a cargo de uma inteligência artificial. “Humanamente é impossível processar esse volume de dados”, reconhece Alexandre Frankel, CEO da proptech fundada em 2019. “Graças à IA, temos acesso a insights estratégicos para o setor imobiliário.”

Hoje em dia, por exemplo, a Housi consegue apontar para as incorporadoras parceiras — já são mais de 500 — onde existe, exatamente, demanda expressiva por prédios novos. “Historicamente, elas constroem empreendimentos levando em conta apenas a intuição e a vacância de terrenos e, só depois, vão atrás de compradores”, afirma Frankel. “Conseguimos apontar o caminho inverso.”

A Housi também desenvolveu uma espécie de ChatGPT, com base de dados própria, para tirar dúvidas dos consumidores finais em relação ao port-fólio da startup. “Foi um erro”, admite o CEO. “No fim, quem mais usa essa ferramenta são os corretores de imóveis, para quem não estávamos olhando.”


Massanori Shibata Jr.,  CEO do dr.consulta

Massanori Shibata Jr., CEO do dr.consulta (Luis Gustavo Benedito/Divulgação)

Fundado em 2011 com o propósito de ampliar o alcance da saúde complementar, formada por planos, seguros e serviços médicos privados, o dr.consulta aposta boa parte das fichas na tecnologia. Com cerca de 1.200 médicos e uma média de 250.000 visitas de pacientes por mês, que chegam em busca de consultas, exames e procedimentos variados, a healthtech dispõe de uma plataforma que faz uso de um algoritmo cuja razão de ser é gerenciar a oferta e a demanda de serviços.

Ele leva em conta dados epidemiológicos, por exemplo, e a sazonalidade das doenças para definir quantos médicos de cada especialidade, além de técnicos de enfermagem e até recepcionistas, devem estar a postos em cada uma das unidades da rede, espalhadas pela Grande São Paulo. “Ajustar a oferta e a demanda é fundamental para aumentar a eficiência da companhia e garantir preços mais convidativos”, explica Massanori Shibata Jr., CEO da empresa.

O médico registra, no entanto, que cada caminho proposto pela inteligência artificial precisa, necessariamente, ser validado por alguém da equipe dele. “A IA deve atuar como um copiloto”, defende Shibata Jr.. “Deixá-la tomar decisões estratégicas por conta própria seria um erro.”

O algoritmo também tem auxiliado o dr.consulta, que realiza 25.000 atendimentos por telemedicina a cada mês, a prestar atenção no perfil socioeconômico de cada paciente na hora de prescrever exames. “Para faturar mais, muitas clínicas indicam o maior número possível de exames”, lembra o CEO. “Fazemos o oposto: prescrevemos só aqueles que são necessários e que os pacientes -podem pagar.” Os exames que são aconselháveis, porém não obrigatórios, são indicados somente para clientes com melhor poder aquisitivo.

O sistema de assinaturas da companhia, acredita Shibata Jr., mostra que a healthtech está no caminho certo — instituído em 2021, já soma 300.000 CPFs. “Agora estamos desenvolvendo conteúdos para que a IA generativa possa interagir com os pacientes”, adianta o CEO. “A meta é deixar o call center, por exemplo, nas mãos dela.”


Ricardo Kamel, diretor-geral da HP Brasil

Ricardo Kamel, diretor-geral da HP Brasil (HP Brasil/Divulgação)

“Quem nunca mandou uma planilha do Excel para a impressora e se viu com quatro folhas que precisaram ir para o lixo, pois estavam impressas na vertical?”, pergunta Ricardo Kamel, diretor-geral da HP Brasil. Episódios do tipo se devem à dificuldade que muita gente tem para configurar impressões — um problema que a companhia de origem americana pretende resolver com a ajuda da IA.

As novas impressoras da marca, ainda sem previsão de lançamento, vão sugerir para os usuários os layouts mais indicados e até recomendar alterações de títulos, entre outras. Uma ferramenta permitirá transformar fotos em convites de aniversários, por exemplo, automaticamente.

Daqui a quatro meses, estima-se, a HP vai lançar no Brasil o primeiro notebook dotado de IA, uma versão do x360. Ele vai dispor, no teclado, de um botão do Copilot, automação integrada ao Windows- e ao Microsoft 365. “Além de ajudar a aumentar a produtividade, a IA tornará os computadores mais seguros”, afirma Kamel.

Isso porque parte do que é computado hoje na nuvem poderá ser rodada nos próprios notebooks, tornando o processo cinco vezes mais rápido. Ao todo, a companhia planeja lançar 100 SKUs dotados de IA. “Para nós, ela é um divisor de águas similar ao surgimento da energia elétrica”, acrescenta o diretor-geral. Não à toa, a empresa prevê que, até 2027, a IA será incorporada em 60% dos equipamentos eletrônicos.

No dia a dia, a HP passou a fazer uso de IA principalmente para agilizar reuniões. “Agora recorremos ao Copilot em todas elas”, explica Kamel. “Ao resumir para todos o que será discutido, ele tem nos ajudado a abreviar as reuniões em até 15% e permite a quem não participou ficar a par, em 5 minutos, de tudo o que foi conversado.”

Instado a apontar erros relacionados à adoção de IA, ele diz o seguinte: “Ainda estamos aprendendo a usar essa tecnologia, portanto é cedo para dizer se houve algum erro”. Depois faz um desabafo: “Só lamento não ter 3 horas a mais por dia para estudar o assunto.”


Sheynna Hakim, CEO do BNP Paribas Cardif

Sheynna Hakim, CEO do BNP Paribas Cardif (Ramede Felix/Divulgação)

“Somos uma companhia que muitas pessoas utilizam sem se dar conta”, diz Sheynna Hakim, CEO do BNP Paribas Cardif. A seguradora está por trás, por exemplo, do IPlaceCare, que oferece proteção contra roubo, furto e quebra acidental de iPhones. “Trocamos o celular de muita gente, mas só quem leu o contrato assinado sabe disso”, acrescenta a executiva.

Subsidiária de uma companhia francesa, o BNP Paribas Cardif opera há 24 anos no Brasil — são 35 países ao todo. Em 2022, a operação verde-amarela, a quarta maior de todas, faturou 2,6 bilhões de reais. Por aqui, a empresa emite 1,2 milhão de novas apólices por mês e administra mais de 25 milhões de certificados ativos.

Focado no segmento B2B2C, comercializa desde seguro de vida até proteção contra acidentes pessoais. Uma das modalidades garante o pagamento de financiamentos e mensalidades, por exemplo, por um período predeterminado. Em parceria com o PagBank, a empresa inovou, dois anos atrás, ao lançar um seguro para transações feitas pelo Pix.

Boa parte do sucesso é creditada à inteligência artificial (IA), que ajudou a abreviar a abertura de sinistros e torná-la bem mais eficiente. “Nesse momento, temos a obrigação de entregar excelência”, resume Hakim. “O cliente comprou uma proteção conosco, seja para uma geladeira, seja para um sofá, e quer se ver livre do problema quanto antes.”

Graças à automação, 80% das aberturas de sinistro relacionadas a roubo de celular, por exemplo, são feitas digitalmente. No caso do seguro-desemprego, outro produto ofertado, 52% das regulações ocorrem sem o auxílio de nenhum funcionário de carne e osso. Para acionar os seguros, os clientes podem recorrer à central de atendimento, a um número de WhatsApp administrado por um chatbot ou ao aplicativo das companhias parceiras — o Magazine Luiza é a maior delas.

“O maior erro em relação à IA é achar que a mesma ferramenta vai funcionar para todo tipo de empresa e cliente”, defende Hakim. “Já tentamos utilizá-la para descobrir a propensão dos consumidores de certa companhia a adquirir seguros residenciais e não funcionou. Mas deu certo em outros casos. O importante é não parar de medir os resultados para avaliar se os investimentos em IA estão valendo a pena.” 

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