Dilma Rousseff: além de consertar seus erros, Dilma tem de torcer para que o estrago da Lava-Jato não seja grande demais (AFP)
Da Redação
Publicado em 12 de fevereiro de 2015 às 08h16.
São Paulo - Se 2015 fosse um ano normal, já teria tudo para ser difícil para a economia brasileira. É hora, afinal, de começar a tão aguardada temporada de ajustes; de Dilma 2.0 consertar os problemas criados pela gestão Dilma 1.0. Mas 2015 não vai ser um ano normal. Além de todos os desafios que já eram esperados, o país terá de enfrentar um enrosco com potencial para parar de vez a já lenta economia brasileira — a Operação Lava-Jato.
Deflagrada no ano passado, a Lava-Jato investiga a atuação de uma quadrilha que teria roubado por anos a Petrobras, maior empresa brasileira. Além da Petrobras, 23 empreiteiras estão na mira da Justiça. Entre elas estão alguns dos maiores empregadores brasileiros. Obras paradas, operários dispensados, projetos adiados, investidores se retraindo. É o cenário que já começa a se desenhar para 2015.
A presidente Dilma Rousseff, recém-empossada para o segundo mandato, tem na incerteza criada pela devassa do petrolão mais um obstáculo a superar na tentativa de reativar a economia. O problema é que, nessa frente, ela pouco pode fazer.
Obras de infraestrutura tocadas pelas companhias que estão na mira dos promotores públicos podem atrasar. A perspectiva de novos leilões de concessões está anuviada. Tudo conspira contra a necessidade de ampliar os investimentos, especialmente na área de infraestrutura. Ninguém é capaz de dizer aonde o processo doloroso da Lava-Jato vai nos levar. Mas é preciso reconhecer seu princípio positivo.
O resultado pode ser um salto de qualidade nas relações público-privadas, muito bem-vindo para o país ter um futuro melhor. O problema é o preço a pagar para chegar até lá. Os malfeitos correram soltos por tanto tempo que criaram uma conta enorme. Na Itália, a Operação Mãos Limpas, iniciada em 1992, abateu a expansão do PIB do país. Um corte de 10% nos investimentos da Petrobras pode ceifar meio ponto no crescimento da economia.
Mas o que vai ocorrer com as demais empresas? As empreiteiras podem quebrar? Qual o risco de uma contaminação de outros setores? EXAME ouviu dezenas de advogados, economistas, empresários e executivos sobre as possíveis consequências econômicas da Lava-Jato. As respostas estão a seguir.
1. A economia brasileira vai parar em 2015 por causa da Operação Lava-Jato?
Não se pode subestimar a importância que a petrobras e as empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato têm na economia. A construção pesada responde por 6% do PIB. As 23 empresas citadas nos inquéritos da Lava-Jato mantêm mais de 350 000 funcionários nas folhas de pagamentos. A maior empregadora do país é a construtora Odebrecht, com 140 000 trabalhadores.
A Petrobras é a ponta da maior cadeia de fornecedores do Brasil, com mais de 6 000 empresas. A companhia investe em média 70 bilhões de reais por ano. A consultoria LCA estima que uma queda de 10% nesse montante cause um corte de meio ponto no crescimento do PIB.
Com a economia em via de estagnação, qualquer problema com a Petrobras e as grandes empreiteiras é garantia de um cenário ainda pior. E a Lava-Jato não é um problema qualquer.
Com executivos presos, empresas gigantescas à beira da insolvência e uma séria desconfiança de que a coisa não vai parar por aqui, a Lava-Jato já está empurrando a economia brasileira para baixo. A Petrobras, que perdeu 59 bilhões de reais em valor de mercado desde que a investigação foi deflagrada, cogita cortar os investimentos em 2015.
Pudera. Com a descoberta do esquema de corrupção que sangrou estimados 10 bilhões de reais de seu caixa, a empresa nem sequer conseguiu publicar o balanço do terceiro trimestre de 2014 (a auditoria PwC se negou a assiná-lo). A estatal terá um rombo contábil que pode variar de 5 bilhões a 21 bilhões de reais.
Nos cenários mais extremos, a falta de balanço pode dar origem ao caos, com centenas de bilhões de reais em dívidas sendo antecipados a pedido de credores. Não se sabe ao certo o tamanho do corte que vem aí, já que a empresa não pode fazer anúncios detalhados até ter o tal balanço para publicar.
Mas, segundo o economista Simão Silber, da Universidade de São Paulo, a diminuição nos investimentos da Petrobras tira do país as chances de crescimento econômico em 2015. A previsão média é, hoje, de uma expansão de 0,4%. Com a maior empresa do Brasil pisando no freio, o cenário tende a piorar.
Os problemas também já chegaram ao dia a dia das empreiteiras investigadas, o que só agrava a situação. Novos projetos foram suspensos até segunda ordem. E as grandes obras em andamento no país dependem das construtoras hoje na mira da Justiça — hidrelétricas, estradas, aeroportos, linhas de metrô. Em dezembro, a Petrobras anunciou que deixará de fazer novos contratos com 23 empresas investigadas.
Muitas delas fazem parte de grupos empresariais sólidos, mas, por via das dúvidas, os bancos estão sendo duplamente cautelosos na hora de renovar linhas de crédito. Com as dificuldades de financiamento, os canteiros de obras começam a ser esvaziados. A construtora Mendes Júnior atrasou o 13º de 500 funcionários que trabalham na transposição do rio São Francisco, em Pernambuco.
A empresa de engenharia do grupo Alusa não pagou os funcionários na obra da Refinaria Abreu e Lima e teve as contas bloqueadas pela Justiça. Com executivos na cadeia e sem acesso a crédito, as empreiteiras vão gastar o mínimo possível. Obras paralisadas serão rotina em 2015.
2. As empresas investigadas podem fazer um acordo com a Justiça, pagar multas e seguir operando?
A experiência internacional mostrou, nos últimos anos, que o fechamento de acordos com as empresas flagradas em casos de corrupção é um modo de punir sem pôr em risco a continuidade dos negócios — por maiores que sejam as multas aplicadas, ao menos as companhias se livram de um longo processo judicial, cujo desfecho, é incerto e podem tocar a vida.
Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça tem a prerrogativa de chamar para si a responsabilidade de fechar um acordo. Uma vez que seja feito, seus termos não podem mais ser questionados e o caso é encerrado.
Na Holanda, a SBM, empresa de leasing de plataformas de petróleo que admitiu ter subornado funcionários da Petrobras, fez um acordo com a Justiça para encerrar o processo e pagar uma multa de 240 milhões de dólares. “No Brasil, um acerto nesses moldes seria praticamente impossível”, diz Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal.
Por quê? Além da falta de um arcabouço legal e da ausência de qualquer tradição desse tipo de acordo no Brasil, processos como os que estão sendo abertos na Lava-Jato têm pontas demais.
Além das diferentes ações que as empresas poderão ter de enfrentar na Justiça — por improbidade administrativa, prática de corrupção, fraudes em licitação —, elas terão de se defender em diferentes órgãos públicos, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Receita Federal, a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União.
Um executivo pode fazer um acordo com a Justiça, contar o que sabe e ter a pena aliviada. É a hoje famosa “delação premiada”. Uma empresa também pode fazer acertos dessa natureza em processos administrativos — em órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários ou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Mas, no caso de uma ação como a Lava-Jato, com sua enorme complexidade, isso é praticamente impossível.
“As empresas devem procurar cada órgão responsável pelas investigações para a celebração desses acordos”, diz Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador regional da República que integra a força-tarefa da Lava-Jato. “Cada um desses órgãos precisa declarar expressamente sua adesão aos acordos que possam vir a ser firmados com o Ministério Público.”
Além de desbravar um campo jurídico desconhecido no Brasil, os advogados das empresas acusadas teriam de negociar com gente demais, sem que houvesse a garantia de que um eventual acordo seja respeitado por outros órgãos no futuro.
3. Sem acordo, as empreiteiras podem quebrar antes mesmo de ser julgadas?
O risco de uma empreiteira entrar em recuperação judicial nos próximos meses é alto. Falta muito para que os executivos das empresas sejam julgados e que surjam eventuais punições administrativas, mas a verdade é que o mercado não tem se mostrado disposto a esperar a decisão da Justiça, que virá sabe-se lá quando.
Temerosos, os bancos têm relutado em conceder novos créditos a empresas vistas como arriscadas demais. O governo não faz novos contratos com essas empresas. E a lista negra anunciada em dezembro pela Petrobras complicou mais as coisas: o acesso a crédito ficou mais restrito, pois esses fornecedores não podem oferecer como garantia contratos com a estatal, como era a praxe.
As agências de classificação de risco separam as empreiteiras investigadas em dois grupos. O tido como mais sólido é formado pelos grupos menos dependentes de suas construtoras e de contratos com o governo.
“Quanto mais diversificado o grupo, menor o risco”, diz Ricardo Carvalho, diretor da agência Fitch Ratings. É o caso de Camargo Corrêa e Odebrecht, que obtêm menos de 25% da receita no setor de construção. Embora a dívida do Grupo Odebrecht, de 52 bilhões de reais, seja considerada altíssima, a construtora é pouco endividada.
Até agora, a empresa em situação mais complicada é a OAS, que tem dívida líquida de 5 bilhões de reais e depende da construção para obter 60% de suas receitas. A agência Fitch rebaixou duas vezes, em uma semana, a nota de crédito da OAS, que deixou de pagar em janeiro o principal e os juros de uma emissão de debêntures de 103 milhões de reais.
Sua classificação hoje equivale à de uma empresa quebrada. A OAS diz que vai apresentar um plano de reestruturação financeira aos credores. Além da OAS, Mendes Júnior, Queiroz Galvão e Galvão Engenharia tiveram sua nota de risco rebaixada pelas agências.
“O envolvimento em uma investigação como a Lava-Jato causa danos imediatos”, diz o advogado Valdo Cestari de Rizzo, sócio do escritório Lobo & de Rizzo. “Uma empresa não precisa ser condenada para ser punida pelo mercado.”
Trata-se de uma situação similar à enfrentada pela empresa americana de auditoria Arthur Andersen. Em 2002, ela foi declarada culpada por destruir documentos eletrônicos relacionados às fraudes fiscais que levaram à quebra da empresa de energia Enron. A Andersen era uma das cinco maiores firmas globais de auditoria, mas não resistiu ao abalo na credibilidade.
Três anos depois da condenação em primeira instância, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão. Mas, quando o atestado de inocência chegou, a Andersen já estava quebrada.
4. O que as empresas estão fazendo para aliviar os efeitos da Lava-Jato?
Como captar novos recursos no mercado tem se mostrado difícil, algumas das construtoras investigadas tentam vender participações em empresas para melhorar sua situação financeira. A Engevix pôs à venda sua participação em energia e cancelou investimentos, e a OAS pode se desfazer de sua fatia na empresa de infraestrutura Invepar.
A Odebrecht vai privilegiar seu crescimento na Odebrecht Ambiental, de saneamento, e na petroquímica Braskem. A fatia da OAS na Invepar é avaliada em 2 bilhões de reais. Mas, segundo executivos que assessoram essas empresas, a grande dificuldade, hoje, é encontrar compradores com apetite para ter seu nome associado a uma empresa da Lava-Jato.
Há, também, um entrave legal que torna as coisas ainda mais complexas. Se existe o risco de a empresa entrar em recuperação judicial, qualquer venda de ativos ocorrida 90 dias antes será, necessariamente, revista pela Justiça. O risco para o comprador é enorme — se a empresa for à falência, o ativo pode ser envolvido no processo, mesmo que já esteja nas mãos de um novo dono.
“É difícil achar alguém disposto a assumir esse risco, a menos que a aquisição saia a um preço irrisório, o que não vai ajudar em nada o balanço de quem está vendendo”, diz um advogado que tem clientes da Lava-Jato. A última opção das empresas seria, justamente, a recuperação judicial — que dá tempo para pagar as dívidas, conseguir condições melhores com os credores e fazer uma reestruturação mais organizada.
5. O que acontece com as obras enquanto as empreiteiras são investigadas?
Pela letra da lei, as empresas continuam tocando as obras até que os processos sejam julgados. Caso sejam condenadas, podem, de fato, perder contratos em vigor com o poder público. Uma exceção é o processo pela Lei de Improbidade Administrativa, no qual o Ministério Público Federal costuma pedir à Justiça a anulação dos contratos durante o processo.
O Judiciário é que decide se atende ou não o pedido — geralmente os juízes preferem manter os contratos em vigor até o julgamento dos processos. Mas, em caso de condenação, o risco de uma paradeira nas obras é real.
“Nesses casos, a administração pública faz uma nova concorrência, o que pode demorar até um ano”, diz Emerson Gabardo, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos de Infraestrutura, que reúne juristas especializados em infraestrutura.
“Nesse meio-tempo, os serviços já executados e os equipamentos deixados nos canteiros de obras podem se deteriorar, causando mais atraso na execução dos projetos.” Nos projetos tocados por consórcios, se houver condenação por fraude ou improbidade, todas as consorciadas podem ser afetadas pela decisão e correm o risco de perder o contrato.
6. Que punições podem ser aplicadas às empresas?
Empresas não podem ser condenadas na esfera penal — por definição, somente indivíduos cometem crimes. Mas as punições possíveis num caso como o da Lava-Jato são muitas. As empreiteiras estão sujeitas a responder no Conselho Administrativo de Direito Econômico por formação de cartel, sob a acusação de terem feito acordos entre si para superfaturar obras públicas.
As penas incluem multas de até 20% do faturamento bruto e a impossibilidade de fechar contratos com o poder público durante pelo menos cinco anos. As empresas também podem ser processadas na Justiça por improbidade administrativa, que ocorre quando há acertos com servidores públicos ou funcionários de estatais para desviar dinheiro.
As multas chegam a três vezes o valor do acréscimo patrimonial resultante dos desvios. Ainda na Justiça, as empreiteiras podem ter de se defender da acusação de fraudes nas licitações, cujas multas variam de 2% a 5% do valor dos contratos fraudados.
Um dos principais temores dos representantes das empresas é a Lei Anticorrupção, em vigor desde fevereiro do ano passado. Caso fique comprovado que os crimes foram posteriores à adoção da nova lei, as empresas poderão pagar multas de até 20% do faturamento bruto da empresa e ficar proibidas de receber empréstimos de bancos públicos por cinco anos.
Embora a ameaça de punições no futuro seja séria, o maior risco, hoje, é o que se poderia chamar de “efeito Delta” — um cenário de caos em que diversos entes públicos simplesmente ignoram o devido processo legal para mostrar que não fazem negócio com quem é tido como “bandido” pela opinião pública.
Em fevereiro de 2012, a Delta foi acusada de pagar propinas para ganhar licitações. Foi o começo do fim, que veio rápido. Na época, a Delta fazia parte do consórcio responsável pela construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
A Petrobras decidiu cancelar em maio os contratos com o consórcio sob a alegação de que a construtora não teria cumprido exigências de segurança, produtividade e desempenho (ninguém acreditou na desculpa). O contrato foi anulado, e o consórcio responsável teve um prejuízo de 150 milhões de reais. Mas não foi só isso.
Em quatro meses, e antes de qualquer condenação na Justiça, a Controladoria-Geral da União declarou a empresa inidônea — em meio ao turbilhão causado pelas denúncias, o órgão desengavetou investigações que se arrastavam há quase dois anos sobre outros pagamentos de propina.
Essa punição é um tiro no coração de uma empreiteira: impediu a Delta de manter seus contratos com a União e a fez abandonar as obras na Ferrovia Oeste-Leste e perder contratos que somavam 2,5 bilhões de reais com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. A empresa teve contratos suspensos com as prefeituras de Goiânia e Teresina.
A Corregedoria-Geral do Estado de Goiás e os Ministérios Públicos de Minas Gerais e de Mato Grosso começaram investigações sobre os negócios da empreiteira, que também foi afastada do consórcio responsável pela reforma do Maracanã. A Delta pediu recuperação judicial antes de qualquer decisão da Justiça.
7. Caso as maiores empreiteiras percam suas obras e não possam mais fechar contratos com o governo, empresas estrangeiras podem suprir a demanda?
Em tese, sim, embora na prática seja muito difícil. Empreiteiras estrangeiras como a americana Bechtel já atuam no país, mas modestamente. Elas raramente tocam obras e, na maioria das vezes, limitam-se a prestar serviços como o fornecimento de softwares que ajudam a gerenciar os canteiros de obra ou a gestão das operações de portos e aeroportos.
A falta de interesse das estrangeiras pelo mercado brasileiro é histórica. Para atuar por aqui, as construtoras estrangeiras precisam abrir uma empresa no país e contratar um engenheiro responsável, com registro profissional no Brasil. O processo é moroso.
O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia não reconhece automaticamente a formação dos engenheiros estrangeiros — seus diplomas têm de ser validados por universidades brasileiras. Mas a principal razão do desinteresse é simplesmente financeira.
“As taxas de financiamento no Brasil são muito altas, se comparadas às de outros países”, diz Jong Uk Moon, diretor de contratos da subsidiária brasileira da construtora sul-coreana Posco. Isso inviabiliza, na visão dos estrangeiros, participar de projetos cuja rentabilidade é baixa — algo que o governo brasileiro tem exigido nos leilões de concessões de infraestrutura realizados nos últimos anos.
A Posco, por exemplo, nunca participou e nem sequer planeja entrar nesse mercado. No momento, o interesse é apenas em obras privadas, como a Companhia Siderúrgica de Pecém, que está executando no Ceará. Portanto, imaginar que as empreiteiras estrangeiras estão apenas esperando o ocaso das nacionais para assumir suas obras não passa de ilusão.
8. A Lava-Jato deixará efeitos econômicos negativos no médio prazo?
É provável. O principal é a paralisação de obras fundamentais para a ampliação da infraestrutura no país e para o plano de negócios da Petrobras. As obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que empregaram no pico 40 000 pessoas, são executadas por oito empresas investigadas e o projeto já está atrasado em mais de cinco anos.
Claro, a roubalheira e a lentidão na obra custaram caro ao país, e no longo prazo é possível que a Lava-Jato torne as licitações públicas mais baratas e eficientes. Mas, até lá, o ritmo deve diminuir. OAS, UTC e Odebrecht são também sócias no consórcio que prevê entregar seis navios-sonda à Petrobras até 2020, necessários para a exploração e a produção do pré-sal.
“Esperamos mais atrasos nas obras de infraestrutura no país porque os bancos tendem a tomar cuidado redobrado no financiamento”, afirma Renata Lotfi, analista da agência Standard & Poor’s. Existe também o risco de um efeito cascata. As empresas investigadas são responsáveis ou têm participações em 100% dos aeroportos concedidos à iniciativa privada e administram 24% das rodovias federais privatizadas.
Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão e Galvão Engenharia constroem, também, a usina de Belo Monte, um projeto de 30 bilhões de reais. E, enquanto a confusão continuar, é quase impossível que o governo faça uma nova rodada de concessões — algo que deveria ser prioridade número 1 de um país com infraestrutura precária como o Brasil.
9. A crise pode atingir outros setores da economia?
Sim. O principal mecanismo de transmissão seria o sistema financeiro. A dívida dos maiores grupos de construção envolvidos na Operação Lava-Jato ultrapassa 100 bilhões de reais. Já é dinheiro suficiente para deixar ressabiados os bancos credores, que enxugaram o crédito às construtoras, e os investidores estrangeiros, que compraram as debêntures e os bônus emitidos por elas.
Mas a inédita abrangência da Operação Lava-Jato espalhou no mercado financeiro a dúvida (e dúvida demais não costuma combinar bem com a atividade bancária): aonde tudo isso vai parar? Outras estatais também serão denunciadas? Os fundos de pensão, com suas suspeitíssimas estratégias de investimento, sairão ilesos? Os empréstimos do BNDES passarão por um pente-fino? Quem mais vai ser preso? Quem foi grampeado? Ninguém sabe.
No pior dos cenários, esse receio se transformaria num risco sistêmico. Foi o que aconteceu em setembro de 2008, quando a quebra do banco de investimento americano Lehman Brothers fez com que ninguém emprestasse para ninguém — e a situação só melhorou quando o governo dos Estados Unidos topou pagar a conta.
Claro que o atual momento brasileiro não lembra em nada a crise americana de 2008, quando parecia que o mundo acabaria em questão de horas. Mas executivos de bancos estrangeiros e nacionais afirmaram a EXAME que o cenário não pode ser descartado. O mesmo vale para investidores estrangeiros, que têm tratado as empreiteiras investigadas como se fossem material radioativo.
“O investidor já perdeu dinheiro com as petroleiras OGX e HRT no ano passado e agora enfrenta calote de grandes empresas de construção”, diz o executivo John Welch, especialista em América Latina do banco canadense CIBC. “Hoje, poucos se arriscam a investir em infraestrutura no Brasil.”
O risco é que essa percepção se espalhe, e empresas que nada têm a ver com a Lava-Jato, concessões públicas ou obras superfaturadas também sofram com uma eventual aversão ao Brasil.
O juiz federal Sergio Moro, que coordena a Lava-Jato, é um estudioso da Operação Mãos Limpas — que colocou na cadeia a quadrilha que pilhava o Estado italiano. Mas a Mãos Limpas mostrou que processos de depuração desse tipo não saem barato.
Segundo um estudo da Universidade de Roma, a economia italiana passou dez anos crescendo menos do que poderia depois da deflagração da Mãos Limpas. Investimentos públicos foram cancelados, grupos industriais quebraram, contratos foram revistos, consumidores perderam a confiança. Por quatro anos, bancos americanos nem sequer emprestaram para empresas italianas.
Os paralelos com o Brasil são, de fato, impressionantes. De acordo com a denúncia do Ministério Público, uma quadrilha formada por políticos, empresários e executivos assaltou, por anos a fio, a maior empresa brasileira. A suspeita é fortíssima de que a coisa não tenha parado na Petrobras. Caso os crimes sejam provados, que as punições sejam duríssimas.
Talvez a incerteza atual seja o preço a pagar por ter deixado a quadrilha solta por tanto tempo. O país sairá dessa confusão melhor do que entrou — é torcer para que não saia caro demais.