Usina de Cubatão, da Usiminas: os italianos querem ficar com parte da empresa (.)
Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2016 às 05h56.
São Paulo – Foi difícil encontrar quem não ficasse aliviado quando, no dia 17 de março, os controladores da Usiminas, uma das maiores siderúrgicas do país, entraram em acordo com seus principais credores. O alívio era facílimo de entender quando se constatava que a alternativa era uma só: o calote.
Endividada ao extremo e com dois sócios — a italiana Techint e a japonesa Nippon Steel — metidos numa guerra aberta, a Usiminas parecia um caso sem solução. Mas, naquele dia de março, o problema foi empurrado com a barriga. Começou ali uma contagem de 120 dias, durante os quais a empresa ganharia um alívio dos credores, até que, em 22 de julho, seguia o acordo, os bancos assinariam uma carência de três anos e aceitariam parcelar a dívida em sete anos.
A contrapartida exigida dos sócios foi apenas uma: eles deveriam fazer um aporte de 1 bilhão de reais de dinheiro novo na companhia. Techint e Nippon, um tanto relutantemente, é verdade, toparam. O dia 22 de julho, portanto, seria o primeiro dia do resto da vida da Usiminas. Mas faltou combinar com uma pessoa. E logo com Benjamin Steinbruch.
Controlador da também siderúrgica CSN, Steinbruch tem quase 20% da Usiminas, participação que acumulou em 2012 e que, de lá para cá, desvalorizou 80%. Por razões de ordem legal — o Cade, órgão de defesa da concorrência, impedia que o empresário atuasse na Usiminas —, Steinbruch assistia, um tanto passivamente, enquanto Techint e Nippon tentavam se resolver.
Mas, em abril, tudo mudou. Numa decisão que deixou os controladores da Usiminas estupefatos, o Cade deixou Steinbruch indicar membros do conselho de administração — ele fez uma lista de dez nomes para que o Cade escolhesse dois. Começou, então, uma guerra jurídica. Desde abril Steinbruch obteve duas liminares e ingressou com três processos.
Seu objetivo é impedir o aumento de capital acertado entre Techint, Nippon e credores. A condição dos bancos, no entanto, é que até o dia 22 de julho o bilhão inteiro esteja disponível no caixa da empresa — ou o acordo estará suspenso e uma dívida de 7 bilhões de reais poderá ser cobrada imediatamente. Como a Usiminas não tem nem um simulacro desse dinheiro, o resultado seria aquele que todos tentam, de todo jeito, evitar: o pedido de recuperação judicial.
Em suas inúmeras ações judiciais, Steinbruch alega que está sendo passado para trás pela dupla Techint-Nippon. “Exigir que os minoritários coloquem dinheiro numa empresa prejudicada pela guerra de acionistas e que tem caixa em sua subsidiária é uma desculpa para diluir os pequenos acionistas”, diz Luiz Paulo Barreto, diretor institucional da CSN (Steinbruch não concedeu entrevista).
Na ação judicial e numa representação na Comissão de Valores Mobiliários, ancorada em um parecer do professor Eliseu Martins, ele alega que a Usiminas fez uma manobra contábil para reduzir o caixa de uma subsidiária, a Musa, e assim criar a necessidade de uma capitalização cujo objetivo seria diluir a CSN ao ponto da irrelevância — assim, os sócios teriam liberdade para fazer o que bem entendessem com a Usiminas.
Até surgir a proposta de capitalização, Steinbruch acreditava que o confronto dos controladores estimularia algum deles a comprar suas ações. Quando Techint e Nippon aparentemente pararam de brigar, a postura mudou. E quem resolveu partir para a briga foi ele, Steinbruch.
Na opinião dos controladores da Usiminas, o real objetivo de Steinbruch seria quebrar a empresa. Em plena crise do setor siderúrgico e com a desvalorização das ações, a CSN já reconheceu parte da perda patrimonial com o investimento feito na empresa mineira e, já que não poderá assumir o controle, segundo essa visão, seria melhor quebrar a concorrente.
Questionar a capitalização e empatar o acordo com os credores, portanto, seria o caminho ideal. Italianos e japoneses estão de cabelo em pé com o retorno da CSN à mesa da Usiminas. “É como ter alguém da Apple no conselho da Samsung”, diz o representante de um dos controladores. Os controladores também dizem não entender a mudança de postura do Cade, considerada inexplicável.
Em 2014, a autarquia decidiu que a CSN não poderia participar das decisões da Usiminas e deveria se desfazer de suas ações em determinado prazo, sigiloso — dois executivos com conhecimento do assunto afirmam que o prazo é 2018.
Mas veio a decisão de abril. A própria Techint indicou, numa petição enviada ao Cade no dia 5 de julho, que um dos efeitos benéficos da capitalização seria diluir a CSN — para os italianos, Steinbruch estaria impedido, pela posição anterior do Cade, de comprar mais ações.
Como ele já depositou em juízo os 178 milhões de reais de sua parcela na capitalização, a Techint pede à autarquia que obrigue a CSN a vender suas ações antes do prazo inicial, já que estaria rompendo o acordo. Em nota, a Usiminas diz que a CSN, sua principal concorrente, tenta impedir medidas vitais para seu reequilíbrio financeiro.
A entrada de Steinbruch na briga só acentua os problemas de uma empresa com governança totalmente disfuncional. Hoje ninguém mais se levanta para ir ao banheiro por lá sem uma liminar. Mesmo Techint e Nippon, que haviam se acertado nas negociações com os credores, seguem se estapeando no dia a dia.
Os italianos conseguiram juntar votos suficientes no conselho de administração para demitir o presidente da empresa, Rômel Souza, indicado pela Nippon em 2014 — ano em que os sócios romperam e os japoneses se articularam para demitir a diretoria nomeada pela Techint. Em seu lugar, assumiu Sergio Leite, que era vice-presidente comercial.
A Nippon defendia a reeleição de Souza, afirmando que ele fez o trabalho mais difícil — passou o Carnaval negociando com bancos e chegou a quebrar os dentes de tanto rangê-los em meio à tensão. Derrotados no conselho, os japoneses agora pedem na Justiça a suspensão da eleição e a reintegração de Souza à Usiminas.
Em julho, a juíza que tem recebido as queixas, em Belo Horizonte, disse que, se os controladores não chegarem a um consenso, é ela quem vai definir um presidente para a Usiminas (até o fechamento desta edição, não havia decisão sobre o assunto).
Antes restrita a petições judiciais e reuniões internas, a briga dos sócios da Usiminas tornou-se pública em junho. A CSN publicou um anúncio de jornal, no final do mês, em que questiona os contratos da Nippon e de suas controladas com a Usiminas e suas subsidiárias — segundo um relatório da consultoria Apsis, o volume seria superior a 20 bilhões de reais.
Os japoneses dizem que os contratos não chegam a 1% disso. A CSN também argumenta que os italianos dão esse benefício aos sócios em troca de mandar e desmandar na empresa (em uma petição, ilustram os argumentos com o desenho de um japonês tirando leite de uma vaca chamada Usiminas e um argentino montado nela).
A Techint procurou os japoneses para responderem juntos às acusações — mas foi informada de que a Nippon faria o próprio anúncio, no qual decidiu atacar justamente a Techint pelas mudanças na diretoria e poupar a CSN. No anúncio, os japoneses falam em “súbita traição” do conselheiro Luiz Miranda, representante dos funcionários que começou a votar junto com a Techint.
O sindicalista, voz à frente dos funcionários de Ipatinga, onde fica a Usiminas, passou a se defender em discursos inflamados, atacando os japoneses, e disse que cogita mover uma ação de indenização. Sergio Leite, presidente da Usiminas, também ficou ofendido com a insinuação de que traiu a confiança do presidente anterior.
O chefão da Techint, Paolo Rocca, marcou uma viagem ao Japão para encontrar o presidente da Nippon, Kosei Shindo. No começo de julho, outro anúncio dos japoneses, dessa vez dirigido à CSN, dizia que a empresa está inventando números e só quer prejudicar a Usiminas.
Em apenas quatro meses, 14 liminares foram concedidas pela Justiça aos sócios da Usiminas, que se engalfinham em quatro ações judiciais e 20 representações na Comissão de Valores Mobiliários. A disputa por liminares começou quando a CSN pediu a suspensão da reunião do conselho de administração e também da assembleia de acionistas que decidiriam sobre a capitalização. Perdeu ambas.
Ternium, Techint, Usiminas e Nippon dispararam pedidos de liminares e mandados de segurança em diferentes tribunais para impedir a participação de conselheiros da CSN nas reuniões e assembleias e tentaram uma ação para anular a decisão do Cade. Uma reunião de conselho só aconteceu com representantes da CSN porque seus advogados conseguiram cassar uma liminar meia hora antes do início.
Na guerra em que todos parecem ter toda e nenhuma razão, a Usiminas está rendida aos interesses particulares de seus acionistas. Os japoneses e os italianos querem dividir a empresa em duas, ficando a usina de Ipatinga para a Nippon e a usina de Cubatão para a Techint.
Seria uma forma de acabar com o embate diário. Mas isso também não estava combinado com Steinbruch, que já declarou que é contra a divisão da empresa, pois não traria nenhum benefício a seus minoritários. Correndo contra o relógio, a Usiminas precisa desesperadamente de algum consenso. E isso nunca pareceu tão difícil.