Repórter Exame IN
Publicado em 20 de março de 2025 às 06h00.
Última atualização em 21 de março de 2025 às 10h43.
Johann Bordais: “Estamos numa corrida pela linha de largada” (Leandro Fonseca/Exame)
Em 2017, a Embraer criou a Eve e embarcou na jornada de desenvolvimento dos veículos elétricos de decolagem e pouso vertical (eVTOLs) ― os “carros voadores”, que devem ser a nova fronteira da aviação e da mobilidade urbana. Dos mais de 300 concorrentes que surgiram nessa corrida, sobraram apenas algumas dezenas. Como CEO da Eve, a Embraer escolheu Johann Bordais, com mais de duas décadas de empresa e o responsável em transformar a área de serviços em um negócio global. À EXAME, Bordais narra a expectativa para o voo teste, previsto para este ano, e, especialmente, para a certificação em 2027, passo crucial para fazer do atual protótipo um produto comercializável. “A concorrência ainda não certificou, mas não quero ser o primeiro, eu quero ser o certo.”
Quando se fala em eVTOLs, há uma visão futurista desses veículos sobrevoando as cidades. Estamos perto de ver isso?
Nossa missão é reimaginar as conexões humanas, criando uma alternativa de mobilidade aérea urbana. Não se trata de um substituto dos helicópteros ou de outro veículo poluente. Pela primeira vez na história da aviação, conseguimos, com a tecnologia disponível, criar um veículo que decola, voa e aterrissa de maneira completamente elétrica. Ele não é um carro voador no sentido de ser algo que você comprará em uma concessionária e guardará na garagem. Mas a visão e a aspiração estão alinhadas com a ideia de oferecer uma alternativa real de mobilidade urbana aérea. Daí, sim, podemos pensar no início de uma jornada para chegar aos Jetsons.
Qual é o momento atual da Eve e dos eVTOLs?
A Eve é uma empresa pré-operacional. Estamos em uma corrida para chegar à certificação e tornar o produto comercializável. O mais importante é garantir que teremos um produto seguro e certificado pelas autoridades brasileiras e de outros mercados. Em 2024, alcançamos um marco importante com a apresentação do protótipo de engenharia em Gavião Peixoto [planta da Embaer]. Esse processo é essencial para iniciar os testes antes do primeiro voo, que está previsto para meados de 2025.
Esse é um voo teste. Qual é a expectativa e quais serão os passos seguintes?
O objetivo inicial é validar o conceito e confirmar os modelos computacionais que temos. Em 2024, realizamos testes em túnel de vento com um protótipo em escala reduzida para simular aerodinâmica e níveis de ruído. Todo esse processo faz parte da certificação, que deve ser concluída em 2027.
Como a Eve se sustenta antes da certificação?
Precisamos da certificação do produto e, para isso, precisamos de recursos. O que fizemos foi reforçar o caixa. Arrecadamos cerca de 400 milhões de dólares no IPO e, em 2024, conseguimos novos investimentos para garantir fluxo de caixa pelos próximos dois a três anos [200 milhões de reais com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e 96 milhões de dólares com a própria Embraer e a Nidec, fabricante japonesa de motores]. Além disso, negociamos com os clientes pagamentos adiantados para poder financiar, inclusive, a produção das suas aeronaves. Esses pagamentos vão também trazer receita [ao fim de 2024, a carteira de pré-encomendas era de 14 bilhões de dólares]. Estamos desenvolvendo um ecossistema. Os clientes vão precisar de peças antes, vamos ter receita dos serviços pós-venda.
Até 2027 os desafios de viabilidade econômica dos eVTOLs serão superados a ponto de o modal ser adotado?
No início, os eVTOLs utilizarão os helipontos já existentes. Com o tempo, precisaremos criar infraestrutura, os vertiportos. A viabilidade econômica depende de um alto volume de operações diárias. Em torno de 15 a 20 voos por dia, com duração de 15 a 20 minutos cada. Isso diferencia o eVTOL de helicópteros, que operam com baixa demanda e custo elevado. Com uma demanda que não existe hoje, será preciso criar rotas aéreas específicas para o eVTOL e que se conectem a mais modais de transporte. A pergunta não é se vai acontecer. É quanto que isso vai se espalhar. Depende muito da preparação do ecossistema. A estratégia da Eve é olhar cidade por cidade. Nessas 2.800 aeronaves encomendadas há clientes de diversos países, em que olharemos as rotas a implementar. O próprio Brasil é um continente que tem potencial para ser um dos primeiros modelos de mobilidade urbana aérea 100% elétrica no mundo.
Como a Eve se posiciona na corrida dos eVTOLs diante da concorrência?
Há cinco anos, existiam mais de 300 iniciativas de eVTOL. Restaram algumas dezenas. A revolução que está acontecendo agora é a aviação elétrica. Nossa vantagem é a expertise da Embraer, que garante a certificação, a produção em larga escala e o suporte operacional. Pode parecer que estamos atrasados, mas não estamos. Não queremos ser os primeiros a voar, mas, sim, os primeiros a fazer certo.
Vocês levantaram 500 milhões de reais com o BNDES para a fábrica em Taubaté. Qual será a capacidade de produção?
Escolhemos Taubaté por ser um site já existente da Embraer, facilitando a conversão para linha de produção. Temos a cabeça nas nuvens, mas os pés no chão. Por isso a fábrica será modular, com capacidade inicial de 120 aeronaves por ano, para a empresa ter seu breakeven, podendo chegar a 480 unidades anuais.
A qualificação da mão de obra é um desafio?
O que diferencia a Eve da aviação tradicional é a eletrificação. O desenvolvimento de baterias de alta capacidade e de motores elétricos é feito por fornecedores primários em conjunto conosco. Nossa vantagem é que o Vale do Paraíba tem 55 anos de experiência em engenharia e industrialização aeronáutica. Parcerias com escolas da região vão garantir mão de obra especializada.