Rodrigo Galindo, da Kroton: pressionado no maior negócio de sua vida (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2014 às 07h59.
São Paulo - O dia 25 de fevereiro foi de sorrisos e tapinhas no ombro na sede do banco BTG Pactual, na avenida Faria Lima, em São Paulo. Com 50 banqueiros, empresários e investidores, Rodrigo Galindo, presidente da rede de ensino Kroton, e Roberto Valério, da concorrente Anhanguera, demonstravam um clima de paz.
Estava, diziam eles, tudo bem com a fusão que criará a maior empresa de educação do mundo. Era uma tentativa clara de acalmar um mercado que passara a apostar no fracasso da fusão das duas companhias — proposta dez meses atrás e ainda não aprovada pelo Cade, órgão de defesa de concorrência.
O motivo dessa suspeita é a brutal mudança no valor de mercado das duas empresas desde então. As ações da Kroton subiram 61%, e as da Anhanguera, apenas 9%. Em fevereiro, a Kroton passou a valer o dobro da futura parceira. Mas, pelo que havia sido acertado, os acionistas da Kroton teriam 57% da nova empresa, e os da Anhanguera, 43%. As mudanças levaram acionistas da Kroton a questionar o negócio.
Galindo e Valério foram ao encontro no BTG para tentar mostrar que a relação é ótima, apesar de tudo. Mas, nos bastidores, a realidade é o contrário disso. A fusão está, sim, em risco. E a relação entre os dois lados é tudo, menos ótima.
Pelo contrato assinado, caso um dos dois lados desista da fusão, deverá pagar ao outro uma multa de 250 milhões de reais. Mas, se a proposta for derrubada pelos acionistas nas assembleias previstas para acontecer depois da aprovação pelo Cade, não haverá punição.
É por isso que a situação é difícil. No dia 28, as duas empresas emitiram um comunicado conjunto em que se dizem dispostas a seguir adiante com os termos acertados em abril. Mas todos ali sabem que será preciso convencer os acionistas da Kroton disso. Do contrário, a fusão não vai adiante.
Por isso, conselheiros e executivos que controlam a Kroton (mas possuem apenas 22% das ações da empresa) tentam convencer seus futuros parceiros a renegociar a relação de troca — em termos mais favoráveis à Kroton, claro.
A primeira conversa entre Galindo e Valério sobre o tema aconteceu numa reunião do comitê de integração das empresas, em meados de fevereiro.
Galindo informou que havia sido procurado por pelo menos quatro fundos descontentes com os termos do contrato — M Square, BlackRock, Constellation e Oppenheimer. Eles são donos de cerca de 20% das ações da Kroton e, disse Galindo, podem melar o negócio caso se articulem com outros investidores. Valério reiterou que não pensa em abrir mão dos termos acordados.
Depois dessa conversa ficou a impressão de que Kroton e Anhanguera estavam, de novo, em campos opostos. Os rivais (e futuros sócios) acusavam Galindo de usar os minoritários descontentes como desculpa para espalhar que a fusão fracassaria — numa tentativa de jogar para baixo as ações da Anhanguera e, assim, renegociar um contrato com o outro lado nas cordas.
Já para a Kroton, a intransigência da Anhanguera é sinal de que seus executivos não estão sendo razoáveis. O imbróglio sugere que, mesmo que a fusão seja aprovada, a maior empresa de educação do mundo nascerá com desconfiança mútua dos dois lados.
O Início do impasse
A rigor, o clima já havia esquentado semanas antes, quando a Kroton tentou mudar uma das regras do contrato — ela previa que só 25% do lucro de 2013 das duas empresas poderia ser distribuído como dividendos. A Kroton tentou mudar a regra, de olho num lucro que deve superar 500 milhões de reais. Não conseguiu.
Para quem conhece as duas empresas, era um sinal de que a fusão estava ameaçada. Procurados, os principais executivos das duas empresas não concederam entrevista.
Essa é uma situação inédita no Brasil. Até 2011, as fusões eram primeiro fechadas para, depois, ser analisadas pelo Cade — o que dava origem a inúmeros problemas. Agora qualquer aquisição precisa do sinal verde do Cade para ser concluída. O prazo máximo para o Cade se manifestar é 330 dias. Mas muita coisa pode acontecer nesse período.
E Kroton e Anhanguera tiveram um 2013 bastante distinto. Na Kroton, o lucro operacional cresceu 55%, e o faturamento subiu 35%, para estimado 1,9 bilhão de reais. Na Anhanguera, o ano ficou aquém do projetado. Nos primeiros nove meses, a receita cresceu 11%, para 1,4 bilhão de reais, mas o lucro operacional caiu 1%.
Pelo lado da Kroton, a solução para o impasse é a Anhanguera sentar para conversar, abrir mão de ações na nova empresa e pôr fim ao burburinho. “Ainda não fizemos a conta de o que seria mais justo, mas deve ser algo como 70% a 30%”, diz um acionista da Kroton. No dia 7 de março, data de fechamento desta edição, a Kroton valia 11,8 bilhões de reais na bolsa, ante 5,7 bilhões de reais da Anhanguera.
Para a Anhanguera, o acordo tem de ser cumprido na íntegra. Além disso, seus executivos avaliam que as semanas que faltam até a aprovação do Cade — que tem de acontecer até 12 de junho — podem reequilibrar o jogo a seu favor. De fato, a diferença entre o valor das duas já foi maior.
A Anhanguera também antecipou a divulgação dos resultados de 2014 do dia 27 de março para o dia 17. Se vierem acima do previsto, poderão dar um empurrão nas ações.
Em paralelo, as duas empresas trabalham com a possibilidade de o acordo fazer água e terem de continuar sozinhas — ou partir para um plano alternativo. Acionistas da Kroton já estudam a viabilidade de fazer uma oferta hostil pelas ações da concorrente na bolsa, já que a empresa tem controle pulverizado.
Nesse caso, a Kroton faria uma oferta de aquisição pagando um pouco mais do que a Anhanguera vale — ainda assim menos do que o previsto no acordo de fusão — e ficaria dona absoluta da futura empresa. Rodrigo Galindo não precisaria responder a um conselho presidido por Gabriel Rodrigues, um dos maiores acionistas da Anhanguera e, hoje, do outro lado das negociações.
Mas uma reviravolta na fusão também abre espaço para concorrentes. A rede Estácio, hoje a segunda maior do setor, poderia se juntar tanto à Kroton quanto à Anhanguera, embolando a disputa pela liderança. Além disso, qualquer fundo de investimento poderia aproveitar a situação e fazer uma oferta pela Anhanguera na bolsa.
O momento atual é o mais desafiador da carreira de Rodrigo Galindo. Ele liderou a transformação da Kroton — e a empresa virou a maior e mais rentável de todas. A fusão com a Anhanguera era sua maior tacada, mas pode, hoje, ser interpretada pelos acionistas da Kroton como um erro.
Era mesmo impossível prever a diferença no desempenho entre as duas empresas? Galindo está desafiado a transformar esse limão numa limonada, seja renegociando, seja comprando a Anhanguera numa oferta hostil. Terá, assim, feito um bom negócio, mas correrá o risco de ser visto como descumpridor de contratos.
A ameaça à fusão também levanta dúvidas sobre a estratégia adotada pela cúpula da Anhanguera. O então presidente da empresa, Ricardo Scavazza, deixou o cargo imediatamente para retornar ao fundo de investimento Pátria, que foi acionista da Anhanguera por mais de dez anos.
Entrou em seu lugar Roberto Valério, vice-presidente de operações, que vinha sendo preparado para assumir. Mas a troca foi de supetão — o convite foi feito no dia em que a fusão foi assinada, um domingo. “Faltou ao Valério a experiência de relacionamento com o mercado, fundamental num momento como esse”, diz um acionista da empresa.
Segundo esse acionista, Galindo soube “vender” ao mercado os avanços da Kroton, enquanto a Anhanguera deixou que os resultados falassem sozinhos. Desde o início do ano, Valério passou a interagir mais diretamente com os acionistas. A decisão do Cade tem de sair até 12 de junho.
Se não conseguir julgar o caso a tempo, a fusão será aprovada automaticamente. O que criaria uma situação bizarra. Talvez o Cade aprove uma fusão que, hoje, pouca gente quer.